A bactéria Helicobacter pylori, mais conhecida como H. pylori, vive no nosso estômago e duodeno, sendo responsável pela infecção bacteriana crônica mais comum em seres humanos, presente em todas as populações e em indivíduos de todas as idades.
A H. pylori é uma bactéria que possui incrível capacidade de sobreviver no estômago, um dos ambientes mais inóspitos do nosso organismo, um meio extremamente ácido, com um pH inferior a 4.
A acidez do estômago é um dos mecanismos de defesa do nosso organismo contra as bactérias que são ingeridas junto aos alimentos. Poucos são os seres vivos que conseguem sobreviver em um ambiente com pH tão baixo. A H. pylori é uma dessas exceções.
Leia mais:A bactéria apresenta alguns “truques” evolutivos que permitiram a ela se adaptar a um meio tão hostil. Ela produz substâncias que neutralizam os ácidos, formando uma espécie de nuvem protetora ao seu redor, permitindo que a mesma se locomova dentro do estômago até encontrar um ponto para se fixar.
Além dessa proteção, a H. pylori consegue ultrapassar a barreira de muco que o estômago possui para se proteger da própria acidez, aderindo-se à mucosa, área abaixo do muco, onde a acidez é bem menos intensa.
Portanto, além de produzir substâncias contra a acidez, a H. pylori consegue penetrar no estômago até locais onde o ambiente é menos agressivo. A infecção pelo HP é muito prevalente em nosso meio e deve ser pesquisada preferencialmente por métodos não invasivos se não houver necessidade de endoscopia.
A erradicação é indicada nos clássicos casos de úlcera gastroduodenal cicatrizada ou não, no linfoma tipo MALT, além de múltiplas outras situações listadas nos novos consensos, que incluem a dispepsia. O tratamento padrão continua sendo a terapia com IBP, amoxicilina e claritromicina, agora, por 14 dias.
A infecção pelo HP é um dos assuntos mais abordados em Gastroenterologia nas últimas décadas. Sua associação às mais variadas doenças já foi proposta, como problemas digestivos incluindo gastrite crônica, úlcera péptica e câncer gástrico. De tempos em tempos, os especialistas se reúnem para definir posições comuns de conduta.
A transmissão ocorre, principalmente, pelas vias oral-oral e oral-fecal e raramente é secundária a vetores ou por água contaminada. A infecção é, em geral, adquirida na infância, e a minoria apresenta reinfecção após a erradicação. A incidência de infecção é alta e inversamente relacionada ao nível socioeconômico da população estudada.
A gastrite por HP é uma doença infecciosa, independentemente dos sintomas e complicações. No Brasil, a infecção pode chegar a 83% de prevalência entre trabalhadores de certas áreas rurais e apenas 31% em grupos elitizados.
Algumas características possibilitam seu crescimento e aumentam o potencial patogênico, como: produção de urease e de catalase, que diminuem o pH e facilitam seu desenvolvimento; flagelos, que facilitam sua movimentação até o local de seu desenvolvimento; vários tipos de adesinas, que facilitam sua adesão ao epitélio gástrico.
Diferentes cepas apresentam potencial diferenciado de complicações e úlcera péptica. Além dos genes de virulência cagA e vacA, fatores socioambientais, como status socioeconômico na infância, abastecimento de água e até mesmo dieta, influenciam a virulência. O HLA-DQB1 é associado a maior risco de adenocarcinoma gástrico e úlcera duodenal, e está mais presente em infectados pelo HP com tipo sanguíneo 0.
A associação da bactéria à doença ulcerosa péptica é inequívoca, o que levanta a hipótese de sua participação na dispepsia funcional, sendo agora uma categoria à parte de dispepsia. A erradicação do HP em pacientes com dispepsia funcional é, agora, uma recomendação de consenso estabelecido pelos principais especialistas em diferentes regiões do mundo. O tema prossegue na próxima edição de terça-feira.
* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.