Correio de Carajás

Grupo Correio celebra a cultura do povo Gavião

A mais marabaense das comunidades indígenas da região dividiu-se em 16 aldeias nos últimos anos. Para muitos, o fato serve de alerta para o esfacelamento da cultura indígena dos moradores da TI Mãe Maria, a 40 25 km de Marabá, mas localizada oficialmente dentro do município de Bom Jesus do Tocantins.

Por outro lado, Zeca Gavião, cacique da aldeia Kyikatejê, a segunda a ser criada dentro da Terra Indígena, garante que a cultura deles tem sido fortalecida, apesar de estarem vivendo em aldeias diferentes. “As nossas festas e tradições nos unem. Vamos continuar lutando para preservá-las e fazer com que as novas gerações mantenham o amor pela floresta e por tudo que ela representa para nós”, sustenta.

Atualmente com 298 membros, a aldeia Kyikatejê também já foi alvo de outras cisões, mas a liderança de Zeca Gavião continua inabalável entre aqueles que quiseram ficar. Ele avalia que a festa da Safra da Castanha, que acontece por nove dias no mês de abril, é um dos elementos agregadores entre seu povo, reunindo também comunidades indígenas de outras regiões, como Maranhão e Tocantins. “Meu povo está ameaçado da perda da língua, é verdade, mas estamos criando estratégias para que as crianças e jovens se apropriem dela como ferramenta cultural”.

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Durante a Festa da Castanha, um dos assuntos que vão nortear um congresso de caciques presentes será o que fazer para manter fortalecida a cultura, mesmo diante do contato com os chamados “kupens”, ou seja, não índios. “Vamos discutir questões que são comuns a todos e estratégias para nos fortalecer mutuamente, sem nos isolarmos em nossas comunidades”, explica.

Zeca Gavião observa que, atualmente, muitos jovens das aldeias estão terminando o ensino médio e ingressando nas faculdades da região. Ele quer utilizar o conhecimento deles em favor da cultura indígena. “Esses jovens precisam ter uma referência antes mesmo de entrar na universidade. Eles precisam saber que têm uma história, uma base cultural que precisa ser mantida. Depois, deverão voltar para compartilhar o que aprenderam”, diz.

Outro desafio apontado por Zeca Gavião na atual geração é fazer com que os indígenas façam, adequadamente, a gestão territorial da área que pertence a eles por lei. “Não sabemos o dia de amanhã. Nossos jovens precisam ter o conhecimento necessário para que, quando não estivermos mais aqui, façam com que a terra produza sem ocasionar problemas ambientais”.

Além da Festa da Castanha, o povo Gavião Kyikatejê desenvolve outras ações para manter forte a sua cultura. Ema delas foi a criação de um time de futebol profissional que disputa o Campeonato Paraense desde 2014. Embora o futebol tenha sido criado pelos brancos, os indígenas incorporaram a modalidade esportiva e disputam competições internas e ainda com outras comunidades. “Quando nos reunimos para jogar, debatemos com os mais jovens que aquilo não é só um jogo de futebol, mas um momento de confraternização. Também salientamos que todos precisam estudar, porque o esporte é algo passageiro na vida”, conta.

Entre as atividades esportivas legitimamente indígenas os Kyikatejê organizam corrida de tora e competições de arco e flecha.

Dentro das principais aldeias há escolas que funcionam com professores brancos, mas também indígenas. Estes últimos atuam com o chamado “notório saber”, com aulas sobre a língua Jê, falada atualmente apenas entre os mais velhos. “Nosso compromisso é fazer com que a história do povo Gavião permaneça com a força da nossa raiz”.

MARABÁ É NOSSA REFERÊNCIA

Zeca Gavião recorda que, no passado, a TI Mãe Maria pertencia ao município de Marabá e, posteriormente, passou a integrar Bom Jesus do Tocantins. Mesmo assim, em função da importância econômica de Marabá, a principal referência continua sendo este município, por sua localização estratégica e por transformar-se em um centro de compras, serviços médicos e de relacionamento bancário. “Ela (Marabá) é nossa Capital. Bom Jesus está praticamente na contramão. Todas as dificuldades que encontramos, buscamos sempre Marabá”, afirma.

PEPTI é a única forma de perpetuar a língua

O cacique Zeca Gavião explica que a reclusão de jovens em um determinado espaço é a única forma de garantir que ele vai aprender sobre a língua e cultura do povo Gavião.

Os mais experientes da aldeia escolhem uma jovem da comunidade para tornar-se rainha de uma festa e definem que o local da reclusão será atrás da casa dela.  Eles devem ficar ali por cerca de seis meses, período considerado suficiente para imersão na cultura indígena.

Uma moça será escolhida rainha para centralizar a atenção dos rapazes durante confinamento

Lá, os rapazes recebem alimentação e outros cuidados externos para garantir sua preparação para tornar-se um homem da comunidade. “Eles vão entrar na água 3 horas da madrugada e só saem 6 horas da manhã. Quando retornarem, tomam o desjejum e vão para a mata para caçar e outras atividades afins”.

Índio quer apito, bola e respeito dos kupens

Dada à proximidade com a cidade de Marabá, a reserva Mãe Maria é cortada por três obras construídas por kupens, denominação para aqueles que não são índios. Estão ali as torres da Eletronorte que transmitem energia da Usina de Tucuruí; os 18 quilômetros da Estrada de Ferro Carajás; e os 20 quilômetros da BR-222, que liga Marabá a Bom Jesus do Tocantins.

Cacique Zeca Gavião luta pelo fortalecimento da cultura de seu povo

Ao contrário do que sugere o senso comum, os índios não se opõem ao contato com a sociedade, desde que seja respeitoso. “Meu povo tinha vontade de conquistar espaço em uma área profissional”, diz Pepkrakte Jakukrekaperi, o Zeca Gavião. “Queriam ser professores, advogados. E por que não esportistas?”

E por que não jogadores de futebol, regiamente pagos? Zeca é cacique desde 2012 da aldeia Gavião Kyikatejê, uma das 16 existentes dentro da reserva Mãe Maria. Ele próprio, no passado, cogitou a carreira de futebolista, mas não seguiu em frente. Foi por sua iniciativa que a equipe formada exclusivamente por índios, antes amadora, buscou a profissionalização, em 2009. “É uma ferramenta de inclusão social. O futebol, que já parou guerras, fortalece todo mundo”, diz ele.

(Ulisses Pompeu)