A Fifa anunciou nesta segunda-feira que o seu Comitê de Apelação decidiu por confirmar o banimento de Marco Polo del Nero, ex-presidente da CBF, de atividades ligadas ao futebol para sempre. A punição, que havia sido imposta há mais de um ano, estava sob revisão após recurso da defesa do brasileiro. O ex-dirigente ainda terá que pagar multa de 1 milhão de francos suíços (R$ 4 milhões).
Com recurso negado junto à Fifa, o próximo passo que a defesa de Del Nero tem disponível é entrar com um recurso junto ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), em Lausanne, na Suíça. O TAS é a última instância em casos de justiça desportiva.
O banimento é exatamente a mesma punição recebida pelo antecessor de Del Nero, José Maria Marín, que deixou o cargo em 2014, após a eleição de Marco Polo.
Leia mais:Da presidência da CBF ao banimento
Del Nero tornou-se alvo de investigações do FBI em 2015, suspeito de envolvimento em esquemas de corrupção – e desde então não deixou mais o Brasil, onde não é acusado de nenhum crime. Naquele ano, foi indiciado pelo departamento de Justiça dos EUA por sete crimes (três de fraude, três de lavagem de dinheiro e um por integrar uma organização criminosa). Logo depois, o Comitê de Ética da Fifa abriu uma investigação interna, que demorou a avançar.
No fim de 2017, a entidade máxima do futebol mundial decidiu suspender Del Nero por 90 dias, fazendo com que o vice-presidente Antônio Carlos Nunes de Lima, Coronel Nunes, assumisse a presidência da CBF interinamente. Esta suspensão foi estendida, como esperado, por 45 dias – em um prazo que expirou em abril do ano passado, quando a Fifa anunciou o banimento de Del Nero.
O que levou a Fifa a inicialmente suspender Del Nero e depois bani-lo de forma definitiva foi uma série de documentos produzidos pela investigação americana – além de depoimentos de J. Hawilla, Alejandro Burzaco e Eladio Rodrigues. O primeiro é dono da Traffic, empresa de marketing esportivo que subornava dirigentes para obter contratos . Os outros dois eram diretores da Torneos, agência argentina que operava da mesma forma.
Os documentos que embasaram o banimento
O que levou a Fifa a inicialmente suspender Del Nero e agora bani-lo de forma definitiva foi uma série de documentos produzidos pela investigação americana – além de depoimentos de J. Hawilla, Alejandro Burzaco e Eladio Rodrigues. O primeiro é dono da Traffic, empresa de marketing esportivo que subornava dirigentes para obter contratos . Os outros dois eram diretores da Torneos, agência argentina que operava da mesma forma.
Burzaco era o CEO da Torneos. Ele contou que, em 2012, quando Ricardo Teixeira deixou a presidência da CBF, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero “herdaram” um pagamento de propina anual de US$ 600 mil. Em troca desse valor, deveriam facilitar a vida da Torneos e sempre renovar os contratos relacionados à Copa Libertadores.
Em 2013 esse valor subiu para US$ 900 mil anuais, segundo o depoimento de Eladio Rodriguez, funcionário da Torneos responsável por fazer os pagamentos e registrá-los em planilhas.
Burzaco depôs que, em novembro de 2014, Del Nero pediu um aumento no valor anual da propina: de US$ 900 mil para US$ 1,2 milhão. Na época, ele ainda era vice-presidente da CBF. Já havia sido eleito presidente, mas só assumiria o cargo em abril de 2015, em substituição a Marin. Por isso, teria pedido a Burzaco que só pagasse o valor de US$ 1,2 milhão depois de junho. Assim, não precisaria dividir o dinheiro com seu antecessor.
Em 2013, a Torneos se juntou com a Traffic e a Full Play para formar a Datisa, empresa que compraria todos os direitos da Copa América (2015, 2019 e 2023), sempre operando da mesma forma: pagando propina aos dirigentes da Conmebol. Segundo Burzaco, os dirigentes da CBF receberiam US$ 3 milhões pela assinatura do contrato com a Datisa e mais US$ 3 milhões a cada edição do torneio que fosse disputada.
O documento acima é uma planilha apreendida com Eladio Rodriguez, funcionário da Torneos, e mostra o registro do pagamento de US$ 3,9 milhões a “Brasilero” em 2013 – US$ 900 mil pela Libertadores e US$ 3 milhões pela Copa América. Segundo o depoimento de Rodriguez, Marin e Del Nero dividiram esse valor. Uma outra planilha da Torneos, referente ao ano 2014, mostra mais um pagamento de US$ 900 mil relacionada à Copa Libertadores.
Outros dois documentos apreendidos chamaram a atenção do Comitê de Ética da Fifa. Um deles é um e-mail que Eladio Rodriguez enviou a si próprio no dia 6 de junho de 2013 com uma lista de tarefas a cumprir. Uma delas diz: “Telefonar a Marco Polo sobre transferência”. Sua planilha de pagamentos registra uma saída de US$ 900 mil no dia 7 de junho de 2013.
O outro é uma lista de pagamentos pendentes com a inscrição: “Pagar a Brasilero MP” e o valor de US$ 2 milhões. Essa pendência seria parte de uma cota de US$ 3 milhões referente à Copa América de 2015. De acordo com o delator Alejandro Burzaco, US$ 1 milhão já teria sido pago antecipadamente a Ricardo Teixeira, antes de ele deixar a presidência da CBF. E os US$ 2 milhões restantes deveriam ser divididos entre Marin e Del Nero.
Essa pendência de US$ 2 milhões também estava registrada em documentos apreendidos na agência de marketing esportivo Klefer, do empresário Kleber Leite, com sede no Rio de Janeiro. Leite foi gravado – sem saber – em conversas por telefone com J. Hawilla, dono da Traffic. Numa dessas ligações, gravada em 24 de março de 2014, Leite cita anotações que estariam guardadas no cofre de sua empresa.
Essas anotações foram apreendidas em 27 maio de 2015, quando autoridades brasileiras cumpriram um pedido de cooperação com os EUA. Uma delas detalhava o pagamento já realizado de US$ 3 milhões para MPM (supostamente a sigla de “Marco Polo” e “Marin”) e mais US$ 1 milhão para “Miami”, que seria um apelido para Ricardo Teixeira. A pendência de US$ 2 milhões está registrada, assim como os pagamentos futuros de US$ 6 milhões (US$ 3 milhões a cada edição da Copa América por ser disputada, ou seja, 2019 e 2023).
Hawilla foi preso pelo FBI em 2013 – e desde então virou um colaborador da Justiça dos EUA. Segundo ele próprio depôs, entre suas missões estavam “gravar o maior número possível de pessoas” e extrair delas “o maior número de informações sobre o caso”. Em 2014, Hawilla grampeou José Maria Marin, por exemplo, e também o empresário Kleber Leite, com quem dividia os direitos comerciais na Copa do Brasil.
Nas conversas com Leite, Hawilla tentou várias vezes fazê-lo falar sobre os subornos pagos a Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Marin. No diálogo, os dois divergem sobre os valores. Hawilla insiste tanto que Leite finalmente explica que paga R$ 1 milhão por ano a Ricardo Teixeira e mais R$ 1 milhão por ano para serem divididos entre Marin e Del Nero.
Uma dessas conversas se deu no dia 28 de março de 2014, uma sexta-feira, e terminou com uma promessa de Kleber Leite: na segunda-feira seguinte ele entraria em contato para sanar qualquer dúvida e confirmar os valores. De fato, no dia 31 de março de 2014, uma sexta-feira, Kleber Leite enviou o seguinte SMS para o celular de J. Hawilla:
– Jotinha, tentei falar com você. O telefone só chama. Estou com o Serginho. Sobre o tema que falamos ao telefone: O passado era 1.5. Agora, juntando passado e futuro, somados, 2.0. Inclusive, pagos. Beijo, Kleber.
“Serginho” citado na mensagem é Sergio Costa, funcionário da Klefer. Por “passado”, entenda-se Ricardo Teixeira, que inicialmente embolsaria sozinho R$ 1,5 milhão anuais da empresa. A expressão “futuro” refere-se a José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, que em 2012 haviam herdado os cargos até então ocupados por Teixeira. A Klefer nega ter participado do pagamento de propina a dirigentes.
– O que está transcrito, supostamente a mim imputado, nenhum nome ou fato são mencionados. O que está escrito nada tem a ver com o que o delator [J. Hawilla] tenta induzir. Da mesma forma, o áudio apresentado nada mais é do que uma deslavada montagem. Desafio J. Hawilla a passar por um teste de sanidade mental – declarou Kléber Leite.
Ricardo Teixeira, presidente da CBF entre 1989 e 2012, também negou todas as acusações. José Maria Marin, sucessor de Teixeira e antecessor de Del Nero, também afirma ser inocente. Ele é um dos três réus que estão sob julgamento no Tribunal Federal do Brooklyn, em Nova York. Os outros são Juan Angel Napout, ex-presidente da Conmebol, e Manuel Burga, ex-presidente da Federação Peruana de Futebol.
J. Hawilla, Alejandro Burzaco e Eladio Rodríguez são delatores do “Caso Fifa”. Eles fizeram acordos com a justiça dos EUA e, em troca de penas menores, toparam colaborar com as investigações. Pelos acordos que assinaram, estão obrigados a falar a verdade em seus depoimentos: se mentirem, perdem os eventuais benefícios e podem ser processados por outro crime, além dos que confessaram – o de mentir no Tribunal.
Na época, Marco Polo del Nero se defendeu através de nota oficial, alegando que não estava sendo julgado pela Justiça Americana e que era natural que seu nome estivesse citado como representante da CBF, uma vez que foi sucessor de Marín. Afirmando que assumiu a presidência apenas em 2015, Del Nero disse “não ter a ver” com contratos celebrados antes disso e apontou que não a Justiça dos EUA não exibiu “dado concreto e documental do recebimento de vantagens ilícitas” por sua parte.
– Em suma, como nada de irregular pratiquei e, por isso mesmo, não posso aceitar o enxovalhamento de minha honorabilidade, manifesto aqui o meu enfático repúdio à essas leviandades acusatórias e renovo o desafio: antes de acusarem a quem nada deve, apresentem provas e documentos que indiquem as contas bancárias, as remessas, o meu envolvimento – direto ou indireto – com empresas investigadas, o recebimento ou o “caminho do dinheiro” já que modernamente nenhum centavo é movimentado sem que fiquem visíveis rastros… ou, então, que não se insinuem maldades contra quem nada de ilícito praticou – disse Del Nero, no comunicado.
(Fonte:G1)