Correio de Carajás

Escritor paraense se destaca com histórias envolventes nos 280 caracteres do Twitter

Na semana em que se comemora o Dia do Escritor (25 de julho) o Correio de Carajás traz quatro histórias de escritores que se destacam nas plataformas digitais

O escritor paraense publicará um livro em 2023, pela Editora Rocco, uma das maiores do país

Conhecido desde a infância pelo apelido de Tanto, Fernando Gurjão Sampaio, usa o Twitter (@TantoTupiassu) para permear o imaginário brasileiro com suas histórias cheias de cultura paraense. Aos 44 anos, ele que além de escritor é advogado, conta que foi uma criança privilegiada. Com uma relação de muita proximidade e carinho, o público de Tanto, no Twitter, ultrapassa o número de 160 mil seguidores.

 Foi em 2018 que ele descobriu a possibilidade de publicação através da plataforma, de lá para cá não parou mais. Dividido entre os mistérios do horror e do fantástico, ele captura a atenção de seus leitores através dos “fios” do Twitter (também conhecido como thread, sequência de tuítes, parágrafos curtos), com os mais diversos causos.

A seguir, leia entrevista concedida à repórter Luciana Araújo:

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Correio de Carajás – Qual a sua história com o universo dos livros e da escrita?

Tanto Tupiassu – Minha mãe, professora de Letras, tinha uma biblioteca que jamais parava de crescer. Meu pai, advogado, também comprava livros e lia compulsivamente. Nossos passeios preferidos eram por livrarias, onde ficávamos por longas horas, perdidos entre as páginas misteriosas. Acho que isso tornou impossível eu não me interessar pelos livros e, desde muito cedo, pela escrita.

Correio – A cultura paraense e amazônica está presente nas suas obras?

Tanto – Muito. Acho que a grande temática das visagens é nossa. Não temos fantasmas ou assombrações, temos as visagens, resquício de uma época afrancesada de uma Belém que queria ser Paris. Estão também os encantados das florestas, os do fundo dos rios, a Matinta Perera e todos os demais seres encantados que povoam nossa infância.

Meu público alvo é qualquer um que se sinta atraído por estas histórias. No Twitter, por exemplo, percebo uma característica bem peculiar: como conto a histórias aos poucos, tweet por tweet, as pessoas relatam sempre se sentir ao redor de uma fogueira, no sítio de suas infâncias, rodeados de primos e amigos, como se a contação de histórias estivesse acontecendo ao vivo.

Correio – Como é o contato com os leitores nesse ambiente virtual?

Tanto – O contato com os leitores é incrivelmente próximo e carinhoso. Há uma partilha muito grande, tanto daqueles que me procuram querendo contar histórias, quanto daqueles que me buscam para simplesmente partilhar fatos corriqueiros da vida. Mas é um contato principalmente de agradecimento, pois são quase 160 mil seguidores, somente no Twitter, capazes de uma generosidade sem tamanho para comigo. Jamais poderei agradecer por isso.

Correio – Está trabalhando em algum projeto atualmente?

Tanto – Neste mês eu assinei contrato com a Editora Rocco. Apesar de a maior parte dos textos estar pronta, ainda há muita coisa a fazer, além da vontade de que o livro agrade à maioria, o que não é fácil. Já não é simples se entregar ao escrutínio público, ofertando um texto que, para o escritor, jamais estará pronto, para que ganhe o mundo e seja amplamente criticado.

Correio – Na sua jornada enquanto escritor, qual a maior dificuldade que encontrou?

Tanto – Manter o ritmo de escrita, de produção e pesquisa, mesmo nos dias ruins. Quem te lê quer textos sempre e nem sempre nossa cabeça e problemas permitem essa produção. Há momentos em que é preciso parar e respirar, dar um passo atrás para poder dar dois à frente, ou piramos.

Correio – Quais os prós e os contras de publicar em um formato que não seja o tradicional (impresso)?

Tanto – Dentre os prós, sem dúvida, a possibilidade de um maior alcance, além de se elaborar um texto mais casual e próximo de uma linguagem mais corriqueira. Também, a possibilidade de treinar o improviso, eis que as histórias não são escritas previamente, com o texto surgindo à medida que a história avança. De contras, acho que mais o fato da desorganização, das histórias que acabam ficando perdidas na rede, sem uma forma prática de organização. Mas vejo bem mais prol do que contra.

CONHEÇA UM DOS CONTOS DO ESCRITOR

Como sempre, estava eu na rede, ela na cama. E dormíamos sono solto quando eram quase duas da manhã quando acordei com um barulho forte de passos no quarto. Achei estranho que fosse ela, pois era um barulho alto que ela não faria. E do nada o barulho parou.

Me virei na rede e olhei para a cama esperando não vê-la, uma ida ao banheiro, quem sabe?, mas ela estava lá, deitada, dormindo. Aí dei um pulo na rede, atento. Se não era ela, nem eu, mas não tinha ninguém no apartamento além de nós dois.

Íris e Vicente ainda não eram nascidos. Não tínhamos os gatos ainda. Sentei na rede para observar e, nessa hora, senti uns calafrios gigantes. Esquadrinhei cada canto do quarto, mas estava tão vazio quanto sempre. Silêncio total.

De repente veio uma lufada de vento tão forte pela janela aberta, que a cortina levantou quase toda. E, quando ela voltou ao lugar, havia por trás da cortina uma forma tão estranha, que diria ser um homem, ou meio homem sem pernas, figura que ia e vinha ao sabor da brisa.

Eu fiquei desesperado, sem saber o que fazer, mas não conseguia gritar. Aí vieram mais calafrios enquanto observava aquela forma imóvel, até que o vento cessou e tudo ficou quieto novamente. Mas ainda tinha mais… Com a quietude chegou o cheiro ruim.

Se não havia vento, como chegava aquele cheiro horrendo? Era um cheiro de bosta de vaca que impregnou tudo. Fiquei realmente impressionado com a quietude repentina e o cheiro ruim que vinha fraco. E foi quando escutei um grito bem do meu lado.

Era Livia acordando, puxando o ar, como se estivesse sendo sufocada em pesadelo. Ela acordou em um pulo igual ao meu. Depois de uns segundos, quando se acalmou, Livia perguntou o que havia acontecido, pois sentia algo estranho.

Não quis assustar mais, então não falei dos passos, ou do vulto, mas falei do cheiro e nem precisava falar, porque ela também sentiu. Ela estava tensa. Tinha tido um pesadelo, acordou agoniada e me viu sentado na rede, atento.
Resolvemos voltar a dormir, mas os calafrios me voltaram com toda a força. Cheguei a sentir frio. E também voltou o vulto com o vento, e o cheiro ruim que insistia. Sem pensar duas vezes, pulei para a cama e me aninhei a ela, e me cobri, e tentei dormir e ignorar o resto.

 

*Matéria atualizada em 28/07/2022, às 08h05