Correio de Carajás

Em Marabá, combate e prevenção à escravidão são temas de evento da CPT

Nos últimos 27 anos, 809 pessoas já foram resgatadas do trabalho escravo em Marabá

A exibição do filme ‘Pureza’, filmado em Marabá, faz parte de uma ação da CPT para conscientizar a população sobre a escravidão contemporânea/ Fotos: Evangelista Rocha

Oficialmente, a escravidão no Brasil foi abolida em 1888. Entretanto, a realidade não poderia ser mais diferente. Ainda que tenha evoluído em diversas esferas sociais, o País ainda é lar da prática cruel e desumana, atualmente conhecida como ‘escravidão contemporânea’.

Dados compilados pelo Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, revelam que entre 1995 e 2022, um total de 809 pessoas foram retiradas desse cenário de terror, em Marabá. No Brasil o número chega a assustadores 57.772.

Atualmente, o município ocupa a terceira posição no ranking do Estado e sétima no do Brasil, em números de resgates. Não há dados de resgates realizados em Marabá, no ano de 2022, mas isso não significa que esta não é a realidade da região.

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Informações do Observatório revelam que entre os setores econômicos mais frequentemente envolvidos, a agropecuária se destaca em primeiro lugar, com 29,2% dos casos. É sabido que Marabá e sua circunvizinhança possuem uma forte tradição no agronegócio.

COMBATE

No mundo inteiro, inúmeras organizações assumem a responsabilidade de lutar contra essa prática social tão degradante. No Brasil, entre as que se destacam está o trabalho realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28 de janeiro), a comissão realizou na manhã desta quarta-feira, 24, no Terminal Rodoviário do Km 06, a exibição do filme ‘Pureza’, em um evento de conscientização sobre o tema.

“A temática do filme chama muito a atenção, por ser um retrato da realidade, da vivência atual de Marabá”, analisa Hingles Euglene da Silva Martins, 22 anos, estudante do curso de Educação no Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Hingles Euglene vê um paralelo entre a história contada no filme e realidade vivida por pessoas de Marabá e região

A jovem era uma das pessoas que acompanhava, concentrada, o filme que foi exibido no meio da rodoviária. Além da obra cinematográfica, a CPT levou um vasto material de prevenção para ser compartilhado com quem passasse por ali.

“É uma situação muito próxima da gente, nós vemos muito essas coisas e o filme ter sido gravado aqui, abre uma oportunidade para as pessoas poderem conhecer a vida real dos povos daqui”, reflete a estudante.

Na ocasião, a reportagem do CORREIO também conversou com Francisco Alan Santos Lima, assistente social da CPT, que deu detalhes sobre o cenário da escravidão contemporânea em Marabá e região.

“Na Amazônia, em especial na região norte, aqui no Pará, nós tivemos mais de 70 trabalhadores resgatados nessa situação (em 2023)”.

Ele explica que Marabá, São Félix do Xingu, Dom Eliseu, são exemplos de municípios onde diversas fiscalizações são realizadas. Elas investigam as circunstâncias de trabalhadores que são explorados em fazendas, por exemplo, submetidos a jornadas degradantes, exaustivas, ao trabalho forçado ou em decorrência de dívidas que são contraídas pelo trabalhador e impostas pelo patrão.

Francisco Alan explica que em Marabá e região há diversas situações de fiscalização contra o trabalho escravo

Ele argumenta que a escolha do terminal rodoviário para a exibição do filme, nasce da simbologia que ele representa. “Pureza invoca o retorno a esse espaço, que foi utilizado para a gravação, mas, ao mesmo tempo, a partir das cenas e do conteúdo dele, também queremos sensibilizar a sociedade que chega aqui nessa rodoviária. São pessoas que estão se deslocando para diversas regiões do Brasil e, principalmente, dentro no estado do Pará”.

A ‘CHACINA DE UNAÍ’

Há 20 anos, no dia 28 de janeiro de 2004, a cidade de Unaí, localizada no noroeste de Minas Gerais, foi cenário de um dos crimes mais marcantes contra o combate do trabalho escravo no País.

Naquele dia, quatro pessoas perderam a vida a mando de empresários aborrecidos com a atuação de auditores fiscais do trabalho, eram eles: Nélson José da Silva, João Batista Lage e Erastóstenes de Almeida Gonçalves. Aílton Pereira de Oliveira, motorista, também foi morto. A equipe investigava denúncias de trabalho escravo na região.

Para perpetuar a memória das vítimas e do crime abominável, em 2009 a Lei nº 12.064 instituiu o dia 28 de janeiro como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Além disso, nessa data também é comemorado o Dia do Auditor Fiscal do Trabalho.

OUTROS DADOS

Ainda que a abolição da escravatura tenha acontecido há quase 136 anos, esse cenário ainda é encontrado em diversas localidades do país. Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas indicam, em sua série histórica, que os estados do Maranhão, Pará e Minas Gerais são os principais locais de residência da mão-de-obra escrava do Brasil.

Revoltante, essa realidade vitimiza principalmente pessoas com baixa, ou nenhuma, escolaridade e que vivem em situação de extrema pobreza. Somado a isso, o recorte de raça reforça que a escravidão contemporânea atinge principalmente a parte marginalizada da população.

As estatísticas do Observatório revelam que 50% das vítimas, no acumulado dos números de 2002 a 2022, se autodeclara parda. A outra metade se divide em 21,5% de pessoas brancas, 13,6% é preta, 11,6% amarela e 3,28% indígena.

No que diz respeito ao sexo e idade, a grande maioria são homens entre 18 e 24 anos de idade.

PANORAMA MARABAENSE

Entre 1995 a 2022, houveram 809 resgates. Desses, 139 eram trabalhadores que nasceram no município. Um total de 194 trabalhadores resgatados declararam residir, no momento do resgate, em Marabá.

PUREZA, O FILME

Pureza (Dira Paes) sai em busca de seu filho, Abel (Matheus Abreu), desaparecido após partir para o garimpo na Amazônia. Em sua busca, acaba encontrando um sistema de aliciamento e cárcere de trabalhadores rurais. Ela se emprega numa fazenda, onde testemunha o tratamento brutal de trabalhadores e o desmatamento da floresta. Escapa e denuncia os fatos às autoridades federais. Sem credibilidade e lutando contra um sistema forte e perverso, ela retorna à floresta para registrar provas. (Luciana Araújo)