Correio de Carajás

É falso que empresa de pesquisa eleitoral funcione dentro do Instituto Lula

Falso
É falso o conteúdo de vídeo compartilhado no Twitter alegando que o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) está situado no mesmo endereço que a sede do Instituto Lula, em São Paulo, lançando suspeitas sobre os levantamentos eleitorais em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à presidência, tem aparecido na liderança. O fato é que o Instituto Lula surgiu a partir do Instituto Cidadania, cuja sigla já foi Ipec. As duas instituições não estão situadas no mesmo endereço. O próprio autor do vídeo verificado fez uma retratação, admitindo o erro.
Conteúdo investigadoVídeo compartilhado no Twitter afirma que o Ipec está localizado dentro da sede do Instituto Lula, em São Paulo. O conteúdo de 45 segundos tem a narração do youtuber Gustavo Gayer e é sobreposto com matérias divulgadas na imprensa e que trazem números de pesquisa do Ipec, em que Lula lidera a corrida presidencial. A legenda cita: “Agora tá explicado!!! Cadê o Xandão [presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes]? É crime eleitoral isso ou não?”Onde foi publicado: Twitter.

Conclusão do Comprova: É falsa a postagem que apresenta trecho de um vídeo em que o autor alega que o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), antigo Ibope, está situado dentro da sede do Instituto Lula, em São Paulo. Ao estabelecer a suposta relação, são lançadas suspeitas sobre as pesquisas eleitorais que, até o momento, apontam que Lula lidera a corrida para a presidência da República.

No tuíte em que o vídeo foi compartilhado, cujo perfil é de um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição, o autor reforça a ideia de que o Ipec fica no mesmo endereço e faz ilações, escrevendo: “Agora tá explicado!!!” Na sequência, pergunta pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de maneira pejorativa: “Cadê o Xandão? É crime eleitoral isso ou não???”

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A confusão acontece, porque as duas instituições tiveram a mesma sigla inicialmente, conforme explicado pela assessoria do ex-presidente Lula. “Ipec era o primeiro nome do Instituto Cidadania, que depois virou Instituto Lula.”

A organização do ex-presidente está situada na rua Pouso Alegre, no bairro do Ipiranga, enquanto o instituto de pesquisa tem sede na avenida Paulista, no bairro da Bela Vista, ambos na cidade de São Paulo. As duas sedes ficam distantes cerca de cinco quilômetros uma da outra.

O próprio autor do vídeo, o youtuber Gustavo Gayer, publicou uma nova gravação para se retratar, admitindo a confusão com os dois nome.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: Até o dia 1 de setembro, o post no Twitter teve mais de 80 mil visualizações, 13,5 mil curtidas, 392 comentários e foi republicado mais de 5 mil vezes.

O que diz o autor da publicação: O autor do tuíte não tem canal de mensagem direta no Twitter, e o seu perfil não foi localizado em outras redes sociais. Já o autor do vídeo apagou o conteúdo original e publicou nova gravação em que admite ter passado uma informação errada para o público.

Como verificamos: Inicialmente, a reportagem pesquisou no Google pelas palavras-chaves “Ipec” + “Instituto Lula” e a consulta retornou reportagens sobre os levantamentos eleitorais realizados pelo instituto de pesquisa e também uma publicação no YouTube de Gustavo Gayer, autor do vídeo, cujo título é “Eu errei sobre o Ipec e o Instituto Lula”. Na gravação, ele se retrata pelo erro.

Mesmo com o vídeo de retratação, o Comprova prosseguiu nas buscas sobre outros dados. No site do Instituto Lula, procuramos informações do endereço onde está situada a fundação para, depois, confirmar a localização por meio de busca no Google Maps. Já o Ipec não disponibiliza o endereço na sua página oficial, mas a equipe conseguiu localizá-lo por meio de busca em um portal de consulta a CNPJs.

No Google, retomamos a pesquisa pela palavra-chave “Instituto Lula”, associada agora ao termo “endereço Ipec”, o que nos retornou outro perfil no Twitter que reproduziu a alegação falsa checada nesta verificação.

A assessoria do ex-presidente Lula também foi procurada.

A gravação compartilhada

Em um tom de alerta, o vídeo compartilhado no Twitter começa chamando a atenção para o fato de que o Ipec, que havia divulgado pesquisa de intenção de voto para presidente na segunda (29) e na terça-feira (30), ocupava o noticiário de boa parte dos grandes veículos. No levantamento, Lula aparece na frente de Bolsonaro, com 44% da preferência do eleitorado brasileiro, ante os 32% do presidente. O cenário é semelhante ao apontado em outras pesquisas eleitorais, como as mais recentes conduzidas pelo Datafolha e pela Quaest.

Na sequência, o autor do vídeo afirma que o Ipec fica dentro da sede do Instituto Lula, em São Paulo. “Isso não é brincadeira, eu não tô exagerando. Tá aqui”, diz Gayer que, então, passa a fazer uma pesquisa na internet, compartilhando a tela do seu computador, para indicar o endereço “Pouso Alegre, 21”.

Primeiro, ele mostra a imagem da consulta de endereço do Instituto Pesquisas e Estudos de Cidadania, antigo nome do Instituto Lula, cuja sigla também era Ipec. Depois, mostra foto recente do instituto na internet com, obviamente, a mesma localização. Gayer finaliza, dizendo: “Olha o absurdo a que nós chegamos, gente!”

Siglas iguais, atividades diferentes

Ao ser questionada sobre a alegação do vídeo compartilhado no Twitter, a assessoria do ex-presidente informou, em mensagem pelo WhatsApp, que “Ipec era o primeiro nome do Instituto Cidadania que, depois, virou o Instituto Lula.”

No site da organização, há um recorte histórico mostrando as suas diversas fases até culminar com a criação do Instituto Lula, em 2011, após o término do segundo mandato do petista na presidência da República. Foi nesse ano que, segundo a assessoria do ex-presidente, a instituição deixou de ser chamada Ipec.

A assessoria reforçou, ainda, que não há nenhuma relação do instituto com o Ipec que realiza as pesquisas eleitorais, e que, embora tenham a mesma sigla, “o nome, CNPJ e função são completamente diferentes.”

Ao consultar o CNPJ do Instituto Lula, aparecem informações sobre atividades relacionadas, tais como defesa de direitos sociais, de minorias e associação ligada à cultura.

Já, no CNPJ do Ipec, aparece como atividade principal a realização de pesquisas de mercado e de opinião pública. A empresa é formada por ex-executivos do antigo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), que encerrou suas atividades em 2021.

Autor de vídeo admite erro e se retrata

Em sua conta no YouTube, Gustavo Gayer publicou um vídeo de retratação na noite desta quarta-feira, 31 de agosto, mesma data em que o primeiro conteúdo publicado por ele viralizou nas redes sociais.

O conteúdo tem 1 minuto e 21 segundos. Nele, o autor afirma que está se retratando da informação divulgada no primeiro momento, mas adverte não ter sido alvo de nenhuma ordem judicial. Gayer disse ter percebido que errou ao afirmar que o Ipec estaria sediado dentro do Instituto Lula. A alegação falsa foi feita após uma pesquisa equivocada que ele próprio realizou na internet.

“Errei e é por isso que 10 minutos depois que eu gravei o vídeo, quando vi que tinha errado, deletei o vídeo. Mas não achei que era o bastante ainda, por isso estou aqui fazendo minha retratação. Tento sempre ser leal aos fatos, quando erro, vou admitir”, afirmou o autor.

Ataques às pesquisas eleitorais

Ao criar uma relação inexistente, até o momento, entre o Instituto Lula e o Ipec, o autor do vídeo, assim como os internautas que compartilham o conteúdo, contribuem para uma narrativa que tenta desacreditar as pesquisas eleitorais diante de resultados desfavoráveis a seus candidatos.

Com a aproximação das eleições, os conteúdos de desinformação sobre os levantamentos de intenção de voto são frequentes. Somente na segunda quinzena de agosto, o Comprova demonstrou ser falso vídeo que coloca Bolsonaro à frente em pesquisa, que senador ironizou resultado de instituto para desacreditar pesquisas e que não há no TSE registro de suposta pesquisa impedindo entrevistado de votar em Bolsonaro.

Importante destacar que as pesquisas eleitorais não representam uma previsão do resultado da votação, que ocorrerá em primeiro turno no dia 2 de outubro, mas um retrato do momento em que a consulta foi feita. Até as eleições, muitos fatores podem mudar o cenário para os candidatos em disputa.

O autor do vídeo

Gustavo Gayer Machado de Araújo, conhecido nas redes sociais como Gustavo Gayer, é candidato a deputado federal em Goiás pelo PL, partido de Bolsonaro, e apoiador do presidente. De acordo com informações registradas no sistema do TSE para Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais referentes às eleições de 2022, ele é empresário e tem 41 anos. Em 2020, disputou a prefeitura de Goiânia, quando obteve 45.928 votos, ficando no 4º lugar.

Além do canal no YouTube, criado em 2016, Gayer atua no Instagram (343 mil seguidores), Facebook (271 mil seguidores) e no Twitter, onde atualmente está com a conta bloqueada por violar as regras da plataforma.

Em agosto, o Projeto Comprova desmentiu outros dois vídeos de Gayer: o mais recente, em que disse que o TSE admite que o PCC (facção criminosa) tem ligação com o PT de Lula, e outro no qual afirmou que Lula teria dito que vai implantar uma ditadura no Brasil se eleito.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem verificada tenta relacionar o instituto ligado ao ex-presidente Lula ao Ipec, que realiza pesquisas eleitorais em todo o País. Informações falsas causam prejuízos ao processo democrático, porque a população tem direito de saber a verdade e basear suas escolhas em informações confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: A pouco mais de um mês do primeiro turno da disputa presidencial, cresce o número de conteúdos de desinformação circulando nas redes sociais envolvendo os postulantes ao cargo. Nesta semana, o Comprova mostrou ser falso que Simone Tebet deixou médica ser humilhada na CPI da Covid, que apresentadores estrangeiros não fizeram piada sobre Lula e eleitores baianos e que é enganosa postagem no twitter sugerindo apoio de João Amoêdo a Lula.

Conteúdos que tentam colocar em xeque a credibilidade de pesquisas eleitorais ou de institutos de pesquisas também são recorrentes. Neste sentido, o Comprova apurou que senador ironizou resultado de levantamento para desacreditar pesquisas e também já produziu um material explicando os métodos científicos levados em consideração para a realização das pesquisas.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 41 diferentes veículos de comunicação brasileiros para investigar conteúdos enganosos, inventados e deliberadamente falsos sobre políticas públicas, eleições e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.