Correio de Carajás

É falso que documento da Suprema Corte dos EUA afirme que vacinados contra a covid-19 se tornem ‘transhumanos’

Falso
É falso o vídeo que circula nas redes sociais em que um homem afirma que, segundo documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, pessoas que receberam vacina de RNA mensageiro sofrem alterações no DNA e se tornam “transhumanas”, podendo ser patenteadas. O link citado por ele é, de fato, do órgão de Justiça, mas o trecho que ele lê não consta no documento. Publicado em 2013, o documento informa que os genes humanos não podem ser patenteados, mas o DNA criado artificialmente pode ser reivindicado como propriedade intelectual.
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circula nas redes sociais mostra homem com suposto documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmando que quem recebeu vacina de RNA mensageiro sofre alteração no DNA e deixa de ser considerado humano.

É falso o vídeo que circula em plataformas como TikTok, Facebook e Telegram em que um homem afirma que, segundo um documento da Suprema Corte dos Estados Unidos, as pessoas que se imunizaram com vacina de RNA mensageiro sofrem alteração no DNA, tornam-se “transhumanas” e passam a ser consideradas bens patenteados do governo.

O documento apresentado pelo autor do vídeo é, de fato, uma decisão do órgão de Justiça norte-americano, mas não tem relação com a pandemia e não cita vacinas, como sugere o falso vídeo. O texto foi publicado em 2013, após decisão unânime da Suprema Corte determinar que os genes humanos não podem ser patenteados, mas que o DNA criado artificialmente pode ser reivindicado como propriedade intelectual. A decisão ocorreu após a empresa de biotecnologia Myriad Genetics reivindicar a propriedade de dois genes ligados ao câncer de ovário e de mama.

No vídeo, o autor inventa dados para atacar as vacinas, mas os imunizantes contra a covid-19 são eficazes e seguros, de acordo com diversas autoridades de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Leia mais:

Procurado, o autor do vídeo insistiu que não relatou informações falsas. Também foi feito contato com o canal que distribuiu o conteúdo com tradução para o português, mas não houve retorno até a publicação deste texto.

O Comprova considera falso o conteúdo que tenha sido inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos?

Ao buscar as palavras “transhuman”e “RNA” no Facebook, a reportagem encontrou o vídeo compartilhado na página Holistic Health Through Nature (em português, Saúde Holística por meio da Natureza), página que compartilha, entre outras coisas, publicações antivacinação. Nela, diferentemente da versão que o Comprova recebeu pelo Telegram, aparece o nome do autor do vídeo.

Foi feito contato com o perfil do autor do vídeo no Facebook e com a página que legendou o vídeo em português que viralizou no Telegram.

Para confirmar que o arquivo citado era original, a reportagem buscou o documento mencionado no vídeo no site da Suprema Corte dos Estados Unidos, mas verificou que a página “Opiniões do Tribunal” só mostra arquivos de 2014 a 2021. Para ter a certificação de que o documento é real, foi feita uma busca no Google, que encontrou o texto citado no vídeo.

Com a ferramenta de tradução do Google, foi possível ler a íntegra do documento da Corte em português e verificar que a publicação dele ocorreu em junho de 2013.

Por último, a reportagem consultou o site do CDC para checar informações sobre a segurança das vacinas.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de outubro de 2021.

Verificação

A decisão

O documento citado pelo autor do vídeo – que, inclusive, publica o link para o texto no site da Suprema Corte – é uma decisão publicada em junho de 2013 pelo órgão.

A decisão se referia ao caso em que a empresa Myriad Genetics reivindicava a propriedade de dois genes ligados ao câncer de ovário e de mama. Ao contrário do que afirma o autor do vídeo, o tribunal não permite que o DNA humano seja patenteado.

“Um segmento de DNA de origem natural é um produto da natureza e não pode ser patenteado simplesmente porque foi isolado, mas o DNA complementar pode ser patenteado porque não se produz de maneira natural”, diz a segunda página do documento.

Em entrevista à AFP Fact Check sobre postagem com conteúdo semelhante, a pesquisadora Jennifer Piatt, do Centro de Legislação e Política de Saúde Pública da Universidade do Estado do Arizona, diz que “a alegação feita nas redes sociais é uma distorção completa de como as vacinas funcionam e do que o tribunal diz”. Segundo ela, “em primeiro lugar, não há possibilidade de alteração do DNA humano por meio das vacinas” e, ao afirmar que a Corte decidiu que pessoas podem ser patenteadas, “eles (os desinformadores) estão olhando para isso por uma perspectiva que nem está presente na decisão do tribunal”.

Segurança das vacinas

No vídeo que está viralizando, o autor enfatiza a questão da vacina, sugerindo que as pessoas não devem tomar a “picadinha estúpida” – ou seja, o imunizante contra a covid-19. Mas, no documento citado por ele não há relação com qualquer vacina ou mesmo citação sobre alterações causadas por vacinas no DNA humano.

De acordo com o CDC, “as vacinas são seguras e eficazes” e todos com mais de 12 anos são elegíveis à imunização.

Na área de perguntas e respostas sobre vacinas do site do órgão, há uma questão sobre a segurança dos produtos. A resposta: “Sim, as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes. Centenas de milhões de pessoas nos Estados Unidos receberam as vacinas sob o mais intenso monitoramento de segurança da história do país”.

Especificamente sobre as vacinas de RNA mensageiro, o CDC afirma: “são um novo tipo de vacina para proteger contra doenças infecciosas” e “o benefício delas, como de todas as vacinas, é que as pessoas vacinadas ganham proteção sem nunca ter que correr o risco das graves consequências de adoecer de covid-19”.

Como diversos conteúdos desacreditando esses imunizantes já viralizaram, há, no site do órgão, a informação de que “eles não afetam ou interagem com o DNA de forma nenhuma”.

O autor do vídeo

Em seu perfil no Facebook, Ben Barlow publica conteúdos anti-vacina e anti-máscara. Também continua defendendo que as eleições norte-americanas, que deram a vitória ao democrata Joe Biden, empossado em janeiro, foram fraudadas.

Pelo menos oito conteúdos publicados por ele desde agosto de 2020 estavam marcados como “informação falsa”, “parcialmente falsa” ou “sem contexto” pelo Facebook. Procurado, Barlow não respondeu sobre a origem da informação falsa que compartilha no vídeo. Ele insistiu que não divulgou falsidades e chamou a vacina de “veneno forçado que eles estão nos empurrando”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O vídeo verificado aqui teve mais de 45 mil visualizações e mais de 2,4 mil interações até 11 de outubro.

O conteúdo verificado aqui tenta enganar e causar desinformação referente à segurança das vacinas, que já foram cientificamente comprovadas como o principal método contra o coronavírus. Além disso, ao citar que “causa alteração no DNA humano”, o vídeo pode gerar pânico na população, aumentando o número de pessoas que não querem tomar a vacina por medo.

Outros veículos verificaram conteúdos semelhantes, como AFP Fact Check e Newschecker. Só nos últimos dias o Comprova classificou como enganoso post da deputada federal Bia Kicis que distorcia entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e “passaporte sanitário” e vídeo de apresentadora com estilista dizendo que o número de pessoas infartadas em Israel não cresceu após a imunização.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.