Correio de Carajás

CRÔNICA OURIÇO CHEIO – Sobre velhas amendoeiras e as floridas castanheiras

Nos cinquenta janeiros que já vivi nesta Marabá ou em outra das quatro cidades em que morei, brevemente, não me recordo de ter machadado árvore alguma. Até os pés de mamona, germinados de graça nos terrenos baldios da Folha 17, eu ficava condoído quando inventavam derrubá-los para limpar o mato.

É que um magote de gente grande de hoje teve árvores na infância. Porque era comum nascer e se criar no quintal. Gente, cachorro, pinto e planta. E sem sentimentalidades, os pés de pau também eram parte das famílias da Velha Marabá.

Só não chamávamos a goiabeira de “tia” porque soava doidice… Mas caberia, tranquilo, chamar de “vô” o velho pé de frutapão. E não seria exagero achar que nos escutavam, espreitavam e até ralhavam da arte que perigava. Coisas de menino!

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Mesmo se soubessem palavrear, não enredariam o primeiro beijo encostado no tronco… nem a descobertas da fornicação à sombra ou as pinadas bestas. Nem fazer xixi escondido atrás de uma delas e voltar para dentro de casa satisfeito porque o único banheiro estava ocupado.

A amêndoa vermelha da frente da minha casa sabia guardar segredos. Além de confidente, uma dadeira de fruta doce na boca. Quem não tirou ciriguela do pé? Ou chupou manga, se melou todo e ficou cheios de fiapos entre os dentes? E o coco da macaúba?

Pois bem, a amendoeira da minha infância já se foi. Deu muito fruto, pôs muita flor branca no mundo, teve muitos ninhos e soprou muito vento no calor quando começava uma paixão viçosa.

Fez sombra para alguns fuscas, um Jeep Willy e pegou fogo uma vez. Mas havia invernos e sarou. Para o nosso bem e das galinhas que se empoleiravam à noitinha e os ladrões rabo-de-cabras. Ela foi ao chão, na década de 1990, quando mamãe vendeu a casa e um professor aloprado que mandou meter o machado sem dó.

Essa conversa toda era também pra contar sobre as árvores de Nova York e dos pés de plantas sobreviventes no entorno da rua onde vivo – a Luiz Gonzaga e as encruzilhadas vizinhas.

Pois Nova York mapeou as árvores de lá. Numerou-as, deu uma cor para identificar por espécie e as chama pelo nome de batismo e popular. Todas as 684,5 mil das ruas. Uma boniteza de gesto. É que a prefeitura novaiorquina tem um departamento de parques e recreação.

Fez um mapa online e interativo do itinerário das plantas e está mostrando qual o impacto ambiental e financeiro de cada árvore na Cidade. Eles calcularam que as 685 mil plantas retêm 1 bilhão de galões de água de chuvas e de tempestades, o que pouparia US$ 10,8 milhões em reparação de danos fluviais e problemas relacionados a inundações. Além da ventilação global favorecida.

Achei isso uma grandeza! Uma humildade de se importar. Fora os números e a cabeça capital deles, mostraram ainda como é bom viver com árvores e passarinhos pelos destinos tomados.

Desde que li isso, venho tentando vencer a indolência e fazer um pequeno mapa afetivo das castanheiras que mais gosto espalhadas pela cidade. Na verdade, já havia escrito num arquivo (antigo): “Sair contando árvores e ninhos que elas abrigam”. Despropósito…

Pode ser. Talvez a partir de 2021… Começar pela castanheira que me cumprimenta, todo dia, próximo à Câmara Municipal. Lá, um casal de bem-te-vis usa, há alguns anos, o mesmo ninho (reformado). Fiz imagens com uma lente telefoto e comprovei o veredito.

Talvez a geração de passarinhos-netos que já namoram. Ou outra família… Mas a castanheira os acomoda e quando chega novembro-dezembro é flor branca e mais passarins… Uma boniteza de se ver: o chão forrado de flores e as folhagens com os bem-te-vis que “adotei” por lá. (Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira