Eu sinto falta de retratos que não bati em alguns lugares, situações ou ao lado de ilustres desconhecidos de Marabá. Criaturas que não existem mais. É certo, lá em casa não tinha grana sobrando para bater fotos. E, também, a fotografia não era prioridade para meu pai, mamãe ou avô. Não havia álbum. Aqui acolá, dentro de uma Bíblia sem uso ou livro deslembrado, me surpreendia com uma imagem envelhecida no preto e branco ou toda numa cor só (geralmente vermelho).
Vez em quando refaço caminhos que eu ia, na meninice, pelo centro da Velha Marabá. Por ali, refúgio inquieto de trocentas recordações, tenho a impressão que tirei inúmeras fotos e elas se perderam nalgum caminhão de mudança ou numa enchente. Não me conformo, por exemplo, de não ser parte de um registro fotográfico da década de 1970 jogando no Granito.
Na Barão do Rio Branco, eu precisava aparecer numa foto ao lado da mercearia do Maneco. Lá, a gente comprava tudo que precisava em casa e o jeitão daquele senhor branco, magricela e calado, me intrigava.
Leia mais:Mas eu também deveria ter saída numa outra imagem quando pulava do paco paco do papai, carregado de castanha-do-pará em frente ao depósito do Osório Pinheiro.
Por que uma foto em cima de um barco sujo? Talvez porque meu avô, Ulisses Pompeu, também fizesse a mesma rota do filho, Chico Pompeu, num ir e vir sem fim no beiradão do Itacaiunas; que influenciou meio mundo de gente por sua generosidade incomum; que deixou um legado de trabalho e dedicação. Mas morreu um ano antes de eu nascer.
Eu queria ver, pelo menos em foto, o riso dele perguntando sobre aquela marmota de tempo, aquele menino (eu no caso) só o couro e osso, aquela roupa de pinto calçudo, aquele cabelo encaracolado… Tinha vontade de perguntar pra ele: o senhor quer que eu lhe acompanhe até o banco? E lá perto, a gente iria tomar caldo de cana com pastel.
Outro canto, que hoje desejo uma imagem e não há, é a Praça São Félix, onde existe uma árvore que já era velha quando meu pai me mostrou pela primeira vez aos três anos. Só anos depois soube que se tratava de uma Piranheira e ainda hoje existe por lá, com as raízes carcomidas. Ali, quando menino, jogava futebol com outros do Cabelo Seco e eu achando que era Zico, Sócrates e Reinaldo. E o gol eram pequenas fendas numa proteção de concreto que havia em torno da árvore. O tempo parecia não passar e, hoje, olhando para trás, eu queria uma foto com a galera.
Também queria fazer (eu mesmo) uma foto do papai e outros amigos bebendo nos cabarés da Magalhães Barata ou do Jadão, onde eu costumava acompanhá-lo como se ele dissesse a mamãe que não faria nada que uma criança não poderia ver. E eu vi. Ele jogava sinuca, bebia que a espuma da cerveja grudava no bigode e, de repente, sumia pra dentro de um quarto, onde demorava cerca de uma hora. Eu ficava numa mesa bebendo um refrigerante e comendo biscoito recheado pra não contar nada em casa.
Falo tanto por aí da novidade da chegada de uma fábrica da Coca-Cola em Marabá, na década de 1980, que não tenho como provar que entrei lá, vi as garrafas de vidro passando do meu lado em esteiras elétricas.
Com uma Love poderia ter feito fotos desimportantes para a história estando dentro do Cine Marrocos, tomando café com pão na hora de Shazan e Xerife. Em cima da goiabeira com minha irmã caçula.
Também queria foto da hora que corríamos para comprar picolé de Ki-suco da Q-Mel! O vendedor era o mesmo Nêgo Véio, com bafo de cachaça, que esgotava a fossa lá do quintal.
Há uma imensidão de fotografias que não tirei, mas parece que tenho em álbuns. Queria uma dos beijos das meninas que beijei)… Não tenho fotos. Tenho memória. Tenho saudades.
(Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica às quintas-feiras