Correio de Carajás

Crônica Ouriço Cheio: Presentes no Réveillon? Lá em casa tem isso sim

“Bom, presente do Ano Novo (ou melhor, Ana Nova) é uma encruzilhada, mas sempre damos um jeito de flertar com o mais fácil de comprar. Às vezes, as melhores prendas são aquelas de última hora”.

Para a maioria das pessoas – e põe maioria nisso – presentear no final de ano é coisa que se faz no Natal. Mas lá em casa, a tradição tem sido outra. Presente mesmo aparece no Ano Novo.

Uma amiga viu que o namoro estava no fim quando no derradeiro Réveillon deu de presente ao amado duas caixas de remédio. Cartelas de Captropil, medicamento receitado para controlar a pressão arterial.

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Ela, mesma, depois achou uma derrota ter cometido aquele gesto tão sem romantismo. E, mais ainda, ele ter aceitado os comprimidos sem estranhamento.

Já não havia mais paixão e o alerta para assumir que tudo tinha acabado estalou com as pílulas. Não era mimo que se presenteasse ou recebesse. Coisa feito perguntar o que a pessoa está precisando.

Mas lá em casa, a tradição é presentear no Ano Novo, como disse. E explico: minha esposa, Ana Raquel, aniversaria no 1º de janeiro e, com o passar do tempo, fomos descobrindo que ela não gosta de receber presente na confraternização de 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro, quando tecnicamente já é dia primeiro. Em verdade, ela não faz questão de comemoração, mas se algo acontecer, por mínimo que seja para lhe parabenizar, que seja nas horas claras do dia 1º.

E tem mais. Ana Raquel não gosta de passar seu aniversário em Marabá. Pode ser no lugar mais simples do mundo, menos aqui. Este ano, para variar, somos obrigados a ficar. Pela pandemia, pelo trabalho. Está resiliente neste ponto. Aliás, se batêssemos o pé que iríamos viajar, ela se negaria em função das restrições e o temor de contraímos o vírus do momento.

Mas presentear lá em casa é tarefa de todos. Nos envolvemos para oferecer algo que tenha a “cara” do aniversariante ou formando…

Após a invenção do presente útil, aquele que tem serventia de voucher, se perdeu meio que a aura de ser surpreendido por algo indizível e refém do apaixonante.

Presente é meio a história de surpreender ou a disposição de alguém fazer o outro, por alguns minutos, suspender o juízo ou ter o simples prazer sincero de achar bom ser amado.

Há um rosário de delicadezas. Sem a loucura de coisas sem rumo e que, mais tarde, possa causar arrependimento ou dano.

Como a moça que parcelou em doze vezes o regalo e o romance se acabou na quarta prestação.

Entre amigos meus, um deles tatuou o nome do outro nas costas. Um desamor próprio com desfecho quase certo de constrangimento.

Pode ser preconceito, mas não sinto energia bacana cunhar no corpo o nome de um filho, de pai ou da mãe. Imagine de um favorecido.

Bom, presente do Ano Novo (ou melhor, Ana Nova) é uma encruzilhada, mas sempre damos um jeito de flertar com o mais fácil de comprar. Às vezes, as melhores prendas são aquelas de última hora. Já demos relógio (vários), bolsas (várias), mas tememos comprar sapato ou sandália, porque certamente jamais acertaríamos o modelo e, principalmente, aquele lugarzinho que ficou folgado ou apertado.

Estou escrevendo tudo isso só pra compartilhar com vocês que este ano estou sem ideia do que comprar. Já fui a várias lojas, mas nada que parecesse com ela ou que meu dinheiro fosse suficiente…

Escrevi tudo, mas não sei qual oferenda oferecerei. E não tenho drama com esse dia. Se ninguém ajudar por aqui, tentarei algo de, no mínimo, desvelo. Às vezes, é verdade, uma fotografia, numa moldura, faria toda diferença.

“Amor é gente querendo achar o que é da gente…”.

(Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira