Correio de Carajás

CRÔNICA OURIÇO CHEIO: Crônica de uma eleição disruptiva em Marabá

“Não vi, neste ano nas filas de votação, a arrogância e o rancor que estavam fortemente presentes em 2018. Isto não significa perfeição. Têm muitos defeitos ainda. Mas vale apostar que é uma vitória dos princípios e daqueles que tiveram decisão e coragem para permanecer confiantes na fé”.

ACORDEI ÀS 5h15 naquele domingo. Molhei o canteiro logo cedo. Parecia tudo normal. Mas dia de eleição é esquisito. A adrenalina do período de campanha já tem se acalmado e vai chegando a saudade do agito que mudou a rotina das ruas. É um dia longo pela espera. Afinal de contas, o que interessa mesmo, o resultado da votação, já está definido pela energia que veio das ruas durante a campanha.

DIA DE ELEIÇÃO em meio a uma pandemia causada pelo novo coronavírus, que já matou mais de 160 mil brasileiros (210 pessoas só em Marabá), é mais estranha ainda. Os santinhos levando sujeitas às ruas estão lá, pessoas vestidas de azul, amarelo e vermelho estão lá, os fiscais dos partidos permanecem a postos, mas tem algo incomum no ar. O ambulante na porta do local de votação fala em mudança, como em todas as outras, mas ele oferece máscaras e canetas que são itens essenciais nesta votação. Como imaginar que um dia, a gente iria às urnas usando panos como proteção para cobrir a boca e o nariz?

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ESTA ELEIÇÃO NÃO FOI DO MESMO JEITO de tantas outras. No pequeno percurso entre minha casa e o local de votação, olho ao redor e vejo o cuidado de uma família com dois idosos, sentados na calçada de casa à sombra de uma árvore. Sinto o quanto foi necessário olhar pelos dois, durante os últimos 10 meses, para que eles pudessem estar participando de novo de uma votação. Lembro, sem querer, que muitos não tiveram a mesma sorte, pois se foram.

NESTE 15 DE NOVEMBRO DE 2020, o Sol que abriu forte foi o mesmo de todos os novembros, mas a luz vem diferente. Tem muito de melancolia pela covid-19, pelo desemprego, pela fome que voltou para perto da gente. Também me pareceu que tem nela um pouco de razão que há de prevalecer; de caridade que continuou sólida, mantendo o amar em alta nos últimos meses. Tem muito ainda da resposta da ciência que continua cristalina, apesar dos que insistem em negar a realidade.

SIM, TAMBÉM VI quem andava para lá e para cá próximo a locais de votação com sacolinhas cheias de santinho. Senti falta do Exército nas ruas da cidade. Mas, convenhamos, a tensão da eleição atual não chega em perto do que vivemos nas décadas de 1980 e 1990.

A ÚLTIMA SEMANA da campanha foi melancólica, sem candidatos fazendo fuzuê nas ruas em clima de já ganhou, sem carreata, sem contratação de dezenas de carros de som pra nos confundir a mente. Claro, saíram das ruas e invadiram a timeline e o feed de nossas redes sociais.

A ÚLTIMA SEMANA não teve nenhuma pesquisa de intenção de votos sequer, daquelas que fazem projeções mirabolantes sobre este ou aquele candidato. E se tivesse e divulgassem que Tião Miranda estava com 74% das intenções de voto, eu não acreditaria. Eu, e toda a torcida do Águia. Não, acho que a do Flamengo mesmo.

SIM, esta eleição foi disruptiva.

NÃO VI NESTE ANO, nas filas de votação, a arrogância e o rancor que estavam fortemente presentes em 2018. Isto não significa perfeição. Têm muitos defeitos ainda. Mas vale apostar que é uma vitória dos princípios e daqueles que tiveram decisão e coragem para permanecer confiantes na fé. Isso apesar das angústias e lágrimas presentes ao longo de 2020.

(Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira