Correio de Carajás

Crônica ao último guardião verde da Velha Marabá

A Velha Marabá é o bairro menos arborizado de Marabá. O asfalto foi tomando de conta e a orla é o principal retrato dessa realidade cinzenta. Hoje, 5 de junho, comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, e eu trouxe uma profecia para falar da árvore mais antiga da Velha Marabá. Antes mesmo que todas as mangueiras da Praça Duque de Caxias fossem plantadas, a velha Piranheira que resiste ao tempo e às administrações já estava lá na Praça São Félix de Valois.

Em volta dele, namoros foram iniciados, meninos como eu jogaram futebol, várias gerações dançaram quadrilha e show, muitos shows ocorreram sob sua sombra.

A última grande árvore que caiu na Velha Marabá e deu o que falar foi durante a enchente de 1980, quando uma imensa Sumaúma não aguentou à pressão da correnteza e caiu, no Porto das Canoinhas, na beira do Rio Itacaiunas.

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Essa Piranheira é o que restou de mais emblemático no Bairro Pioneiro. Durante o governo de João Salame, quando realizaram a última reforma na praça, descobriram que fungos estavam destruindo as raízes da velha Piranheira. Pensaram em retirá-lo, mas a pressão popular seria maior e desgastante.

Os fungos continuam a se multiplicar embaixo da terra e a destruir as raízes profundas da Velha Árvore Centenária. Sim, centenária.

Tenho em meu computador uma foto área tirada pelo geólogo Breno Santos, em 1967, que prova que a Piranheira já era adulta na Praça São Félix, que era apenas um espaço aberto e sem benfeitorias àquela época.

Meu pai Chico Pompeu, contava que meu avô, Ulisses Pompeu, disse que desembarcou em frente àquela Piranheira, quando chegou à cidade em 1924, vindo de Cametá para trabalhar no ciclo da castanha-do-pará.

Hoje, quando passo pela Praça São Félix, meus passos diminuem diante da presença silenciosa da Velha Piranheira. Ele está ali, firme, mas com aquele ar cansado de quem já viu mais do que devia. Há um ranger quase imperceptível em seus galhos — como se a árvore sussurrasse memórias de tempos que só ela ainda guarda. Fico imaginando quantas vezes ela já foi esquecida pelos que só veem nela uma sombra, não uma história viva.

A Velha Marabá foi perdendo suas árvores como quem perde as palavras de uma língua antiga. Uma por uma, as sombras foram cedendo espaço ao concreto, e os galhos ao poste de luz. Mas a Piranheira ficou. Ficou como um velho parente que insiste em permanecer na casa onde todos já se mudaram, guardando os retratos, os cheiros, os silêncios. Ele não é só árvore — é testemunha, é raiz de um tempo em que a cidade era mais verde, mais fresca, mais humana.

É difícil não se comover com a ideia de que, sob seus galhos, meus avós deram os primeiros passos em Marabá e que meu pai contou suas histórias com os olhos marejados. Árvores como essa têm alma de arquivo. Elas não falam, mas nos devolvem ao passado em silêncio, com a generosidade dos que sabem que sua missão vai além do agora. Quantos ainda param para escutá-la? Para agradecer por tudo o que ela representou?

Se um dia essa Piranheira tombar — e é possível que o tempo o leve antes que a cidade entenda seu valor —, não será apenas madeira caída no chão. Será a queda de uma memória coletiva, de uma conexão com a terra que nos sustentou. E então, talvez tarde demais, alguém erguerá uma placa no lugar dizendo que ali houve uma árvore centenária. Mas não se planta memória como se planta muda. Memória se cultiva — com respeito, cuidado e escuta. Como a que a Velha Marabá deve ao seu último guardião verde.

* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica na edição de quinta-feira