Correio de Carajás

Covardia e heroísmo em tentativa de feminicídio

Dois dias depois da tentativa de feminicídio em Nova Ipixuna que ganhou repercussão nacional, por ter sido filmada, a reportagem do Jornal CORREIO foi até a cidade conversar com os familiares da vítima, que quase morreram também. O rumoroso caso, que teve repercussão nacional, revela o encontro da covardia de um homem mau com o heroísmo de mulheres destemidas, que colocaram a própria vida em risco.

Os personagens principais dessa história de terror são a vítima Gildete Santos de Lima e o acusado Leonardo Santos de Souza. Conforme já amplamente divulgado pelo grupo CORREIO, na tarde da última quarta-feira (6), ele invadiu o posto de combustíveis onde a vítima estava e tentou matá-la a facadas. Só não conseguiu porque as irmãs da vítima e também a mãe, uma senhora de 76 anos, saíram em defesa de Gildete.

Mas antes de continuar a história é preciso fazer algumas correções, que só foram possíveis agora, depois que passou toda a tensão do momento. O posto de combustíveis pertence à irmã de Gildete, Marileuze Santos. Lá trabalha outra irmã da vítima, Gilvane Pereira dos Santos, a popular “Vânia”.

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Por sua vez, Gildete, a vítima, é professora na zona rural e só estava lá com a família quase toda porque tinha ido à cidade justamente para tentar fazer um divórcio amigável com Leonardo no Cartório local. A tentativa de assassinato aconteceu minutos antes da audiência.

Depois de dominado por populares, levado ao hospital pela guarnição da Polícia Militar comanda pelo sargento Silvano, e em seguida autuado em flagrante na delegacia de Polícia Civil de Nova Ipixuna, Leonardo foi encaminhado, na manhã de quinta-feira, para audiência de custódia na 3ª Vara Criminal de Marabá, onde o juiz Alexandre Hiroshi Arakaki manteve o flagrante por homicídio (crime tentado). Do Fórum ele desceu direto para a Central de Triagem Masculina de Marabá (CTMM), onde aguardará o júri popular.

Foi no interior desta sala que aconteceu parte da briga filmada

Enquanto isso, Gildete permanece internada e fora de perigo. Mas foi por pouco. Ela levou quatro facadas nos pulmões, duas no peito, na cabeça e várias nos braços por tentar se defender. Os familiares dela contaram que se Gildete não tivesse sido socorrida a tempo talvez tivesse morrido, pois estava com a respiração ofegante e quase entrando em choque. Ela sangrou demais e teve de tomar seis bolsas de sangue.

O ATAQUE FILMADO

As irmãs Gilvane Pereira dos Santos, a “Vânia”, e Marileuze Santos; e também a mãe de Gildete, Rita Pereira dos Santos (76), relataram os momentos de agonia em que lutaram pela vida da irmã de também pelas suas próprias, diante de um homem cego de ódio e de porte físico avantajado, armado de uma faca. Não foi uma luta fácil, mas a união e o heroísmo dessas mulheres venceram a covardia de Leonardo.

Vânia lembra que estava no posto quando viu Leonardo chegar e entrar. Mesmo estando de capacete, ela obviamente o reconheceu, mas inicialmente diz que não maldou nada. Somente alguns instantes depois, quando ouviu um barulho no escritório, foi que correu para lá e já se deparou com Leonardo atacando sua irmã e sua mãe tentando salva-la.

Já a mãe de Gildete, Rita Santos, diz que estava sentada na antessala do escritório quando o acusado chegou e passou direto. Desconfiada, ela entrou e já viu a filha sendo sufocada pelo criminoso, que com um braço imobilizava a vítima pelo pescoço e com o outro a esfaqueava. “Eu vi que ele ia dar uma facada no coração dela, aí eu coloquei a minha mão e ele me deu duas facadas”, relata a anciã, ao mostrar as mãos e os braços suturados devido aos golpes desferidos pelo covarde Leonardo.

Dona Rita salvou a vida da filha e quase morre também na briga com Leonardo
 

Parte do que acontece daí em diante foi filmada. Além de Vânia e de dona Rita, Marileuze, outras mulheres e um homem tentam salvar a vítima, que é segura pelo criminoso, o tempo inteiro, pelos cabelos. Um dos cunhados da vítima, Jonatas Mendonça, ainda tentou ajudar, mas acabou batendo a perna na mesa e sofreu fratura em três lugares.

A briga se arrasta desde o pequeno escritório até a antessala, onde não há mais câmera interna de segurança e, por isso, não é possível filmar o restante da refrega.

“Vânia” lembra que no momento da aflição, na luta pela vida, agarrou a lamina da faca porque sabia que a única solução era desarmar Leonardo. Nem isso estava sendo possível, pois o criminoso estava descontrolado. Mas ela teve o raciocínio rápido de apertar o pescoço do acusado, que mesmo estando armado e por mais forte que fosse, felizmente ele era apenas um e tinha algum ponto fraco.

Deu certo: quando Leonardo estava perdendo as forças, chegaram mais homens e conseguiram dominá-lo. Eles o amarram com um fio e ainda teve uma pessoa que pegou uma grande pedra para bater na cabeça de Leonardo, depois que ele estava dominado, mas elas não deixaram que ninguém tocasse mais em Leonardo. Até nisso, mostraram uma nobreza que o próprio criminoso jamais poderá compreender, porque certamente esse tipo de gesto não integra sua personalidade doentia.

Leonardo esfaqueou a ex-companheira, mas quase foi linchado/ Foto: Divulgação

Inclusive, “Vânia” conta que o sangue que encobria o rosto e o corpo de Leonardo não é dele e sim das vítimas, que ele quase matou. E por mais que se lave, essas manchas dificilmente sairão; são as marcas do machismo doentio e da covardia que quase provocaram uma tragédia. (Reportagem: Josseli Carvalho)

SAIBA MAIS

Enquanto o repórter Josseli Carvalho conversava com as irmãs e a mãe da vítima ontem em Nova Ipixuna, o pai Joaquim Gonçalves Santos, de 77 anos, se manteve reservado, calado. Mas no momento em que o repórter encerrava a entrevista, seu Joaquim deu um breve recado para as autoridades: “Se a Justiça soltar ele e ele vir fazer outro dano, a Justiça já é culpada”.

Vítima vivia prisioneira na própria casa

“Vânia” e Marileuze contaram que Gildete morava junto com Leonardo havia 13 anos, sendo que há dois estavam casados oficialmente, mas tudo leva a crer que ela vivia numa prisão cujas grades eram o medo, imposto pelo terror das ameaças feitas pelo acusado.

À medida que as agressões e o desrespeito foram engolindo a relação do casal, Gildete foi se desconectando de Leonardo e nos últimos três meses ela vinha tentando se separar dele. A gota d’água aconteceu exatamente um mês antes desta tentativa de feminicídio: no dia 6 de janeiro Leonardo pegou uma espingarda para atirar na vítima, que se escondeu na mata, com medo do homem com quem dividiu mais de uma década de sua vida.

As irmãs contam que Leonardo se passava por evangélico, mas era frequentador de prostíbulos e já se envolveu até com menores de idade, coisas que a vítima tomou conhecimento, mas foi relevando, primeiro para manter o casamento e depois por temer as ameaças.

Ainda de acordo com as irmãs, como a vítima já não conseguia mais conviver com Leonardo, ela se distanciava dele sempre que podia, mas o marido a forçava a manter relações sexuais contra sua vontade. “Ele vivia estuprando minha irmã”, relatou Gilvane.

Inclusive, no dia que ela se escondeu no mato, temendo ser morta a tiro, o acusado a encontrou e a levou a força de volta para casa, dizendo que ia matá-la. Mas ela prometeu não mais fugir e disse que o perdoaria por tudo que ele fez. Naquela noite, Gildete foi obrigada a passar a noite inteira agarrada com Leonardo, sob ameaça de ser assassinada.

No dia seguinte, o acusado teria pedido para chamar o pastor da igreja que frequentavam e com ele vieram também duas das irmãs de Gildete. Sentindo-se mais protegida, a vítima contou “tudo” para o pastor e para as irmãs na presença do marido.

Depois de todo o relato, o próprio Leonardo confessou que fazia cerca de 30 dias que ele vinha pensando em matar Gildete. Seu plano era atear fogo nela em cima da cama do casal e depois iria se matar. “Mas ele não ia se matar, não; ele ia matar só ela”, afirma “Vânia”.

Diante do quadro estarrecedor, que deixou todos assustados, Gildete pediu para ir embora com suas irmãs. Leonardo, possivelmente constrangido, permitiu que ela fosse embora. Mas ele imaginou que ela voltaria depois. Como isso não aconteceu, ele não deixou barato. O irrefreável sentimento de posse pela mulher foi maior do que o zelo que ele deveria ter pela vida dela. (Chagas Filho com informações de Josseli Carvalho)