Wgilsinéia Assis de Queiroz, a Gil, de apenas 33 anos, é sobrevivente de um câncer de colo de útero e, atualmente, portadora de um tumor na coluna. A orientadora acadêmica que tem formação em Letras, hoje atua dando orientação a discentes, possui uma trajetória emocionante que fala não somente sobre enxergar a vida com outros olhos, mas sobre enfrentar de cabeça erguida grandes obstáculos e a necessidade do autocuidado em se tratando da prevenção contra essa doença tão temida.
O Correio de Carajás entrevistou Gil, que contou que sua batalha iniciou em 2020, com uma dor no pé da barriga que evoluiu para a primeira de sete hemorragias que ela teve: “Foi tudo muito rápido”, recorda.
De acordo com ela, à época, o Hospital Municipal de Marabá (HMM), local onde buscou ajuda médica, não oferecia atendimento ginecológico, sendo atendida por um clínico geral que não soube o que fazer diante da sua condição. Foi sugerido, então, pelo profissional, que ela procurasse atendimento especificamente ginecológico em uma unidade de saúde da rede particular.
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Em uma clínica com atendimento privado, através de exames e biópsia, foi descoberto o câncer de colo de útero que, para a infeliz surpresa, àquela altura já estava bastante avançado. Para a orientadora, foi um choque: “Quando você escuta que alguém, independente da proximidade, está com câncer, a informação é absorvida e aquilo te gera um sentimento ruim. Mas quando é com você, é um verdadeiro pesadelo”.
Narrando a trajetória, ela comenta que acredita que lidar com a doença é um constante processo de aceitação, pois nada ajuda quando se bate de frente e se nega a existência do câncer em si mesma.
Diante do diagnóstico, Gil foi em busca de tratamento em Imperatriz, e inicialmente os custos ficariam em torno de R$ 80 mil, que incluíam seis radioterapias e quatro quimioterapias. Sem ter como pagar, ela gravou um vídeo contando sua situação e pedindo ajuda, que viralizou através da TV Correio. A ajuda era, em essência, sobre por onde começar: “Nem isso eu sabia”, recorda.
A gravação chegou até uma ex-colega de escola que entrou em contato e a colocou em contato com um dos financiadores da maior instituição de saúde filantrópica brasileira especializada no tratamento e prevenção de câncer na cidade de Barretos, em São Paulo, conhecida como Hospital do Amor.
No dia 11 de dezembro de 2020 ela foi para a cidade paulistana e na semana seguinte deu início ao tratamento, que se resumiu a diversas quimio, radio e braquiterapias, até receber a notícia de que havia sido curada do câncer cervical, como também é conhecido clinicamente.
Ginecologista adverte sobre a necessidade de prevenção
A ginecologista e obstetra Hilomi Chaves Viana explica que dentre os cânceres mais comuns causados pelo vírus papiloma humano (HPV), está o de colo do útero. A doença é caracterizada pelo crescimento anormal de células do colo do útero, que é a parte inferior do útero que possui contato com a vagina.
Após o contágio com esse vírus, se o sistema imunológico não conseguir combater o vírus, ocorre o desenvolvimento dessas células anormais. Se não for diagnosticado e tratado rapidamente, as células anormais podem evoluir de uma lesão pré-câncer para um câncer. Isto pode demorar anos, como foi o caso de Gil e apresenta sintomas como sangramento vaginal, corrimento e dor.
Embora a infecção pelo HPV seja muito frequente, esta é transitória, com regressão espontânea na maioria dos casos. No entanto, um pequeno número de casos nos quais a infecção persiste é especialmente causada por um tipo viral oncogênico, com potencial para causar câncer.
Este tipo de vírus pode desenvolver lesões precursoras que, se não forem identificadas e tratadas, podem progredir para o câncer, principalmente no colo do útero, mas também na vagina, vulva, ânus, pênis, orofaringe e até boca.
Existe pelo menos 13 tipos de HPV que são considerados oncogênicos com maior probabilidade de estarem associados a lesões precursoras. Dentre os HPV de alto risco oncogênico, os tipos 16 e 18 estão presentes em 70% dos casos de câncer do colo de útero. Já os HPV 6 e 11, encontrados em 90% dos condilomas genitais e papilomas laríngeos, são considerados não oncogênicos.
PREVENÇÃO
“Existem vacinas disponíveis que podem proteger os jovens contra determinadas infecções pelo HPV. Elas protegem contra a infecção com os subtipos do vírus mais comumente ligados ao câncer, bem como alguns tipos que podem causar verrugas anal e genitais. Essas vacinas agem apenas para prevenir a infecção pelo papiloma”, elucida Hilomi, acrescentando que, no entanto, elas não tratam uma infecção já existente.
Por essa razão, para ser mais eficaz, as vacinas contra o HPV devem ser administradas antes que uma pessoa seja exposta ao HPV (atividade sexual). Essa imunização ajuda a prevenir o pré-câncer e o câncer de colo do útero e algumas delas também estão aprovadas para a prevenção de outros tipos de câncer e verrugas anal e genital, mas ela frisa que nenhuma vacina oferece proteção completa contra todos os tipos de HPV causadores de câncer e por isso é de extrema necessidade fazer o rastreamento para o câncer de colo de útero regularmente.
“Um novo câncer não é um obstáculo para viver”, diz Gil
Em dezembro do ano passado, Gil sentiu uma fisgada na coluna: “Nós mulheres somos muito sensíveis e conhecemos o nosso corpo. No momento em que senti a dor, eu já sabia que se tratava de outro tumor”. Ela conta, aos prantos, que não comentou a situação com ninguém e foi sozinha fazer uma ressonância magnética, que confirmou o que ela havia pensado.
Agora, a educadora trata do tumor que está localizado a quatro centímetros de sua medula óssea, o que a impede de fazer qualquer esforço e muito menos pegar peso. A cada três meses ela precisa ir e vir de Barretos para fazer as terapias. Uma nova jornada que encara com muita positividade e esperança.
“A única certeza que a gente tem é a morte, você só não sabe como isso vai acontecer. Sou grata a Deus a todos os momentos, minha vida mudou totalmente, eu enxergo as coisas de outra maneira, mesmo com tudo isso acontecendo, não vejo como um obstáculo, mas como um pretexto pra aproveitar ainda mais minha vida, muito mais do que antes”, são as palavras de Gil, que acrescenta que no presente momento dá o máximo de valor até no copo de água que bebe, pois consegue ver a grandiosidade em pequenas coisas que, para a maioria, é nada.
Em seus braços há marcas de injeções de Tramadol e Dexometazon, remédios indicados habitualmente no tratamento da dor moderada a grande intensidade em pacientes oncológicos, mas ainda assim ela frisa que está tudo ótimo, porque está viva e tem forças para continuar. Ela assevera que não se sente inferior ou como uma vítima por conta do câncer.
“Há pessoas que ficam com depressão, famílias que possuem dependentes químicos, todos nós temos alguma questão, e nenhuma é maior ou pior que outra. Não acho que minha dor e meu problema são maiores do que o do outro, na verdade, eu só tenho a agradecer”, finaliza, mostrando que a batalha que venceu e a que trava atualmente é um recorte exemplar da realidade de várias pessoas que assim como ela, lutam contra essa doença e têm muito a ensinar de forma inspiradora com o que aprendem na dor.
(Thays Araujo)