Correio de Carajás

Clarice, a jovem que anda nua em Parauapebas, não está abandonada

Com 22 anos, ela é auxiliada pelo Centro de Atendimento Psicossocial e família pede respeito e compreensão com o quadro

Uma cena comum em Parauapebas e que choca muita gente é a de uma mulher andando sem roupas pelas ruas da cidade. Se você já teve viu alguém nessas circunstâncias, muito provavelmente trata-se de Clarice, de 22 anos. Frequentemente a jovem se torna assunto nas redes sociais, sendo vista e fotografada por dezenas de pessoas que, por muitas vezes, se preocuparam com a integridade física e mental da moça. Clarice, entretanto, não é moradora de rua e tampouco está desamparada.

O Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) do município entrou em contato com o Correio de Carajás a fim de esclarecer à sociedade parauapebense sobre o caso de Clarice. Conforme o psicólogo Wagner Caldeira e a assistente social Geovânia Pinheiro, que fazem parte da equipe que acompanha a jovem, Clarice é a mais velha de seis irmãos e todos moram com a mãe em uma casa financiada pelo programa “Minha Casa, Minha Vida”.

Aos 12 anos, relatam, foi alimentado nela o sonho que tinha de se tornar modelo. Clarice chegou a viajar para o Rio de Janeiro, atrás da realização desse desejo, mas sem sucesso. A questão, quando se fala da jovem e dos comportamentos que apresenta, gira em torno de duas hipóteses ainda em análise pela equipe do CAPS: uma necessidade de atenção muito grande por parte de Clarice e uma procura pelo pai, que mora no Mato Grosso.

Leia mais:

Ainda incapazes de determinar qual dos motivos leva Clarice a sair nua por Parauapebas, os servidores do CAPS explicam que ela tem grandes sonhos, como o de ser famosa e reconhecida. “Isso passou do pai dela para ela, que também é um grande sonhador. Entendemos que a vontade que ela sente é uma fantasia, mas foi algo alimentado pelo pai, foi algo que ela só foi reproduzindo porque ela ouviu muito da família”, explicou Geovânia.

Segundo a assistente social, o pai de Clarice a deixou morando com a mãe e foi embora sem informar o destino, para morar com outra família. Foi quando a jovem começou a apresentar o atual comportamento, chegando a rodar por muitos estados no país, como Tocantins, São Paulo e Paraná, por caronas de caminhoneiros. Suspeita-se que ela esteja à procura do pai. O paradeiro dele só foi conhecido uma vez, quando sofreu um grave acidente, no início deste ano, e entrou em coma.

Geovânia relata que Clarice tem demandas muito específicas quanto às relações sociais. “Ela te observa, afim de determinar se você é uma pessoa confiável ou não. Não é todo mundo que ela gosta e você só consegue conversar com ela sobre assuntos que são do interesse dela”, diz, detalhando como se dá o atendimento personalizado para ela na UBS do Bairro dos Minérios.

“Determinamos alguns pontos de interesse dela, como tecnologia, música, beleza… Então conseguimos um computador para ela ouvir o ‘pancadão’ dela, ensaiar as danças dela. Ela já fez apresentação em evento do CAPS, como se fosse um show dela”, relata Geovânia, pontuando que Clarice não aceita todas as atividades oferecidas, como artesanato e educação física

DIAGNÓSTICO

Wagner Caldeira admite que Clarice não tem um distúrbio psicológico específico, mas em uma análise da psicanálise declara que a jovem apresenta uma “estrutura histérica”. No CAPS, como comenta Geovânia, ela já teria recebido múltiplos diagnósticos, fornecidos por diferentes profissionais.

“No início, trabalhamos com a hipótese de que ela teria um retardo. Outro médico realizou diagnóstico, que apontava esquizofrenia. O médico que a acompanha agora diagnosticou transtorno esquizoafetivo [Wagner explicou que esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo possuem muitas diferenças]”, relata Geovânia.  Os dois concordam que é extremamente difícil conceder um diagnóstico definitivo à Clarice.

JULGAMENTO

Alheio ao comportamento peculiar de Clarice, Wagner traz uma discussão sobre a forma problemática como são vistas as atitudes dela pela sociedade. “É difícil lidar com isso porque a Clarice questiona algumas coisas do nosso desejo. Ela realiza um sonho de ser livre, de não ter obrigações. Ela tem o sonho de ser reconhecida e ela vai atrás disso”, discorre o psicólogo.

Wagner também problematiza o julgamento feito em cima do ato de sair nua pela rua. “Por que ela incomoda tanto, se vemos mulheres peladas sempre? No carnaval, nas ruas… é por uma questão de estética? Por ela não ter um corpo dentro dos padrões? Ela não mexe com ninguém [quando sai na rua]”, questiona o psicólogo, se queixando dessa visão de que ela não é assistida por órgãos de saúde e pelo próprio seio familiar.

A cobrança em cima da família de Clarice também se torna abusiva. Nesse aspecto, a mãe da jovem forneceu uma declaração ao Correio de Carajás, onde defende o acompanhamento dado a ela: “O nome mesmo já diz: transtorno. Não é bom. É bom esclarecer que eu faço o que eu posso e o CAPS só faz o que pode também. É muito bom que seja justificado, pois são muitas críticas”.

Ela lamenta a falta de compreensão da sociedade: “Vamos esclarecer isso para o público [o fato de Clarice não estar desamparada] porque as pessoas, a sociedade, parece que só vai entender quando passar por isso. Só se entende a dor do outro quando se passa pela mesma situação. Não é o que eu quero pra ninguém, isso não é vida pra ninguém, mas é a realidade”, diz, relatando que irá procurar outros meios de comunicação para falar sobre a filha. (Juliano Corrêa)