Correio de Carajás

CIRURGIA SEGURA

Como era e como é a cirurgia segura. “O que as drogas não curam, a faca curará; o que a faca não cura, o cautério curará; o que o cautério não cura, deve ser considerado incurável.”

Desde o tempo em que esse trecho do Corpus Hippocraticum foi escrito, por volta de 450 a.C., a cirurgia se atrelou ao campo de guerra. As batalhas culminavam com inúmeros feridos que necessitavam de uma intervenção médica rápida, não raramente em condições precárias.

A cirurgia, em grande parte da história, foi uma conduta aterrorizante. Sem a assepsia e a anestesia adequadas, ser submetido a uma intervenção cirúrgica era quase um instrumento de tortura, além de uma possível sentença de morte.

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Hoje em dia, com o advento de diversas tecnologias, podemos avançar as expectativas em relação a uma cirurgia. Nossas expectativas são de cura e, muitas vezes, de resolução definitiva do adoecimento.

Dessa maneira, a medicina atual está preparada para ser o mais segura e eficaz que puder. Nesse sentido, erros evitáveis devem ser observados de perto com o intuito de serem extintos. A segurança do paciente deve ser prioridade.

No período da década de 1970 e começo dos anos 1980, os acidentes aéreos de grande porte eram comuns, ao menos dois por ano. Só em 1977 foram oito casos registrados, somando cerca de 980 mortos. E, à medida que o número de voos comerciais crescia, aumentava também a frequência dos desastres.

Investigações apontavam que a maior parte das ocorrências era devida a falhas humanas. Erros que, segundo investigadores da época, poderiam ser evitados eliminando ambientes hostis dentro das cabines de comando e possibilitando o trabalho em equipe, com a tripulação envolvida ativamente na solução dos problemas a bordo.

O que a aviação nos ensinou? As estatísticas forçaram as autoridades da época a repensarem a segurança do setor. Em 1979, a NASA criou o sistema de formação profissional e compartilhamento de informações conhecido por Gerenciamento de Recursos da Tripulação (CRM, na sigla em inglês, de Crew Resource Management), hoje utilizado em todas as escolas de aviação.

Divisor de águas, o programa de treinamento instituiu mudanças nos comportamentos da equipe de voo, tripulação e demais integrantes das companhias que operam na terra. Com a medida, a frequência de acidentes envolvendo aviões comerciais se reduziu drasticamente, colocando o veículo entre os mais seguros do mundo. Hoje, para cada 100 mil milhas viajadas, a média de morte é de 0,01, enquanto que de trem e carro esse número sobe para 0,04 e 0,94, respectivamente.

Tendo sua origem no programa de pesquisa de fatores humanos da NASA, o CRM tem como meta o uso eficaz de todos os recursos disponíveis para garantir segurança e eficiência nas operações aéreas. Seu treinamento busca a mudança nas atitudes e nos comportamentos da tripulação, da equipe de voo e de todos os integrantes das companhias.

A discussão em torno do modelo de segurança da aviação aplicado aos cuidados na saúde já tinha sido levantada pelos órgãos ligados ao setor há alguns anos. Em 1999, o Institute of Medicine (IOM) publicou o relatório “Errar é Humano”, constatando que falhas do trabalho em equipe e comunicação respondiam por 75% dos erros médicos nos EUA.

E ainda nos anos 1990, a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) criou o MedTeams Project, tomando como modelo o TeamSteps da aviação. Hoje, a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) recomenda às instituições que solicitam a acreditação incorporar cursos de teamwork e comunicação a seus programas de educação profissional.

Por lidar com vidas humana e baseado na segurança de voo, surgiu também o protocolo de cirurgia segura. O protocolo de cirurgia segura do Ministério da Saúde em parceria com a ANVISA e FioCruz é o principal guia para uma cirurgia segura no Brasil. Ele está descrito da seguinte maneira: A Lista de Verificação divide a cirurgia em três fases: I – Antes da indução anestésica; II – Antes da incisão cirúrgica; e III – Antes de o paciente sair da sala de cirurgia. O tema continua na próxima terça feira.

* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.     

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.