Correio de Carajás

Canaã: Jeová não paga aluguel e brigadistas voluntários são despejados

Um pequeno ponto comercial na Rua Juscelino Kubitschek, em Canaã dos Carajás, armazena os equipamentos e mobília dos brigadistas voluntários do município, mas só até janeiro. Mesmo inadequado, o espaço foi a salvação que caiu do céu para eles na noite de sexta-feira (13), quando foram despejados da casa alugada pela Prefeitura Municipal e cujo aluguel não foi pago ao longo dos últimos cinco meses pela administração de Jeová Andrade.

O presidente da Associação Brigada de Emergência, Ademar Leal, relata ter sido surpreendido pela proprietária do imóvel requerendo a saída e alegando que nunca recebeu os R$1.500 mensais acordados com o município. Conforme ele, em nenhum momento a Prefeitura Municipal ofereceu outro ponto.

“A gente não entende por que a proprietária não foi ressarcida”, afirma Ademar Leal

Esta não é a primeira vez que os voluntários acabam na rua. Antes a sede deles era um quiosque do município, onde permaneceram por 10 anos. A prefeitura, entretanto, alegou que iria reformar o espaço e eles foram retirados. Depois retornaram, mas novamente foi alegada outra reforma para que saíssem do local. Foi então que se mudaram para o imóvel de onde agora foram despejados. “A gente não entende por que a proprietária não foi ressarcida”, diz Ademar.

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Em outubro a associação completou 11 anos de trabalho voluntário, realizando atendimentos pré-hospitalares, resgates de animais e combate a incêndios, entre outras atividades. “A gente tem orgulho de pertencer a essa associação e fazer um trabalho excepcional. Não somos remunerados. Deveríamos ser? Sim, com certeza! Porque existem profissionais que estão desempregados e poderiam ser ressarcidos com parcerias, com convênio, como qualquer outra associação”, diz.

Atualmente, são 30 brigadistas atuantes. “Estas pessoas deixam as famílias para doarem seu tempo à comunidade, doarem seu profissionalismo”. Em meio à noite, quando os voluntários já estavam com os equipamentos empilhados ao relento, a cabeleireira Terezinha Vieira soube do ocorrido e apareceu para resgatar quem sempre resgata os necessitados.

“Um desses rapazes é meu cliente há algum tempo e falou hoje que estava sendo despejado. Como meu ponto está fechado eu cedi para eles ficarem até janeiro, para ajudar, porque eles também nos ajudam. Se tem um acidente, uma pessoa doente, eles nos ajudam”, afirma.

Terezinha cedeu um ponto comercial, mas o local só está disponível até janeiro

Ela destaca, entretanto, não conseguir segurar por muito tempo as pontas. “Cedi meu ponto, mas é somente até eles encontrarem um lugar para eles. Se alguém tiver um ponto para ceder a partir de janeiro que ajude porque eu não posso fazer por muito tempo. São pessoas que ajudam pessoas e estão nessa situação no meio da noite”. A mudança dos brigadistas foi feita por eles a pé, carregando as coisas rua afora porque sequer um caminhão foi cedido para o transporte.

TOTAL DESCASO

“Quero perguntar ao governo o que foi que essa brigada fez para vocês? Porque é lamentável que uma instituição que há 11 anos atua de forma voluntária passe por essas humilhações”, desabafa o secretário da Brigada, Otávio Oliveira, que atua há 10 anos no trabalho voluntário. Ele relembra que este não é o primeiro episódio em que a brigada é atacada.

“Quero perguntar ao governo o que foi que essa brigada fez”, diz Otávio Oliveira

Neste ano um veículo que era cedido pela Prefeitura de Canaã dos Carajás foi retirado dos brigadistas após um vídeo deles realizando atendimento a uma pessoa vítima de acidente viralizar. O resgate deveria ter sido feito por ambulância e o município foi criticado por não ter prestado o atendimento. A tomada do veículo foi interpretada por muita gente como uma retaliação.

Após essa informação ganhar novamente os noticiários e gerar uma onda de revolta a administração municipal cedeu outros dois veículos à brigada. Os carros não são, entretanto, os ideais. A entidade não possui, por exemplo, veículo de combate a incêndio e a água para essa atividade é transportada em mochilas.

“Eu vim para cá com o coração apertado falando para mim mesmo que, com fé em Deus, essa será a última vez que a gente vai passar por essa situação porque só este ano já foram quatro vezes. Estamos sendo desabrigados e deixando nossas coisas em local inapropriado, embora tenha sido doado com todo amor e todo carinho por uma pessoa que se sensibilizou com a nossa causa. Vamos abrigar lá pra não deixar exposto na rua porque a gente nem sabia o que ia fazer. Mais uma vez estamos passando por uma humilhação dessas”, lamenta.

Para ele, é difícil entender que o município não arque com um simples aluguel. “Uma cidade que arrecada mais de R$ 1 bilhão seria hipocrisia muito grande qualquer um se levantar e dizer que não tem uma Secretaria que poderia arcar com esse valor ou mesmo com a construção de um prédio próprio para a gente exercer nossas atividades de forma voluntária. As pessoas podem nos ver na rua e achar que a gente ganha alguma coisa aqui, mas a gente não ganha. O meu fardamento sai do meu bolso, se a minha bota rasga eu tenho que comprar. A luva que coloco para atender a comunidade a gente compra quando não ganha dos empresários”, finaliza. (Luciana Marschall)