- Enganoso
- É enganosa uma postagem no Instagram que cita 14 relatos de mortes de jovens relacionadas à vacinação de covid-19, nos Estados Unidos. O conteúdo tira de contexto dados de uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas americano (CDC) que já descartou haver relação causal entre a imunização e oito dos relatos. Seis casos seguem em investigação.
- Conteúdo verificado: Print compartilhado no Instagram do que seria o story de um médico respondendo o que acha sobre a vacinação em crianças e adolescentes. Na resposta, diz poder falar sobre os dados da Pfizer e afirma que “no último semestre foram relatadas 14 mortes de jovens entre 12 e 17 anos relacionadas a essa vacina (sic)”. Acrescenta existir um estudo nos Estados Unidos mostrando que, para cada caso de evento adverso notificado, existem 30 não notificados. Por fim, diz que apenas um jovem na mesma faixa etária morreu de covid-19 no mesmo período e deixa uma sugestão: “faça as contas”.
Uma postagem no Instagram com quase 6 mil visualizações engana ao citar relatos de suspeitas de eventos adversos da vacina Pfizer-BioNTech (também chamada de Comirnaty) em crianças e adolescentes nos Estados Unidos para sugerir que a imunização é insegura. O conteúdo tira de contexto dados expostos em uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas americano (CDC) ao omitir que os relatos de mortes citados no estudo não foram confirmados como consequência da vacinação.
O estudo monitorou o registro de suspeitas de eventos adversos da vacina entre jovens de 12 a 17 anos, durante dezembro de 2020 a julho de 2021. Os autores destacam no documento que as notificações registradas no Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas americano (VAERS) não implicam necessariamente que a vacina tenha relação causal com os episódios.
Segundo o relatório, investigações sobre a causa da morte de oito dos 14 casos reportados não indicaram um padrão sugestivo que associe as mortes com a vacina. As outras seis ocorrências ainda são apuradas por especialistas. O boato também cita supostos dados de subnotificação de eventos adversos para atribuir um tom alarmista sobre a segurança da vacinação.
Leia mais:O site do VAERS destaca que a subnotificação é de fato uma limitação do sistema, em especial para ocorrências leves. Entretanto, isso não prova que a vacina da Pfizer causou mortes em adolescentes ou é insegura. Com base no estudo do CDC citado no boato, o Comitê Consultivo e Práticas de Imunização (ACIP) americano avaliou os riscos e benefícios da vacina e decidiu manter a recomendação para que crianças e adolescentes recebam o imunizante.
A postagem afirma ter ocorrido apenas uma morte por covid na faixa etária entre 12 e 17 anos no último semestre. A plataforma do CDC que compila os dados provisórios relacionados à contaminação e mortes pela doença, contudo, não apresenta filtros específicos para esse recorte de idade. Possui, entretanto, a possibilidade de pesquisa de números referentes a crianças e adolescentes com idades entre zero e 17 anos, que somaram 151 óbitos apenas entre janeiro e julho de 2021.
O responsável pelo post foi procurado, assim como o médico marcado no print e apontado como o autor das afirmações, mas nenhum respondeu até a publicação.
Como verificamos?
Inicialmente, o Comprova utilizou o Google para buscar palavras-chave que levassem à origem das afirmações feitas no post, localizando um relatório técnico do CDC sobre a segurança da vacina contra a covid-19 em adolescentes com idade entre 12 e 17 anos.
Em seguida, consultou informações sobre o Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS) e sobre a segurança dos imunizantes, além de analisar outras verificações e artigos sobre os assuntos abordados no post.
Foram verificados os dados oficiais do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde disponíveis sobre mortes por covid no país, recortando as informações relacionadas a crianças e adolescentes e consultado o que dizem as agências reguladoras americana e brasileira sobre a vacinação nessa faixa etária.
A reportagem procurou o médico que é citado no post como sendo o autor das afirmações, questionando se elas, de fato, são de sua autoria, e verificou todos os stories em destaque no perfil do profissional, onde não consta o conteúdo printado e compartilhado pela conta aqui verificada, também procurada pelo Comprova.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 6 de agosto de 2021.
Verificação
Relação entre mortes e a vacina não foi comprovada
A postagem se apropria de dados de um relatório de técnicos do CDC, publicado no dia 30 de julho, no site da instituição. A pesquisa analisou relatos de possíveis eventos adversos nos sistemas de farmacovigilância VAERS e V-Safe. A primeira plataforma compila notificações de suspeitas de eventos adversos pós-vacinação da população geral dos Estados Unidos.
Já o V-Safe corresponde a um aplicativo de celular que envia formulários e lembretes para usuários cadastrados com o intuito de monitorar possíveis efeitos adversos da vacina em crianças e adolescentes. As duas plataformas recebem relatos de usuários mesmo que a conexão com o evento adverso reportada e a vacina não tenha sido confirmada.
O estudo do CDC indica que o VAERS recebeu 9.246 informes de suspeitas de eventos adversos sobre jovens de 12 a 17 anos, entre 14 de dezembro e 16 de julho. A imunização de adolescentes de 16 e 17 anos foi autorizada pela agência sanitária americana FDA em dezembro, enquanto a vacinação da faixa etária de 12 a 15 anos foi autorizada em maio de 2021.
Até julho, cerca de 8,9 milhões de adolescentes foram imunizados ao menos com a primeira dose da vacina da Pfizer. Mais de 90,7% dos relatos ao VAERS contemplam suspeitas de eventos adversos “não sérios”, principalmente cansaço e dor de cabeça. Outros 863 relatórios apontaram ocorrências mais severas, incluindo as 14 mortes citadas na postagem.
Entre as causas identificadas estão embolismo, infecções bacterianas e suicídio. Segundo os autores, os inquéritos “relativos à causa de morte não indicam um padrão sugestivo de relação causal com a vacinação”. Eles pontuam que os seis casos restantes ainda aguardam informações adicionais. De qualquer forma, é enganoso afirmar que as mortes suspeitas foram provocadas pela vacina da Pfizer antes da revisão adequada dos dados.
O aplicativo V-Safe, por sua vez, registrou 66 mil notificações de eventos adversos entre adolescentes de 16 e 17 anos, e outras 62 mil no grupo de 12 a 15 anos. Não houve relatos de mortes. As principais reações reportadas, diz o estudo, correspondem a dor no local da aplicação da vacina, fadiga, dor de cabeça e dores musculares.
Benefícios superam os riscos de eventos adversos sérios
A pesquisa do CDC ressalta que entre os eventos severos mais relatados ao VAERS configuram suspeitas de miocardite, uma inflamação de um músculo do coração chamado miocárdio. A condição não foi associada a causa da morte de nenhuma das suspeitas de mortes notificadas e representa 4,3% do total de relatórios sobre pacientes de 12 a 17 anos enviados ao sistema.
Os autores destacam que embora análises estatísticas não tenham indicado que miocardite seja um evento adverso associado a vacinas de covid, a mesma condição foi relatada em sistemas de farmacovigilância de diferentes países, o que corrobora com uma conexão causal. Os pesquisadores acrescentam que, a partir dos dados do estudo, o ACIP analisou a relação de riscos e benefícios da vacinação para pessoas acima de 12 anos e decidiu manter a recomendação da vacina da Pfizer para o grupo.
Eles observam que, com exceção dos casos de miocardite, os resultados do relatório são similares aos descritos nos ensaios clínicos da vacina. No Brasil, a Anvisa também emitiu um comunicado sobre os riscos de miocardite e, assim como o CDC, concluiu que os benefícios superam os riscos de eventos adversos.
Cuidado com dados de notificações
As notificações de sistemas de vigilância farmacológica como o VAERS são alvos recorrentes de boatos que tentam descredibilizar a vacinação. Em dezembro, o Comprova já havia desmentido um conteúdo parecido que tirava de contexto os dados de eventos adversos da plataforma americana.
O estudo do CDC publicado no mês passado destaca que o VAERS é uma ferramenta de monitoramento passiva, portanto a plataforma está sujeita a subnotificações e relatórios imprecisos. Autoridades incentivam que pacientes e provedores de serviços de saúde reportem qualquer suspeita de efeitos adversos, mesmo que não existam sinais claros de conexão com as vacinas.
Os autores elencam esse fator como uma das principais limitações do trabalho, mas isso não é citado na postagem enganosa. O próprio VAERS é categórico ao afirmar que as notificações enviadas ao sistema não devem ser usadas isoladamente para concluir que um evento adverso reportado foi causado por uma substância.
“Os relatórios podem incluir informações incompletas, imprecisas, coincidentes e não verificadas”, diz o site do órgão. “O número de relatórios por si só não pode ser interpretado ou utilizado para chegar a conclusões sobre a existência, gravidade, frequência ou taxas de problemas associados às vacinas.”.
Para identificar a incidência de um evento adverso não esperado, especialistas recorrem a análises estatísticas sobre as notificações. Especialistas comparam, por exemplo, a taxa de ocorrência de uma doença na população geral e a taxa de ocorrência entre os vacinados, explica um boletim do Yellow Card, o sistema de vigilância farmacológica do Reino Unido.
No caso de suspeitas de mortes, como demonstra o estudo do CDC, os órgãos sanitários costumam consultar prontuários clínicos, certidões de óbito, autópsias, entre outras fontes de informação. Os dados são continuamente monitorados e, a partir das investigações, as autoridades avaliam a proporção entre os riscos e benefícios da vacina.
Subnotificação é outro fator limitante
A postagem enganosa afirma que um estudo nos Estados Unidos mostra que, a cada evento adverso notificado, outros 30 não são reportados. O Comprova não identificou especificamente a pesquisa mencionada na mensagem, mas o próprio VAERS pontua que a subnotificação configura uma limitação dos dados do sistema de farmacovigilância.
Segundo a instituição, no entanto, o grau de subnotificação varia muito a depender da gravidade da suspeita de evento adverso relatada.
“Uma grande parte das milhões de doses de vacinas administradas a cada ano por injeção causa dor, mas relativamente poucos desses episódios são relatados no VAERS. Médicos e pacientes compreendem que os efeitos colaterais menores das vacinas muitas vezes incluem este tipo de desconforto, bem como febres baixas”, diz o site do VAERS.
O órgão acrescenta que eventos médicos mais sérios e inesperados têm uma probabilidade maior de serem relatados do que efeitos colaterais leves, “especialmente quando ocorrem logo após a vacinação, mesmo que possam ser coincidentes e relacionados a outras causas”, afirma.
Uma verificação da agência norte-americana FactCheck.org investigou um boato semelhante propagado por um apresentador de uma emissora de TV americana. Além de deturpar um relatório de segurança de vacinas, o apresentador citou um levantamento de 2010 submetido ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos, que concluiu que apenas 0,3% (1 a cada 300) dos efeitos adversos eram reportados à agência sanitária americana FDA. Para suspeitas mais graves, a porcentagem foi estimada entre 1-13%. A análise, entretanto, não explicou como calculou esta porcentagem, mostra a verificação do FactCheck.org.
O mesmo documento foi utilizado pelo ativista conservador Charlie Kirk em especulações enganosas, conforme artigo publicado pela National Review, que explica a interpretação errada dele e informa que, desde o início da vacinação para a covid, o banco de dados é alvo de interpretações errôneas, além de abordar pontos do relatório semelhantes aos observados pela FactCheck.org.
Ainda que a subnotificação seja uma limitação do sistema, ao passo que as mortes relatadas ao VAERS não têm necessariamente vínculos causais com a vacina, é insustentável sugerir que há uma subnotificação de óbitos provocados por imunizantes.
Mortes por covid-19 entre crianças e adolescentes
Na publicação, afirma-se que no último semestre apenas um jovem na faixa etária – entre 12 e 17 anos – morreu de covid. Ele não informa a fonte dessa declaração, mas a contagem provisória de óbitos pela doença, realizada pelo CDC com dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde (NCHS, em inglês), aponta que entre janeiro e julho de 2021 foram registradas 151 mortes entre crianças e adolescentes com idades entre zero e 17 anos (Folha 1, Folha 2). Durante o ano de 2020, foram 198 mortes. Até o momento, a soma entre crianças e adolescentes é de 349 óbitos.
O site do órgão também permite fazer a contagem por semanas, com recortes entre as idades de 5 a 14 anos e de 15 a 24, os mais próximos do período citado no post (entre 12 e 17 anos). Na primeira faixa (5-14), apenas entre o primeiro e o último final de semana de julho foram contabilizadas três mortes. Na segunda (15-24), foram 31 mortes.
O CDC explica que os números de óbitos relatados nas tabelas são baseados nos dados recebidos e codificados na data da análise e podem não representar todas as mortes ocorridas nos períodos descritos, devido ao lapso de tempo entre o momento em que ocorreu o óbito e o preenchimento do atestado de óbito.
O que diz a agência sobre a vacinação entre crianças e adolescentes?
O CDC recomenda a vacinação para maiores de 12 anos mesmo que adolescentes tenham sido menos infectados pela doença em comparação aos adultos, isso porque essas pessoas podem adoecer e também infectar outras. O órgão destaca que a imunização generalizada é ferramenta importante para ajudar a conter a pandemia.
A entidade ressalta que as vacinas são seguras e eficazes e têm sido usadas sob o monitoramento de segurança mais intensivo da história dos Estados Unidos, o que inclui estudos em adolescentes.
No último mês, em audiência do Comitê de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões do Senado americano, a infectologista Rochelle P. Walensky, diretora do CDC, defendeu a vacinação de crianças afirmando que as variantes podem ser um problema e que deve ser feito algo enquanto houver mortes registradas entre esse público.
No Brasil, a Anvisa autorizou a vacina da Pfizer para adolescentes com mais de 12 anos após a apresentação de estudos desenvolvidos pelo laboratório indicando a segurança e eficácia para este grupo. Antes, a vacina da Pfizer estava autorizada para pessoas com 16 anos de idade ou mais. Até o momento, esta é a única entre as vacinas autorizadas no Brasil com indicação para menores de 18 anos.
Atualmente, a bula da vacina da Pfizer traz a orientação de uso adulto e pediátrico a partir dos 12 anos de idade. Conforme o laboratório, os resultados demonstraram eficácia de 100% em estudo clínico com jovens dessa faixa etária. Os ensaios de fase 3 foram realizados em 2.260 adolescentes, nos Estados Unidos, e apresentaram respostas robustas na produção de anticorpos.
De acordo com a empresa, a mesma autorização concedida pelo FDA e pela Anvisa também foi dada pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), da União Europeia, e por agências de países como Reino Unido, Canadá, Chile, Uruguai, Israel, Dubai, Hong Kong, Filipinas, Cingapura e Japão.
Autoria da postagem
A postagem aqui verificada foi feita pelo perfil @vacinacv19_relatos, que afirma compilar notícias relacionadas às vacinas contra a covid-19. A conta já teve conteúdo removido por “informações falsas e prejudiciais” relacionadas à doença, segundo justificou a plataforma.
A publicação é um print no qual não constam as informações referentes ao perfil de origem. Na legenda, o usuário @vacinacv19_relatos afirma se tratar de um story da conta @marceu.lima, pertencente ao médico Marceu do Nascimento Lima, registrado no Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro desde janeiro de 2008.
O profissional tem como especialidades a clínica médica e a cardiologia e mantém no perfil do Instagram um link para plataforma na qual agenda teleconsultas. Ele possui várias postagens nas quais defende a não vacinação de pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus.
Ambos foram procurados, mas não responderam.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. Segundo a ferramenta CrowdTangle, o post foi publicado em 2 de agosto no Instagram e dois dias depois, em 6 de agosto, já somava 5.955 interações.
Conteúdos enganosos sobre vacinas contra a covid-19 podem induzir a população a recusar medidas de prevenção, como a imunização, e se expor a riscos durante a pandemia.
O Comprova já esclareceu diversos conteúdos sobre a imunização, como, por exemplo, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac e que os imunizantes usados no Brasil passaram por testes de segurança e eficácia e que médico descontextualizou manual da Pfizer para sugerir alterações genéticas pela vacina.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.