Há mais de sete meses um bebê vive no Espaço de Acolhimento Provisório (EAP) de Marabá sem qualquer expectativa de ter uma família. A criança foi abandonada em uma lixeira da Folha 11, na Nova Marabá, em 14 de agosto de 2021, quando recém-nascida, e segue institucionalizada de forma não condizente com o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O artigo 19 do mencionado diploma legal estabelece ser direito da criança a criação e educação no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
O inciso 10 deste mesmo artigo define que devem ser cadastrados para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas não procuradas por familiares no prazo de 30 dias, contados a partir do dia do acolhimento. Este é exatamente o caso do bebê marabaense, acolhido em 16 de agosto do ano passado.
Leia mais:A mãe da criança foi identificada pela Polícia Civil e afirmou não ter interesse em ficar com ela e nem saber quem é o pai, manifestando o desejo de que ela fosse adotada. A mulher também não indicou qualquer familiar do bebê que pudesse ficar com ele, tampouco apareceu alguém procurando pelo infante.
A Reportagem do Correio de Carajás soube, por uma fonte segura da gestão municipal, que tanto o bebê abandonado na lixeira quanto outros estariam há vários meses aguardando uma decisão judicial, sendo que já poderiam estar com famílias que pudessem oferecer educação integral e um relacionamento mais duradouro. “Embora a Prefeitura esteja fazendo seu melhor para cuidar das crianças, a justiça está morosa nestes casos”, disse a fonte, pedindo reserva de seu nome.
CASO
O caso do bebê abandonado teve grande repercussão em Marabá e região. A criança foi localizada dentro de uma lata de lixo na Folha 11, Nova Marabá, às 8h40min de um sábado, ainda suja de sangue e com o cordão umbilical. Uma moradora o encontrou, recolheu e acionou a Polícia Militar.
O recém-nascido foi levado para o Hospital Materno Infantil (HMI) para receber cuidados médicos, sendo higienizado e vestido. Dois dias depois, ao ter alta, foi encaminhado ao abrigo, onde está até hoje. O caso teve ampla repercussão na cidade à época e a mulher que o encontrou manifestou interesse em adotá-lo.
ADOÇÃO
Para ter uma chance de adotar o bebê, quando ele for colocado na fila, é necessário que o interessado possua cadastro no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). A convocação dos inscritos para adoção é realizada de acordo com ordem cronológica de habilitação e disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.
Juiz alega que adoção segue o rito normal
O juiz titular da 4ª Vara Cível e Empresarial de Marabá, Manoel Antônio Silva Macêdo, informa que tanto o processo de acolhimento institucional como o de destituição do poder familiar, acerca do menor que foi abandonado em uma lixeira, estão em ordem. Ambos já contam com manifestação do Ministério Público e da Defensoria, aguardando apenas a realização de audiências.
De acordo com o que consta dos autos, o juiz foi informado do acolhimento no dia 8 de setembro de 2021, sendo que a homologação do acolhimento ocorreu no dia 30 de setembro de 2021, após manifestação favorável do Ministério Público.
A genitora da criança foi ouvida no dia 9 de fevereiro de 2022, sendo o acolhimento da criança mantido um mês depois. O juízo determinou data para a oitiva do pai biológico da criança.
Paralelamente, o MP ingressou com Ação de Destituição de Poder Familiar, em virtude de a mãe ter manifestado, em 23 de fevereiro de 2022, seu desinteresse em ter a criança de volta. O MP também pediu a inclusão da criança no Cadastro Nacional de Adoção, no entanto, o juiz, em decisão liminar, “concluiu que tal pedido deve aguardar o contraditório, já que se afigura medida extrema, que comporta inúmeros efeitos deletérios para futuros pretendentes”. Além disso, o magistrado constatou “falta de aptidão da criança para inclusão no cadastro de adoção, em vista da ausência de sentença de destituição do poder familiar, considerando o perigo de irreversibilidade da decisão”.
O magistrado ressaltou ainda “que estão sendo observadas todas as formalidades legais e a celeridade que o caso exige, além da prudência necessária, haja vista que o caso não trata de uma entrega voluntária, mas sim, de abandono, não tendo havido pedido expresso de sigilo por parte da genitora biológica da criança, o que obriga a este juízo a perquirir a possibilidade de reintegração junto à família extensa, conforme art. 39, § 1º do ECA”
O juiz esclareceu ainda que “a colocação da criança ou do adolescente na situação “apta para adoção” deverá ocorrer após o trânsito em julgado da decisão do processo de destituição ou extinção do poder familiar, ou quando a criança tiver ambos os genitores desconhecidos, o que não se aplica à situação”, em conformidade com o art. 3º do ANEXO I da Resolução nº 289/2019 do Conselho Nacional de Justiça.
(Luciana Marschall e Ulisses Pompeu)