O Brasil teve uma alta de 8% no número de assassinatos nos dois primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
Essa é a primeira parcial divulgada no ano. Em razão da pandemia do novo coronavírus, houve atraso na entrega dos dados e dificuldade para obter os números de todos os estados. De acordo com a ferramenta, houve 7.743 mortes violentas no primeiro bimestre de 2020. No mesmo período do ano passado, foram 7.195.
A alta no início deste ano vai na contramão de 2019, que teve uma queda de 19% no número de assassinatos em todo o ano – no primeiro bimestre do ano passado, a diminuição foi ainda maior (25%) em relação a 2018. O Brasil teve cerca de 41 mil vítimas de crimes violentos no ano passado, o menor número desde 2007, ano em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a coletar os dados.
Leia mais:O G1 já havia antecipado, porém, que um terço dos estados tinha apresentado alta nos assassinatos no último trimestre de 2019, o que acendeu o alerta para uma possível reversão da tendência de queda da violência no país, segundo os especialistas.
Os dados apontam que:
– o país teve 7.743 assassinatos nos primeiros dois meses de 2020
– houve 548 mortes a mais na comparação com 2019, uma alta de 8%
– 20 estados do país apresentaram alta de assassinatos no bimestre
– sete deles, porém, registraram queda
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Interrupção na tendência de queda
Bruno Paes Manso, do NEV-USP, aponta que, desde que o Monitor da Violência identificou a queda de homicídios em 2018 e 2019, surgiu a dúvida se ela era uma tendência mais duradoura e ligada a transformações estruturais ou se era mais circunstancial, “relacionada aos interesses imediatos e estratégicos dos grupos criminosos”.
“Desde o último trimestre de 2019, os sinais de um crescimento de homicídios já apareciam em alguns estados e acendiam o sinal amarelo. O crescimento em 20 das 27 unidades no primeiro bimestre deste ano, no entanto, foi pior do que qualquer um esperava”, afirma.
Manso afirma que ainda é cedo para apontar os reais motivos por trás dessa alta, mas que é possível levantar perguntas. “Estaria havendo algum tipo de tensão no mercado de drogas que antes não havia? Será que o aumento de armas em circulação pode estar promovendo seus efeitos agora? A autoridade dos novos governadores e do presidente, que assumiram em 2019, estaria perdendo capacidade de dissuasão?”, questiona Bruno Paes Manso.
“Precisamos esperar mais tempo para responder. A pandemia tornou o contexto mais imprevisível. Mas os estados devem se preocupar desde já para a situação de violência não sair do controle”, afirma.
Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também afirma que os números de janeiro e fevereiro são preocupantes. “A maior parte das UFs apresentou crescimento dos homicídios no primeiro bimestre deste ano, indicando o desafio de desenvolver ações sustentáveis de redução da violência. Apesar dos bons resultados nos últimos dois anos, percebemos que a maior parte do país já volta aos patamares de violência verificados em 2018”, diz.
“O crescimento ocorreu em pelo menos 20 UFs das cinco regiões do país, o que demonstra que o problema não é circunscrito a determinados territórios. Perdemos a oportunidade de transformar a breve redução da violência letal em tendência”, afirma Samira Bueno.
Alta puxada pelo Nordeste
Em 2019, um levantamento do Monitor da Violência apontou que o Nordeste foi o responsável por puxar a queda nos primeiros dois meses do ano em todo o país.
Agora, porém, a situação se inverteu: a alta no primeiro bimestre deste ano foi capitaneada pelo Nordeste, região que, sozinha, teve um aumento de 22,7% no período em comparação com o ano passado. Foram 3.428 assassinatos em janeiro e fevereiro de 2020, contra 2.793 de 2019. No total, foram pelo menos 635 mortes a mais.
O Ceará foi o estado com a maior escalada de violência do Brasil. O número de vítimas mais que dobrou, passando de 356 para 717. O ano de 2020 teve, inclusive, o mês de fevereiro mais violento do estado desde pelo menos 2013, com mais de 450 mortes.
A violência no estado disparou após um motim de parte da Polícia Militar. Durante os 13 dias da greve policial, houve 312 homicídios, uma média de 26 por dia. Antes, a média era de 8 por dia.
A paralisação dos policiais, que buscava principalmente uma melhoria salarial para a categoria, foi encerrada no dia 1º de março. Por conta do motim, tropas do Exército tiveram que atuar no estado.
Para Bruno Paes Manso, a alta do Nordeste é uma surpresa, já que os nove estados nordestinos vinham apresentando bons resultados faz dois anos.
“A situação do Ceará foi a mais grave, e os problemas ligados ao motim das polícias são hipóteses a serem consideradas [na alta do Nordeste], porque espalha entre os demais estados da região um contexto de desordem e de descontrole institucional”, diz Bruno Paes Manso.
“No Ceará, restou a pergunta sobre o papel dos próprios amotinados no crescimento das taxas de homicídios, suspeita que já tinha ficado no ar em outros motins, como no Espírito Santo em 2017. Quando a autoridade dos governos se fragiliza, vemos movimentos de grupos criminosos buscando espaço. E isso gera conflitos e homicídios”, afirma Manso.
A região Sul também teve aumento no número de assassinatos, mas bem mais baixo: de 3%. Já as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste tiveram baixa.
Na contramão da alta nacional, sete estados do país mantiveram suas tendências de queda nos primeiros dois meses de 2020. São eles: Roraima, Pará, Goiás, Rio Grande do Sul, Rondônia, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
Roraima, inclusive, teve a maior queda do Brasil: 47,5%. Foram 40 assassinatos no ano passado, contra 21 em janeiro e fevereiro deste ano.
O governador do estado, Antonio Denarium, credita os números a um trabalho conjunto do estado com as forças federais. Diz ainda que pretende dar continuidade a concursos públicos e equipar os policiais para que eles tenham melhores condições e o dados continuem em queda.
Queda recorde de mortes em 2019
A queda registrada no número de assassinatos no Brasil em 2019 bateu recorde e foi a maior se for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de vítimas também foi o menor desde 2007, ano em que foi iniciada a coleta dos dados.
Os especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública elencaram alguns pontos para explicar os números, como uma nova configuração do mercado de drogas, um maior monitoramento e controle por parte dos estados dos chefes de facções presos, uma liderança dos governadores em um ano pós-eleitoral e uma política pública consistente de parte dos estados.
Em 2020, porém, fica a dúvida com o cenário apresentado no início do ano e com as incertezas geradas pela pandemia do novo coronavírus.
Como o levantamento é feito
A ferramenta criada pelo G1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.
Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão de Sergio Moro, em março do ano passado. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os da ferramenta do G1. O último mês disponível é setembro de 2019. Ou seja, o governo federal ainda não divulgou nenhum balanço de mortes de 2020.
Os dados coletados mês a mês pelo G1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de 2019 foi realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi publicado em 16 de abril. (G1)