Correio de Carajás

AQNO: CTA ganha embaixador informal, que fala abertamente sobre “posithividade”

Cantor revela como encontrou forças para se declarar portador de HIV e motivar outros a fazerem o mesmo

Chegar até aqui e falar abertamente sobre o HIV não foi um caminho fácil. As dificuldades, o medo, a insegurança, a arte, os fãs, a família e os amigos fizeram com que, após 5 anos vivendo com o vírus, Diego Aquino (ou simplesmente AQNO), de 33 anos, tornasse o assunto público. Longe de querer ser “a princesinha da UNAIDS”, como ele mesmo brinca, o artista resolveu falar sobre o assunto depois de aprender a respeitar seu momento, acolher suas dores e perceber que deveria andar de mãos dadas com o HIV.

“Por que interessa se eu sou gay e vivo com HIV?”, questiona Diego Aquino

Com ampla visibilidade nas redes sociais, ele tem se destacado nas últimas semanas por divulgar vídeos criativos mostrando a importância de procurar o CTA e realizar exames periódicos.

Filho adotivo de Marabá, o tocantinense de Gurupi mora há 17 anos no Estado do Pará. Artista consolidado na região, Diego tem uma trajetória de sucesso com apresentações em casas noturnas, festivais e grandes eventos.

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Vivendo com o HIV há 6 anos, ele abriu seu coração em uma conversa leve e esclarecedora sobre o assunto com a Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS.

Após exames de rotina no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), Diego recebeu o diagnóstico positivo em abril de 2015. Após os exames iniciais para começar o tratamento imediatamente, ele descobriu que vinha de uma infecção recente, já que a carga viral estava muito baixa. “Foi muito complicado. Apesar de o assunto sempre estar me rodeando, não era um tema que eu me aprofundava”, conta.

Assustado, ele não sabia como ia ser sua vida a partir de então. Sendo um artista, o medo foi maior. E os questionamentos vieram. Como afetaria o trabalho? As pessoas iriam ao show por curiosidade ou iriam se afastar?

“Eu tinha incursões em mim. Quando ia a uma balada ou algum lugar e era abordado: ‘ah te vi no CTA’. Isso era muito desagradável. Eu não queria falar abertamente sobre o assunto e aí o CTA virou um símbolo de tornar público o que eu não queria, e essas incursões foram me constrangendo, então frequentei poucas vezes”.

“Por que interessa se eu sou gay e vivo com HIV?”

Ao Correio de Carajás, Diego afirma que o preconceito ainda está enraizado na sociedade. Para ele, tornar o assunto público não quer dizer que é preciso dar quadro clínico da sua saúde e as pessoas não entendem isso. “Seria tão legal se as pessoas fossem educadas ao ponto de não se interessar se o cara é diabético, hipertenso, hétero ou que vive com HIV. Mesmo que consiga achar um ponto de cura para as pessoas que vivem com o vírus, a gente vai continuar batalhando contra o preconceito”, prevê.

Ainda que haja tratamento 100% disponível no Brasil, através do Sistema Único de Saúde (SUS), muita gente morre pela falta de adesão ao tratamento e AQNO sabe disso.

“Eu poderia ter sido uma dessas vítimas. No começo, eu tinha preconceito e medo de ir ao CTA. Imagina ter um lugar para você utilizar os serviços e manter-se vivo, mas carregar a vergonha de acessar porque as pessoas vão te ver, vão falar e você não sabe que tipo de violência isso pode te causar. É muito doido pensar nisso”, analisa a situação.

 Diagnóstico X culpa

Após o diagnóstico, o sentimento de culpa perdurou por quase 5 anos. Diego afirma que não sabia como o assunto iria reverberar em sua família, na sua saúde e no seu trabalho.

A culpa foi tanta, que o assunto só entrou na pauta familiar um ano depois. “Tenho uma família que sempre foi meu suporte para absolutamente tudo. Mas eu era ignorante no assunto, além de ter muito medo”.

Durante entrevista a repórter Ana Mangas, Diego afirma que se sentiu muito culpado durante muitos anos

Desde 2015 – quando teve o diagnóstico – até o ano de 2018, Diego afirma que era como se tivesse jogado o monstro do HIV para debaixo do tapete. Mas, mesmo assim o alimentava.

“No início de 2018, percebi que aquele monstro estava gigante com um tapetinho na cabeça. Eu não parei para assimilar o que era viver com HIV, o que era viver o CTA e acessar o SUS. Eu me sentia muito culpado. E quando contei para a minha família tive um suporte incrível. Minha mãe e minha irmã são fantásticas. Mas, mesmo assim o sentimento de culpa continuou. Eu pensava ‘ah agora elas vão ficar mais preocupadas comigo’ ou ‘como elas vão ligar com esse assunto? Eu poderia ter evitado isso’. Poderia. Todos podem evitar. Mas não é esse o pensamento que a gente tem que ter. Essa não é a pauta”, ensina Diego, com segurança e assertividade.

Até alcançar esse grau de não romantizar o vírus, foi um caminho longo e doloroso. Houve tropeços e quedas. Mas também surgiram carinho, respeito e amigos que nunca soltaram da sua mão.

“A gente se acha uma pessoa desativada, que não pode mais trocar afeto, sentir desejo. Nos sentimos uma bomba biológica. E essa culpa é um sentimento que leva a outras várias situações”.

Superação de pensamentos suicidas e a paixão pelo CTA

Com muita segurança na fala e verdade no olhar, Diego hoje consegue falar abertamente sobre o assunto. Pela sua experiência e trajetória vivendo com HIV, Diego assume que no ano de 2018 passou por um estado depressivo muito forte, chegando a ter pensamentos suicidas com muita frequência.

“Tudo o que era cortante me atraía. Andar na rua e ver um carro era atraente se jogar. Foi aí que parei com as minhas atividades profissionais, cancelei tudo e fui pra casa da minha mãe. Nesse momento, decidi ficar amigo do vírus. Agora era eu e ele. Foi aí que consegui assimilar melhor tudo o que eu estava vivendo. Meses depois voltei a assumir meus trabalhos profissionais e retornei à música”.

 

Assumir publicamente

“Nunca quis falar abertamente sobre isso. Mas eu já estava cansado de as pessoas comentarem, de rolar um burburinho. Eu não queria ficar falando sobre o HIV. Não queria essa responsabilidade. Até que em um quadro de perguntas, que eu tinha nas redes sociais, questões sobre o assunto chegavam. Eu não sabia se era curiosidade sobre o tema ou se elas sabiam que eu vivia com HIV”.

Em meio à pandemia, no ano de 2020, Diego decidiu ir para São Paulo e lá se permitiu viver o SUS. A surpresa veio nesse momento: a paixão pelo CTA.

Sempre com medo de frequentar ou pegar a medicação, Diego nunca tinha visto, de fato, o funcionamento da instituição. “Em São Paulo fiz esse exercício de viver o SUS e tudo o que estava disponível pra mim. Foi quando parei e pensei ‘isso é meu’”, relembra.

Nessa mesma época houve uma pretensa conversa do Governo Federal em privatizar as Unidades Básicas de Saúde e Diego sentiu na pele o que seria perder esse serviço.

 

“Fiquei uma fera, fui para as redes sociais falar sobre o assunto e mostrei uma foto da minha medicação. Assumi aquilo como um assunto público e fui abraçado de uma forma incrível. Definitivamente, tirei um peso das minhas costas. A minha intenção não era ser um agente do assunto. Eu só queria viver confortável comigo mesmo. Não queria mais ser assunto de uma coisa que pra mim já estava resolvida. A ciência já resolveu. Vivo há 6 anos indetectável, então por que isso é um problema para o outro? Não é um problema pra mim”, reafirma.

 

Vivendo com HIV

“Tenha medo. Chore. Mas confie na ciência. Não romantize o vírus achando que você terá uma vida nova. Você só vai tomar dois comprimidinhos todos os dias”.

Para Diego, tornar o assunto público ou não é uma decisão única e exclusiva de quem vive com HIV. Porém, infelizmente essa normalidade não deve atingir só quem convive com o vírus, mas a população em geral.

“Viver com HIV é um assunto de todos nós. E o conselho que eu deixo, que é uma coisa que eu queria que alguém tivesse dito pra mim, é pra não desistir do CTA. Este Centro é um lugar nosso, e não estou me referindo só para quem vive com HIV. É um lugar de todos nós. Se você tem vida sexual ativa, se você é casado, hétero, gay ou qualquer outra coisa, você precisa acessar o CTA”, finaliza.

“Não desista do CTA”, diz Diego Aquino

  

HIV em Marabá: é possível ter qualidade de vida e ser feliz

Mesmo com o avanço considerável da ciência em relação ao tratamento – ainda sem cura – do HIV, o vírus ainda carrega estigmas sobre como a infecção atinge o paciente diagnosticado. Medo, dúvidas e preconceito são alguns exemplos que ainda rondam a mente de quem se depara pela primeira vez com o vírus ou conhece algum que vive com a condição sorológica.

HIV é uma sigla em inglês que significa vírus da imunodeficiência humana. Considerado um retrovírus, ele é o causador da AIDS e ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. Vale ressaltar que ter HIV não é a mesma coisa que ter AIDS. Há pessoas que vivem anos sem apresentar sintomas e desenvolver a doença.

O Correio de Carajás esteve na sede do Serviço de Assistência Especializada e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) em Marabá e conversou com Katiane Chaves, assistente social e coordenadora da instituição.

Aberto ao público diariamente, qualquer pessoa pode ir até o local e realizar exames de testagem rápida

Aberto ao público diariamente, qualquer pessoa pode – e deve – ir até o Centro e realizar exames de testagem rápida e sorologias periodicamente. Além de oferecer uma assistência holística e sigilosa, por meio de uma equipe multiprofissional formada por médicos, infectologistas, ginecologistas, pediatras, assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos.

“Não é uma demanda como se fosse um exame mais comum, como um hemograma. Nós estamos aqui para garantir a segurança desses pacientes que podem se tornar, ou não, usuários dos programas. No caso de reagente para HIV, por exemplo, o usuário vai ser encaminhado dentro da própria unidade para avaliação e diagnóstico com um profissional médico”, explica Katiane, afirmando que em Marabá consegue-se fechar o diagnóstico no mesmo dia e o cliente já sai com a medicação em mãos, dependendo do quadro clínico.

A medicação, de uso contínuo, é entregue de forma gratuita aos usuários e pode ser feita, dependendo de cada caso, com um prazo de até 90 dias.

“No município, conseguimos fazer um bom planejamento para atender da forma mais eficiente esses usuários em relação aos remédios, que chamamos de esquema terapêutico”, garante Katiane, afirmando que esses medicamentos são tão eficientes que conseguem suprimir a carga viral, ao ponto de torná-lo indetectável. “Nem mesmo o exame de carga viral consegue detectar o vírus do HIV”.

Além de exames de diagnóstico, o CTA realiza um trabalho de acompanhamento e monitoramento, com suporte psicológico a todas as pessoas inseridas nos programas.

“É importante sensibilizar a população que é preciso se prevenir”, informa a coordenadora do CTA

“O Ministério da Saúde preconiza que quem se torna indetectável não transmite mais o vírus. Contudo, nem por isso deve deixar de usar preservativos. É importante sensibilizar a população que é preciso prevenir”, informa.

(Ana Mangas)

SAE/CTA

Funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h.

Endereço: Travessa Santa Terezinha s/n – Próximo ao Hospital Materno Infantil – Marabá Pioneira

Telefone: (94) 3321-2195