Não há nada ruim que não possa ser piorado. E o secretário Especial de Regularização Fundiária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Luiz Antônio Nabhan Garcia, conseguiu duas façanhas dessa natureza no mesmo dia. Depois de censurar a palavra de uma servidora da Superintendência do Incra de Marabá durante audiência pública na última segunda-feira, 10, ele ordenou, poucas horas depois, a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra a geógrafa Ivone Rigo, que é servidora do órgão fundiário em Marabá há 15 anos.
Conforme o ofício do processo 54.000.014899/2020-29, “de ordem do ministro Dr. Luiz Antônio Nabhan Garcia (…), o qual determinou que este signatário encaminhasse a essa coordenação a apuração de comportamento nada ético da servidora Ivone Rigo, ocupante do cargo de Geografia, lotada na Divisão de Desenvolvimento desta Regional, por ocasião de Audiência Pública realizada nesta cidade de Marabá, nesta data, tendo como local a Câmara Municipal”.
A audiência pública mencionada no documento foi realizada no último dia 10, com o objetivo de discutir a regularização fundiária na jurisdição da Superintendência Regional do Incra no Sul e Sudeste do Pará.
Leia mais:Durante o evento, Nabhan se comportou de maneira extremamente ríspida com várias pessoas que usaram a palavra, e durante os questionamentos da servidora Ivone, o secretário foi grosseiro com ela.
A audiência foi encerrada por volta de 13h30 horas e o pedido de abertura de investigação contra Ivone Rugo foi registrado logo em seguida, às 15h13. A situação chegou ao conhecimento do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários, em Brasília, que também teve acesso à reportagem publicada pelo Portal Correio de Carajás.
A direção do sindicato entrou em contato com a equipe do Correio de Carajás para informar que a entidade está acompanhando o caso. O Portal enviou para o os representantes da entidade a gravação em áudio, com o trecho exato em que Nabhan interrompe a fala de Ivone por diversas vezes, sendo grosseiro com a servidora e, inclusive, em alguns momentos esse comportamento rude do secretário foi aplaudido por um grupo de pessoas que estava presente na audiência.
A geógrafa questionava em sua fala a situação dos georeferenciamentos pendentes na região e ainda sobre os agricultores que já pagaram duas vezes e até hoje nunca receberam o documento. Ao que Nabhan respondeu: “Minha senhora, a senhora está cometendo um deslize. Primeiro que a senhora é uma servidora e parece que não conhece de hierarquia. A senhora como uma servidora simples não cabe vir indagar aqui a instituição de supervisor que coordena o Incra. Não é função da senhora, eu vou pedir para a senhora encerrar”.
Em seguida, Ivone Rigo argumentou de forma serena, como fez desde o início: “Eu vou encerrar fazendo perguntas: onde estão as caminhonetes? Onde está o dinheiro para o combustível? Onde estão as diárias? Onde estão os servidores? Só isso”, finalizou.
Outro que também está acompanhando o caso com preocupação é o vereador Ilker Moraes, que falou com a reportagem do Correio por telefone.
“A sociedade precisa ser ouvida, o servidor é peça chave desse processo, (pois) é quem vai lá no assentado, agricultor para regularizar, para ajudar, para resolver o problema e aí, quando o servidor se posiciona expondo os problemas que órgão tem, é aberto um PAD para entender a ética do servidor. Isso está totalmente errado, está invertida a questão. Ele, enquanto secretário especial, teria que ouvir, levar a demanda e conseguir recursos para resolver o problema”, afirmou.
O vereador acompanhou a audiência e também avaliou a atuação de Nabhan durante a passagem por Marabá. “O governo quer resolver regularização fundiária de todas as partes, tem uma meta de 600 mil títulos no país, só que não toca nos assuntos de fato. De 500 assentamentos da nossa região, só 100 têm a matrícula do imóvel em nome do Incra. Outro exemplo, desses 500, apenas 100 são georreferenciados. É muito discurso, mas de fato a gente precisa de recursos. E cortando orçamento do Incra não vai resolver a regularização fundiária nessa região. Particularmente, esperei mais dessa audiência”, disse Ilker.
NOTA DE SOLIDARIEDADE
Abaixo, leia, na íntegra, nota de solidariedade publicada pelo Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários em favor da servidora Ivone Rigo:
“Em uma audiência pública ocorrida na segunda-feira, 10/2, conduzida pelo Secretário Especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, na Câmara Municipal de Marabá-PA, com o objetivo de discutir a regularização fundiária naquela jurisdição, a Geógrafa Ivone Rigo foi por ele interrompida e destratada, por ter usado a palavra no evento na condição de servidora do Incra. Não bastasse isso, Nabhan Garcia pediu a abertura de processo administrativo para apurar a conduta ética da servidora, no que foi atendido pelo Superintendente Regional Substituto do Incra no Sul do Pará, João Itaguary Milhomem Costa.
Em notícia publicada no veículo local, foram relatados vários comportamentos hostis do Secretário Especial aos participantes e classificou de caso mais emblemático a “batalha verbal” travada entre ele e a servidora. “Ele a interpelou por duas ocasiões e chegou mesmo a ser grosseiro com a mulher. Ela tentou questionar um dilema atual relacionado ao georreferenciamento. Depois, Ivone perguntou onde está o dinheiro para custear o trabalho dos técnicos do Incra, inclusive para pagamento de combustível e diárias. ‘Estruture o Incra, senhor Nabhan’, foram as últimas palavras dela”.
A servidora, que estava de férias e, portanto, fora do expediente, sem nenhum prejuízo das suas atividades no Incra, poderia, como qualquer outro cidadão, ocupar aquele espaço e fazer as indagações que fez, afinal, tratava-se de uma audiência pública no espaço de maior significação pública da cidade, qual seja, a Câmara Municipal. Ainda que estivesse na ativa, houve convite do Superintendente Regional aos servidores para participação do próprio “Vice-Ministro”, em arte da SEAF/MAPA, encaminhada por e-mail. Não se registrou que a servidora tenha sido desrespeitosa neste episódio e são legítimos seus questionamentos para operacionalizar as políticas que o Secretário propala.
O Incra sofre com falta de orçamento e o que não faltam são relatos de superintendências regionais sem condições de trabalho. Para exemplificar, há superintendência fechada há meses por interdição judicial, por inadequação de equipamentos de incêndio, outras insalubres, sem contrato de limpeza vigente, com o teto caindo, viaturas sucateadas, unidades avançadas abandonadas, sem material de expediente, entre outros. Consequentemente, isso torna pouco factível o cumprimento da promessa de entrega de centenas de milhares de títulos que vem sendo anunciada pelo Governo Federal.
De modo que causa estranheza o fato de que o pedido, por óbvio absurdo, tenha sido atendido pelo gestor local – que também é servidor do Incra -, encaminhando à Unidade Correcional local, de ordem do “Ministro”, ofício já atribuindo à servidora “comportamento nada de ético”, antes de qualquer apuração, o que revela caráter persecutório, desproporcional e descabido, caracterizando-se assédio moral.
Se faltou ética, foi do Secretário Especial em cercear sua palavra, atitude autoritária, comparável à censura, incompatível com o cargo que ocupa e que vai frontalmente de encontro aos direitos fundamentais de liberdade de pensamento e expressão alicerçados na Constituição Federal. De certo, o fato se enquadra no novo fenômeno de assédio institucional que permeia o setor público brasileiro.
São motivos pelos quais o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) vem a público manifestar solidariedade à servidora Ivone Rigo e solicitar que a Unidade Correcional do Incra da Superintendência Regional do Incra no Sul do Pará dê ao processo sua correta destinação: o arquivo; sem prejuízo das reparações que lhe são cabíveis”. (Ulisses Pompeu e Fabiane Barbosa)