Correio de Carajás

Antes de orelhões amarelos chegarem às nossas esquinas

Telefone lá em casa, só o do vizinho. Aliás, vizinho com telefone fomos ter na Folha 17, Nova Marabá, na década de oitenta. Bancário do Banpará, mulher, três filhos, empregada e enceradeira. Era bem de vida.

Na Velha Marabá, na década de 1970, alguns até possuíam o aparelho. Raros e distantes. Aí, seria cara-de-pau demais dar o número do Sicrano para casos de emergência, morte de parente hospitalizado ou recados bestas.

Mas tinha gente que não se mancava. O vizinho, querendo ser educado, colocava o número à disposição. Até não se incomodava se vez perdida fizessem uso da serventia. Assim, uma situação de impossibilidade que não tivesse outro jeito a não ser ligar e suplicar pelo favor. Lá de casa, mamãe precisava manter contato com filhos ou irmão que mandou estudar em colégio interno em Pernambuco.

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– A senhora poderia chamar o fulano que mora aí em frente?

Até vá lá. Duas ou três vezes no ano se aguentava sem chiar ou fazer cara feia.

Havia algumas vizinhas, como representantes da Avon, por exemplo, que literalmente se penduravam no telefone alheio. Sentavam o rabo na poltrona e mandavam brasa.

– Toque de Amor? Tenho sim. Quantos você quer? E blá-blá-blá-blá…

O pior é que muitas vezes recebiam ligações nas horas mais inconvenientes. Durante o almoço ou jantar era cruel. Ninguém gostava de mostrar ao vizinho o que comia. Segredo quase de confissão. Afinal pelo de comer dava pra saber a quantas andavam a situação financeira do outro. O telefone era sinal de uma vida mais ou menos e raríssimos eram os que podiam tê-lo. Havia gente que tinha um pra se mostrar. Se amostrar. Exibir-se. Era viva o luxo e morra o bucho. Passava por aperto, mas faltava pouco para atingir o orgasmo só em ouvir tocar e ter a certeza que o quarteirão inteiro ouvia o alarde do bicho.

Plinio Pinheiro Neto, meu amigo com quem tiro dúvidas aqui e ali, me disse que quem primeiro teve telefone em Marabá foi Nagib Mutran, que era prefeito da cidade no final da década de 1950 e início de 1960. Ninguém ligava direto pra ninguém. Quem tivesse interesse em fazer uma ligação para falar com um personagem de outra família chique primeiro ligava para a atendente da Cotelpa (Companhia Telefônica do Pará), que por sua vez completava a ligação. Os telefones não tinham número. Apenas se pedia para ligar para a casa de fulano ou beltrano. A sede da Cotelpa funcionava em um prédio da Prefeitura, que na gestão de Maurino Magalhães negociou-se com a Igreja Assembleia, na esquina da 13 de maio com a Praça Duque de Caxias.

Mas voltando à vida dos pobres daquela época, outro horário impróprio para se ligar para a casa de alguém era o da novela. ”Carinhoso” troando e um infeliz resolvia ligar e pedir pra chamar alguém. Mesmo que matar ou interromper uma lua-de-mel no melhor da história. O dono da casa era obrigado a baixar o volume da tevê. Ou então a televisão gritava de um lado e quem estivesse ao telefone se esgoelava pedindo que o cabra falasse alto ou ligasse depois do drama.

Havia ainda uma coisinha. Pra vizinha mexeriqueira era a sopa no mel. Acabava dando conta da vida de todo mundo da rua. Ficava por ali, ouvindo as conversas de quem se servia do telefone dela. Não se importava em dar o número e chamar quem quer que fosse a qualquer hora do dia. Fazia questão de oferecer os préstimos. Era como o funcionário de posto telefônico do Interior. Sabia das intimidades e dos podres de metade da cidade.

– Problemas? Perguntava ao final das ligações.

– Não, não…

– Engraçado, ele só liga no horário que seu marido não tá em casa. Deve ser muito amigo ou parente próximo…Isso tudo enquanto os orelhões amarelos não chegavam às esquinas de Marabá.

 

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-fe