Correio de Carajás

Airton Souza abre o coração sobre a polêmica nacional que envolve seu último livro

Foto: Jeferson Pinheiro

Um dos mais importantes certames literários do Brasil, o Prêmio Sesc de Literatura, teve sua credibilidade colocada em xeque nesta semana. Uma reportagem do jornal Estadão expôs um possível caso de homofobia e censura por parte do alto escalão da premiação.

No centro da controvérsia está o livro “Outono de Carne Estranha”, escrito pelo marabaense Airton Souza e vencedor da edição de 2023 do prêmio.

O texto do Estadão é minucioso ao apontar que o estopim desse cenário aconteceu em novembro do ano passado, em um evento comemorativo dos 20 anos do prêmio, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Na ocasião, Airton leu os primeiros parágrafos do livro, com teor sexual, e teria gerado desconforto entre dirigentes do Departamento Nacional do Sesc.

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Todavia, em entrevista ao Correio de Carajás, o multipremiado escritor afirma que a inquietação já corria pelas coxias do prêmio antes mesmo da noite do evento. “Antes mesmo de eu subir no palco, um funcionário do Sesc me pediu para não ler o trecho do livro”, relembra Airton. Incisivo, ele respondeu à pessoa para que não lhe pedisse isso. O colaborador voltou atrás e a leitura aconteceu como estava programada.

O usual nesse tipo de cerimônia é a transmissão ao vivo, em plataformas de mídia, de todo o evento. Posteriormente, o vídeo fica salvo e pode ser assistido à vontade. A gravação daquela noite, entretanto, foi excluída dias depois, afirma Airton.

CENSURA E HOMOFOBIA

Para o escritor, a situação se desenrola a partir de homofobia e depois se desencadeia para uma questão de censura. A questão homofóbica é levantada porque ‘Outono de Carne Estranha’ retrata, além de questões sociais, o relacionamento homoafetivo entre dois homens. Suas páginas narram de maneira visceral e despudorada os encontros românticos e eróticos dos personagens. São essas as passagens que causaram “desconforto” nos dirigentes do Sesc.

A censura, por sua vez, além de estar presente na exclusão do vídeo onde Airton lê trechos do livro, está também em um documento que circulou em todas as unidades da instituição.

O Estadão teve acesso ao documento e detalhou em sua reportagem que o texto descreve o livro como sendo de conteúdo sensível e que ativa gatilhos emocionais e psíquicos em seus leitores. Diz, também, que o público deve ser avisado previamente sobre seu conteúdo. Para o Estadão, o Sesc argumentou que a circular tinha a função de alertar sobre a classificação indicativa da obra.

Visivelmente abatido diante de toda a situação, Airton expressa sua preocupação com a circular e entende que ela é quase um ato de censura. “É meio controverso porque não houve nenhum documento semelhante com livros que tiveram um conteúdo parecido”, diz, contrariado.

DEMISSÃO NO ALTO ESCALÃO

Henrique Rodrigues, que estava à frente do prêmio desde 2003, quando foi criado, foi demitido em janeiro, após voltar de férias. Para o Estadão, ele apontou que “demitir funcionários de Cultura quando chefias não gostam ou entendem sobre o conteúdo apresentado é relativamente comum em Regionais, mas não na sede nacional, que até então costumava combater essa prática”.

Para o Correio de Carajás, Airton Souza diz ver Rodrigues como o grande prejudicado. “Foi ele quem passou por toda a situação de perseguição, de danos morais como trabalhador do Sesc”. Segundo aponta o marabaense, Henrique é visto como o grande culpado pela vitória de ‘Outono de Carne Estranha’ no Prêmio Sesc de Literatura.

DESMONTE DO PRÊMIO

O posicionamento conservador do Sesc diante de seu livro não era esperado, afirma Airton Souza. “Você nunca espera isso de uma instituição que promove esse prêmio há 20 anos e que deveria estar aberta para todos os tipos de manifestações artísticas”, salienta.

Imerso no universo literário, o escritor conta que a repercussão de toda a polêmica gerou impacto entre seus pares. O Prêmio Sesc de Literatura é a porta de entrada para novos autores brasileiros e, agora, com sua credibilidade colocada em xeque, o sentimento geral é desanimador. “Eu não sou o primeiro escritor que vai passar por isso e essa situação alimenta o debate de que essas atitudes são criminosas e precisam ser reavaliadas”. Para ele, o Sesc promove um desmonte de toda a cadeia que envolve o universo literário e há a preocupação de que toda a problemática acabe afastando potenciais leitores.

DIVULGAÇÃO

Apesar das controvérsias, ‘Outono de Carne Estranha’ tem vencido batalhas por si só. A obra entrelaça em suas páginas a história de Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto do mundo, e denuncia as inúmeras atrocidades que ocorreram naquele local, muitas delas praticadas pelo próprio Estado.

O livro premiado, escrito de maneira bruta e sensível por Airton Souza, está ganhando destaque no mercado literário e o Grupo Editorial Record, que faz sua publicação, já imprime a terceira edição da obra. Cada tiragem chega a 2.5 mil cópias.

A Record, inclusive, tem sido solidária com o momento vivenciado por Airton e mantém contato frequente com o escritor. Diferentemente do Sesc, que nunca buscou conversar com ele sobre o episódio.

O silêncio da instituição também cerca um dos eventos que estavam programados para ocorrer este ano, um circuito de divulgação em Óbidos, Portugal, que foi cancelado.

Um outro circuito, dessa vez em estados brasileiros, também estava no programa, mas é outro assunto que se mantém às escuras tanto para Airton, quanto para Bethânia Pires Amaro, que venceu a categoria de contos pelo livro O Ninho.

Diante da ausência de comunicação, fica o questionamento se este é mais um ato de censura por parte da organização do Prêmio Sesc de Literatura. (Luciana Araújo)