O projeto eco-cultural e socioeducativo Rios de Encontro, da comunidade Cabelo Seco, encerrou o primeiro mês de sua turnê europeia na cidade de Gutersloh, noroeste da Alemanha, após três semanas no país mais comprometido naquele continente com a Amazônia.
Para Evany Valente, 20 anos, que cursa História na UNIFESSPA e atua como percussionista no projeto desde 2009, uma das oficinas que mais me marcaram foi com 25 refugiados de Eritreia, Sudão, Somália, Iraque, Síria, Kurdistan, Irã e Turquia. “Além de se entregar com coragem na dança e na percussão afro-brasileiras, assistiram em silêncio profundo a cena de nosso novo espetáculo ‘Rio Voador’, que imagina o Cabelo Seco pós-colapso climático, refugiada em casa, perdida na margem seca do Rio Tocantins. Entenderam cada olhar e gesto de insegurança, preparados para trocar uma gota de água e solidariedade por todos seus direitos humanos”, pontua Evany.
O tema permeia passeios culturais, visitas às escolas e encontros com jovens ativistas do Partido Verde nas cidades de Cologne, Hiddenhausen e Gutersloh, onde os seis jovens artistas do Coletivo AfroRaiz receberam questões sobre os impactos na vida dos incêndios na Amazônia e os motivos políticos de tanto descuido ecológico que causará uma estimativa de 50 milhões de refugiados climáticos no mundo até 2030.
Leia mais:“Encontramos monumentos do holocausto na rua, porém nas oficinas e nas plateias, sentimos uma compreensão sobre o fascismo ‘eleito’ que estamos sofrendo no Brasil e uma preocupação solidária com a extinção de nosso Ministério da Cultura e a ameaça a nossas universidades e à militarização de nossas escolas”, reflete Evany.
Por sua vez, Katrine Neves, de 18 anos de idade, dançarina e bibliotecária no projeto desde 2016, conta que a memória milenar nacional na Europa é bem preservada. “Num convento austríaco encontramos uma cama feita por mulheres da aristocracia que dormiam sentadas, acreditando que assim, o diabo entraria no corpo e roubaria a alma delas. Adorei as catedrais, mas deu para ver o quanto sua arquitetura intimida até hoje, e como a religião cala a mulher. E visitamos salas lotadas de instrumentos musicais, armas de caça e mesas cavadas da época medieval, sem uma memória sobre os artistas e famílias artesãs que criaram e preservaram essa história preciosa”, diz ela.
Nas pequenas cidades de Hiddenhausen e Gutersloh, os jovens do AfroRaiz ficaram hospedados com famílias locais, mas em escolas públicas com uma infraestrutura e pedagogia bem avançadas. “Realizamos nossas oficinas de dança-percussão com rodas sobre nossa vida hoje na ‘Amazônia em chamas’, antes de cada apresentação. Ficamos impressionados com a qualidade de espaço e tecnologia, melhor do que qualquer escola particular, mas sobretudo, a qualidade de preparação e preocupação dos alunos. Se entregaram na dança e percussão, tanto que seus próprios professores não os reconheceram”, disse Katrine.
“E na roda final, sempre perguntam: como podemos ajudar’? E respondemos: denuncia o governo Bolsonaro por ecocídio. Pare de comer carne e busque a Amazônia dentro de você!”, relembra Evany.