Correio de Carajás

Acabou a agenda; é hora de casar-se

TOMOU BANHO, trocou de roupa e passou perfume. Entrou no carro e recebeu a mensagem: “Não vem, acabou, já”. Era um sinal de que o último encontro também estava na corda bamba. Mas insistiu com uma lacônica mensagem que só os dois entendiam: “pera”. E pisou no acelerador para tornar o caminho mais curto possível. Estava longe ainda, mas fez parecer estar quase chegando.

JÁ SE CONHECIAM DE OUTRAS curtas mensagens de cunho profissional, mas foi em algum lugar de 2019 que elas se intensificaram e se tornaram pessoais. Eliel não percebeu que estava entrando num terreno que já tinha dono e estava registrado em cartório e sem possibilidade de desalienação.

Quanto mais se aproximava o dia da grande chuva – que já se sabia inadiável – as mensagens se tornaram mais frequentes e impactantes.

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UMA FESTA que durou uma semana tratou de colocar os dois na mesma agenda. Em verdade, Eliel motivou-se a cumprir os compromissos de Leila e não faltou a nenhum deles. Deviam ter tomado sorvete, comido um tucunaré na manteiga, assistido a um filme no cinema, mas a agenda era de trabalho e só permitiu um lanche na madrugada, lá pelas bandas da Doce Feitiço.

PARECIA QUE A CHUVA DAQUELA NOITE tinha sido providencial para que ambos permanecessem lado a lado e frente a frente por quase uma hora no estacionamento da rodoviária. Falaram sobre muitas coisas, menos sobre si mesmos.

E MESMO NO TRABALHO havia doçura. Ele mantinha-se sempre por perto daquela mulher magra, voz suave e a quem Eliel descobriu o prazer inverossímil de contemplar sem as angústias do desejo e os estorvos do pudor. Inquietou-lhe o fato de ela ser tão real a ponto de ter de casar-se. Deveria ficar solteira para sempre, apenas para ser admirada.

A VIDA PREGOU-LHE UMA PEÇA PERTO DOS 40. Tudo nela contradizia o rumor de que sua mente estava ficando em branco pela erosão imperdoável da memória.

NAS BRINCADEIRAS daquela última semana, as duas palavras mais faladas eram: “chuva” e “37”. Eram, de fato, uma ironia sensível que um se permitia ao outro.

ANTES DO FINAL DO ÚLTIMO DIA, Eliel não sabia o que lhe causaria mais tortura: um dente sizo arrancado ou a dor do silêncio futuro.

POR FIM, tomou consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes, mas os inalcançáveis, como diria Gabriel García Marquez. E, então, resignou-se.

UM DIA – NO MÊS DE AGOSTO – quando Eliel ainda mantinha a mesma doçura pela amiga – lembrou-se de um sonho que ela tivera e passou a avaliar o que seria possível fazer em seis horas, depois de passadas outras 12 juntos:

  • Tomar sorvete na pedra;
  • Comer prensadão;
  • Salgado na rodoviária (com direito a chuva);
  • Andar de patins na Praça São Félix;
  • Sanduba da Vovó;
  • …viajar (duas vezes).

PARA 2025, a agenda está totalmente aberta. Leila e Eliel não traçaram nenhum plano de ação. Falei com eles num almoço alegre e informal agora em agosto. Ela havia casado, sim, continuam com agendas juntas de vez em quando.

Deixaram os assuntos do coração de mão? Não posso afirmar nada, porque não tive coragem de perguntar, mas não tratam do assunto para não estragar a amizade, sempre colocada acima de tudo. “Quando a gente foca na razão, as razões do coração não falam tão alta”, confessou Eliel.

 

JÁ LEILA SEGUE FIRME com os mesmos sorriso e parcimônia sobre o tema. Simples assim.

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.