Correio de Carajás

A mulher que era quase uma árvore na Folha 16

Dona Veinha, quando a conheci nas ruas da Folha 16, era quase uma árvore. Há gente que só veio gente porque sabe-se lá! Balançava, deixava fazer ninhos, caía as folhas, vestia-se de flores, amadurecia e dormia com as galinhas pra fazer outro dia, outro dia, outro dia…

De longe se escutava o silêncio de seus galhos e todos vinham ter com ela. O vento, a chuva, as joaninhas, as iguanas, os beija-flores, os pássaros, os filhos, os netos, as tias, os franciscanos, os afilhados de rua.

E vinham pousar em seu ombro, experimentar de sua sombra e serenar.

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Dona Veinha era assim, uma heroína sem inimigos nem vinganças. Foi vencendo e deu exemplo de árvore aos seis que rebentaram em mais dez e uma floresta. Ser pé de planta não é fácil, fazer entardecer os outros?

A Folha 16 estava cheia de suas sementes, que com o passar dos anos se espalharam por outras folhas da Nova Marabá, chegaram à Cidade Nova e dominaram a cidade. Dois descendentes dela se transformaram em vereador. Seis foram professores e quatro advogados (só os que eu conheci).

Uma vez a vimos chorar, mas guardamos mais lembranças de quando ria sem medo e falava com as flores. Parece que se achava (ou se perdia) quando encontrava algum jardim. E escutávamos os pés-de-quê responder. Um balançadinho com as pétalas, uma vermelho de rosa, uma amarelo de ipê, um encarnado de azaleia, um boa-noite de florzinha…

Ah, acho que ela colhia tudo isso na floresta encantada que havia entre as folhas 15 e 16. Era pequena, mas o suficiente para meninos e mulheres feito ela se refugiarem do mundo ao redor.

Dona Veinha nos ensinou o quanto é poético carregar água na peneira. Desenhar um rio, descer aos gritos a Aratuba e ainda roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

Ela nos fez amanhecer, nos ensinou anoitecer, e ensaiou – mão de mãe na mãozinha de filho – os primeiros passos de ganhar o mundo, mas sempre voar de volta para pedir a benção.

Sem nem perceber, dona Veinha nos mostrou que é possível construir uma casa sobre alicerces de serenos. Que o infinito não assusta nunca, que a simplicidade é a lição de vida mais cara e que viver em família é muito bom. Nem que seja “em cima de uma pedra, no meio do alto mar, mas viver…”. Há de passar um barco, há de desenhar um continente, há de reinventar uma vida, há de surgir uma gaivota.

Aquela humilde senhora – seu neto era meu melhor amigo na adolescência – nos dava o que comer e fazia a gente jurar que não caçaria rolinhas para comer assadas onde hoje é o Ginásio da Folha 16. Era uma defensora da natureza, não exatamente aquele tipo de gente que defende animais ou plantas por pena. Era amor. Falava o nome de cada planta entre as centenas que tinha no seu vasto quintal cercado de tiras de madeira.

A gente a chamava de Dona Veinha, mas seu verdadeiro nome era Antonia Clemente. Era alta, magra e trabalhava lavando roupa para fazendo faxina nas casas dos endinheirados da Nova Marabá. Ela só precisava mesmo de suas plantas, de suas árvores e de seus netos. Meninos peraltas, mas que faziam a alegria de sua casa, sempre acompanhados de coleguinhas, como eu.

Dona Veinha é árvore, mas quiseram que viesse gente. E aí, foi nos ensinado a chover, a voar, a fazer ninho, a espalhar e a ter a dignidade de um cajueiro.

Ora, ora, quando diziam que minha mãe era “avoada” aí é que gostávamos mais dela. Avoada?! Que bom, ela era a única pessoa que tinha nuvens na cabeça, “ventin” nos olhos e asas de empinar paquetões. Já pensou, qual o filho, neto ou bisneto que não quer ter uma mãe ou avó que voa feito passarinho? Avoada!

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.