Correio de Carajás

A Marabá que abraçou o vocabulário do poeta Bertin de Carmelita

Quando Adalberto Marcos da Silva chegou a Marabá, em 1987, para trabalhar em fazenda de castanhais, não imaginava que se tornaria um poeta bastante conhecido na cidade. O pernambucano de Bom Jardim relata que, desde pequeno, sempre produziu redação em forma de poesia, até mesmo na escola.

Na série “Marabá do meu tempo”, para celebrar os 107 anos de Marabá, conversamos com várias personalidades para montar um álbum de uma cidade em tempos diferentes.

No caso de Adalberto Silva, mais recentemente, em 2012, uma de suas referências na arte faleceu. Ele conta que neste ano, ele leu em um blog de Pernambuco que “Biu” havia morrido. “Ele foi um dos grandes personagens de minha infância e vivia em outra dimensão. E na época de Carnaval, saía com o Boi. Ele tinha mil facetas. Imitava Waldick Soriano, teve um tempo que ele cismou em ser vereador para fazer uma praia lá em Bom Jardim, cismou de ser guarda noturno em outro tempo. Na minha época de moleque, havia outros conterrâneos. Entre eles, Mendonça Filho, ex-ministro da Educação, Eduardo Araújo, ex-ministro da Integração, entre outros”.

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Quando veio a notícia da morte do Biu, Adalberto começou a escrever chorando, porque lhe marcou muito. Era fantástico, ele me chamava de Bertin de Carmelita e, então, passei a usar esse nome artístico em sua memória. “Viajo por coisas do além/E não me vê dizer ninguém/Que sou um vaqueiro viajante/Só porque os dominantes/Torcem pra mim o nariz/Mas esquecem o que eu já fiz/A alegria desses tais/Te conheço de outros carnavais/De um tempo que já se foi/O meu também já chegou ao fim/Adeus, meu Bonjardim/Vai-se um Bio/Mas fica um Boi’.

Para Bertin, as histórias populares têm uma força do Universo imensa. “Quando eu começo a imaginar assim, dá vontade de chorar. É super interessante. E todo mundo que é taxado de doido, principalmente no interior, a molecada mexe mesmo”.

Quando chegou em Marabá, em 1987, Bertin veio trabalhar para uma empresa de Recife, que comprou as terras da tradicional família Nelito, com 16 mil alqueires. “Hoje ela continua lá, foram feitos assentamentos. O principal documento que tinha era o de aforamento para explorar a castanha. A partir da hora que você derruba o castanhal, a primeira finalidade já se acabou. Então eu vim formar as fazendas e fui ficando por aqui e me apaixonei por essa cidade”.

Em Marabá, Bertin teve duas filhas, uma sem estar casado e que se tornou advogada e foi morar em Pernambuco. Depois, casou-se e tem outra filha. “Eu tenho um livro para relatar que além da acolhida que Marabá me deu, a cidade me concedeu duas filhas, que para mim não têm preço. Queira ou não, esta cidade é jovem e composta por imigrantes de vários lugares. Tenho orgulho disso”.

Para o poeta de “Fazenda Alegria”, quem gosta de Marabá realmente, vai construindo sua história dentro da cidade. “Marabá é uma mãe adotiva, eu diria, de todo mundo. Ela vai abraçando a todos que chegam e as coisas vão acontecendo. Muita gente vem pra cá, como eu, a trabalho, e se apaixona pela cidade. Até quando chegar o dia de nosso corpo adubar este chão precioso”.

Rio-Mar

Rio que lava a alma

Lava a roupa e lava o cais

Rio que leva o ais

De um coito no seu leito

Rio que às margens inunda

Que as vazantes fecunda

Também meus olhos…

Meu peito.

Panorama inopinado

Intrínseco pra vida

Barco, barqueiro e barranca

Que às vezes se espanta

Com a sua insurgência

Onde antes era transparência

Tranquilidade e bonomia

Rio, que em outra ria

Rio de todos os dias

Rio de pesca, banhos e afins

Rio de pescadores, trovadores

Rio de lavadeiras, cunhatãs e curumins.

Rio de comunicação e transporte

De histórias nem sempre com “H”

De entidades e lendas fortes

A lhe proteger ou assombrar

E nas horas em que o sol se deita

E que a lua vem se banhar

Então, tacitamente segue o seu caminho

Abraçando outros rios

Igarapés, córregos e riachinhos.

E assim lá se foi o Tocantins

Derramar suas lágrimas (águas)

Dentro do grande Rio-Mar.

Bertin di Carmelita