Correio de Carajás

A burguesada metida e a trincheira política

Há uma espécie de brasileiro que me assusta com a vida que vai tecendo. E não são poucas as vezes que me vejo tal qual essa gente. Classe média escrota, burguesada metida a besta e, crente, donatária até do vento.

No espelho, já me enxerguei num desses espíritos. Fico me rastreando pra ver se amanheço menos babaca e avaro. E vi que faço semelhantes histórias, como correr das reuniões do condomínio (por exemplo).

Apesar de querer que o “meu patrimônio” seja valorizado, prefiro não pedir ao prefeito ou secretário de Obras que asfalte minha rua. Faço entrevista com eles, apresento problemas de meio mundo de gente, mas nunca falo da lama que se espalha inverno e verão na Luiz Gonzaga.

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Mas dou opiniões severas aos vizinhos. Brado. Critico quem joga lixo no meio da rua e deixa portão aberto para favorecer um assaltante… Reclamo do disso e daquilo.

Protesto! Encho-me da prática do senso comum. Convenço-me, tenho direito de estrebuchar (somente) porque somos pais e mães uns para com os outros…

É… no horário de pico no trânsito, não são poucos os automóveis marabaenses aboletados na ciclofaixa da Rodovia Transamazônica. Teve uma “dama” que, filmada por um motoqueiro estacionado, ainda deu um tchauzinho debochado.

Esse mesmo povo para em fila tripla quando vai deixar e buscar os filhos na escola. Não tenho medo de ser injusto. Engasga o trânsito e quem quiser que espere pelos donos da cidade. Desse pecado não vou para o inferno. Estaciono duas ruas dali e sigo a pé.

E não fazemos nada. Nem pais nem mestres nem escolas que educam para a “cidadania”.

Cidadania?! Quer ver outra coisa? Sequer entramos com uma reclamação no Conselho de Educação e Ministério Público para que sejam extintas as tais turmas “especiais” (ITA, Medicina e outras besteiras do gênero).

E cada vez mais “individuais”, os alunos vão massificando a noção de que o “privilégio” é parte do território que “disputam”.

Ouvi alguns alunos, de escolas particulares do Novo Horizonte, repetirem que não votariam em Lula (eu tmb não). Ele “roubou” as vagas deles nas universidades públicas. Referiam-se às cotas para pretos e mulambentos.

E um dos estudantes, em tom de brincadeira (mas achando massa!), me repassou um áudio que está correndo a web. Justificaria, brincou falando sério, a tendência de uma parcela dos adolescente e jovens querer votar em Bolsonaro.

A nossa vida dividida e a política pegando fogo. A polarização entre dois nomes deixa o povo brasileiro em situação inescapável. Os amigos se dividem, as decisões que tomamos parecem favorecer, sempre, um ou outro lado. E se a gente não quiser nenhum ou outro lado, faz o que mesmo?

Mas mesmo nesta guerra de lados, não podemos nos omitir. Quando os bons se calam, os imbecis dominam. Precisamos mostrar de que lado estamos, mas sempre com respeito às pessoas que têm opiniões divergentes. Não podemos radicalizar, nos posicionar favoráveis a um discurso e ficarmos contra as pessoas que nos cerca, geralmente a quem queremos bem. Mas é bom que nossas atitudes reflitam nosso pensamento.

Nada de estacionar na ciclofaixa. Parar em fila tripla em frente às escolas. Andar de moto pela calçada. Levar o cachorro pra passear e não apanhar o cocô. Atender ao celular enquanto se dirige. Não separar o lixo que se produz em casa. Achando que a seca é coisa de flagelado…

Confesso que fico sem graça por esses tempos de polarização. Melhor dizendo, passei a ficar. Sempre tenho a ilusão que as coisas passarão por mudança punhal… Uma porrada cidadã… Que os dias serão, coletivamente, melhores.

Mas não é bem assim… Quem dera!

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira