Todo dia pela manhã Ruberval Ferreira Pimentel Junior levanta da cama já ansioso para saber como o filho, de 8 anos, vai acordar. Há mais de um mês a criança tem amanhecido enjoada e frequentemente vomita.
Enquanto os episódios se repetem, a saúde pública de Canaã dos Carajás, administrada por Jeová Andrade, não diagnostica o menino e, consequentemente, não o trata. Além de não resolver a situação, ainda poderia ter piorado o quadro gravemente.
No dia 4 de setembro o pai recebeu da Unidade de Saúde da Família do Novo Brasil três frascos de Bromoprida – medicamento utilizado em caso de vômitos – a ponto de vencer. As embalagens apontam que a data de validade é este mês, setembro de 2020.
Leia mais:Junior adotou o menino quando ele tinha pouco mais de um ano e o cria sozinho. O eletricista está atualmente desempregado e vivendo apenas de bicos, além de fazer entregas dos lanches confeccionados pela mãe. Ele conta que o filho é intolerante à lactose e, por conta disso, o pai é sempre rígido com a alimentação fornecida e atento aos rótulos de qualquer produto que ofereça a ele, o que o fez perceber a data de validade.
Ainda em agosto o menino começou a se sentir mal, sofrendo de enjoos e vômitos. O pai começou a ir e voltar quase todo dia do Hospital Municipal Daniel Gonçalves. Lá, a criança recebia soro de manhã e era liberada. À tarde passava mal novamente.
No dia 4 de setembro o filho de Junior foi atendido às 11h23. “Ele (filho) vomitou praticamente nos pés do médico”, relata, acrescentando que em seguida recebeu o encaminhamento para a retirada dos medicamentos no posto do Bairro Novo Brasil.
“Três frascos vencidos. Eu acho um descaso e me sinto constrangido. Poderia ter dado para ele e piorado, mas como ele é intolerante à lactose eu já presto atenção em todo rótulo”, relembra. Os frascos foram guardados em um armário e seguem intocados.
SEM SOLUÇÃO
Um dia após a entrega dos medicamentos, no sábado (5), a criança acabou internada no Hospital Municipal. Na segunda (7) recebeu alta, mas sem melhora do quadro e sem explicações. “Só fizeram exame de sangue mesmo. Eu perguntei qual foi o resultado dos exames e responderam que não deu nada, nem infecção, mas nem coloquei a mão nos exames, nos papeis, não me deixaram ver”, conta.
Depois disso o pai deixou de buscar o sistema público municipal. Segue preocupado e juntando os poucos reais que caem em conta para tentar levar o filho para Redenção, onde pretende submeter a criança a exames mais detalhados e uma consulta mais aprofundada. Por enquanto, Junior está contando apenas com o que ganha nos bicos e o baixo valor do auxílio-emergencial para manter ele e o filho, já que não teve o cadastro no Programa Bolsa Família aprovado.
Enquanto o dinheiro não entra, oferece à criança um medicamento para a intolerância à lactose, comprado com o próprio dinheiro e indicado por um farmacêutico. “Tenho medo de perder o meu filho, que cuidei desde pequeno, por causa de um vômito, porque ninguém resolve nada”, lamenta.
MEDICAMENTOS
Em junho deste ano o Correio de Carajás veiculou reportagem na qual destaca as quantias milionárias que Jeová Andrade gasta em medicamentos. Em dezembro passado a Prefeitura Municipal abriu licitação de mais de R$ 32 milhões para aquisição de remédios, substâncias de controle especial, materiais técnicos hospitalares e da farmácia básica para abastecimento do Hospital Municipal Daniel Gonçalves e das Unidades Básicas de Saúde.
Deste total, o edital orçava R$ 22.854.160,88 apenas para comprimidos, medicamentos líquidos, cremes, pomadas, medicamentos injetáveis, soluções e substâncias controladas. A licitação acabou fechada em R$23.821.185,73 e, deste valor, R$ 17.066.983,32 foram contratados com quatro empresas para o fornecimento dos lotes de medicação.
Além disso, desde que a Lei Federal Nº 13.979/2020 foi aprovada, permitindo que municípios e estados dispensem licitação para medidas de enfrentamento à Covid-19, Canaã dos Carajás já contratou mais R$ 2.214.853,46 em medicamentos, oriundos do Fundo Municipal de Saúde, conforme publicações no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
POSICIONAMENTO
A Reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal de Canaã dos Carajás questionando sobre o medicamento no prazo de validade e o que será feito pela criança. Em nota, o município informou ter entrado em contato com a família e remarcado uma nova consulta com especialista para atendimento da criança.
Em relação ao medicamento ministrado, defende que ele está dentro da data de vencimento e qualquer dúvida que o paciente que recebe medicamentos tiver, pode procurar a farmácia da Unidade de Saúde em que foi atendido, inclusive para eventuais trocas. (Luciana Marschall)