A pandemia do coronavírus mudou minha rotina completamente. It turned my world upside down, para dizer que tudo mudou usando uma expressão para praticar o inglês, a disciplina que trabalho na escola. Digo eu, meu, minha, porque é mais fácil falar da própria experiência: de onze ou doze horas trabalhando fora de casa todos os dias, em que passar o fim de semana inteiro em casa era um sonho de consumo, agora se tornou pesadelo. Ir ao supermercado se tornou um evento e tanto, por isso coloquei uma roupa legal e fui. Em uma cidade do interior é certo que você vai encontrar conhecidos por lá em qualquer horário que vá. Então, isso já é esperado. Em um dos corredores, eu escuto:
Mulher: – Ei, você não é professora do meu filho?
Eu: – Onde ele estuda? Desculpe-me são muitos alunos pra lembrar (risos).
Leia mais:Mulher: – Ele é faz o 9º ano na escola XXX.
Eu: – Ah, sim! Sou professora dele mesmo.
Mulher: – os professores estão gostando dessa quarentena, recebendo e sem trabalhar.
Eu: (risos) Não é bem assim. Não ir à escola, não quer dizer que estamos sem fazer nada, porque os vídeos e atividades enviadas online demandam tempo e muito planejamento. Acredito que todos nós trabalhamos o triplo nesse “home office”. Eu, por exemplo, criei uma raiva de celular, recebo mensagens de alunos de madrugada, mensagens de pai querendo conversar sobre sei lá o que de madrugada, nos fins de semana e feriados, ligações de voz e de vídeo em horários inapropriados. Preparar atividades de todas as formas possíveis, responder a todas as dúvidas individualmente, a mesma pergunta 10, 15 vezes para pessoas diferentes, enviar o arquivo que está no grupo 20 vezes (às vezes 2 ou 3 para a mesma pessoa que “resetou” o celular, preencher fichas, no meu caso, que tenho 190h, 19 turmas, preenchi 29 fichas a cada 15 dias (olhos marejados).
Mulher: Eu preciso ir…
Eu: Espera aí… vou aproveitar para perguntar se sabe por que seu filho não enviou atividades ainda.
Mulher: (riso nervoso) Professora, tenho 3 filhos usando o mesmo celular e passo o dia inteiro fora de casa. O Wi-fi não funciona bem, inclusive foi cortado no último mês já que estou ganhando menos e meu companheiro perdeu o emprego. Não consigo parar para ajudá-los por causa do trabalho e dos afazeres de casa que preciso fazer quando chego. Como estou usando a internet 3G, um dos meninos sempre fica sem conseguir fazer a atividade, geralmente é o mais velho. Eu não estou dando conta das contas da casa, dos filhos e das atividades da escola sozinha (olhos marejados). Preciso ir.
Eu: Bom dia.
No fim, cada uma saiu para um lado, em silêncio.
Entre mensagens de alunos
Entre as 1.001 mensagens que recebo dos alunos atualmente, duas me chamaram atenção. A primeira dizia que estava com medo de reprovar (risos) e as atividades que está recebendo estavam atrapalhando o momento de brincar. Respondi à minha aluna que ela poderia fazer um cronograma para revisar as matérias e realizar as atividades que estão sendo passadas e também teria tempo para brincar.
A segunda avisava que não estava fazendo nenhuma atividade porque estava há dias doente, com problemas para respirar. Respondi a esta, que não se preocupasse com a matéria, mas em ficar bem.
Depois de meses em casa, sozinha praticamente todos os dias, fiquei pensando que estou com receio de reprovar a mim mesma. Alguns dias acordo bem e consigo organizar boa parte das coisas pendentes; em outros, mal tenho vontade de levantar ou de me alimentar. No fim do dia, o pensamento mais dolorido: eu não fiz nada.
Planejar faz parte da rotina do ofício de professora, mas fiquei pensando hoje… preciso mesmo transparecer que o isolamento social não me afeta emocionalmente e me manter produtiva a todo custo? Caso não, recriminar-me por isso?
São questões que ficaram dando voltas na minha mente…
Têm dias que se alguém perguntar como estou, nem saberia responder. Provavelmente, seria a resposta automática do how are you: I’m fine thanks, and you? (Laissy Tainã da
Silva Barbosa – professora na rede pública de ensino de Marabá)