Ilustre desconhecido. Sim, podemos emprestar essa adjetivação a Leobaldo Santos. Um homem simples, mas capaz de resolver todos os problemas das ‘ferraris” dos rios (barcos), num período em que a assistência técnica para embarcações só era possível em Belém.
Confesso que não sou a pessoa ideal para descrever mestre Leobaldo. Quando menino, morador da Travessa Lauro Sodré, número 444, na Marabá Pioneira, eu era testemunha do vai-e-vem dele entre sua residência, na Rua Barão do Rio Branco, até a oficina, na Benjamin Constant. Assim, passava quatro vezes por dia em frente minha casa.
Um dia, meus tios, que moravam ou viviam lá por casa, descobriram que eu tinha um certo medo de Leobaldo e fizeram de tudo para amplificar esse temor. Quando ele passava, quem estivesse na porta gritava: “Corre, Neto, que lá vem o Leobaldo”.
Leia mais:Pronto, eu entrava em desespero e corria para baixo da cama, onde ficava por uns 15 minutos. E assim era a rotina de temor daquele homem que, no início da década de 1970, já era idoso, alto, magro, andar compenetrado e olhos fundos que infundiam terror a mim.
Passei várias vezes em frente sua oficina e até entrei lá em diversas ocasiões, mas sempre acompanhado de meu papai.
Em verdade, Leobaldo Santos era a região do Baixo Tocantins. Veio para Marabá ainda novo, a convite do prefeito Augusto Dias, que precisava de uma pessoa que soubesse trabalhar como maquinista numa geringonça que gerava energia para a cidade, mas era a vapor. Santos era um faz-de-tudo e, anteriormente, trabalhava em lanchas que viajavam na região do Baixo Amazonas.
A “usina de luz” em Marabá funcionava das 18 às 22 horas, quando era desligada. O combustível era lenha e a máquina tinha uma buzina, que dava três sinais antes de parar. A partir daí, a luz era por conta da lamparina. A máquina só deixou de funcionar no final do governo de Antônio Vilhena, que comprou o motor a diesel “Caterpilla”, o qual, também, passou a ter como mecânico o Mestre já afamado em Marabá.
Assim, por várias décadas, era ele quem “dava à luz” à cidade de Marabá, quando a caldeira ou o velho Caterpillar paravam de funcionar. Mas ele era mais do que um mecânico. Ergueu o próprio negócio e prosperou.
No estaleiro naval de Mestre Leobaldo, se fazia de tudo: tornearia, fundição, soldagem elétrica e a oxigênio, construção e conserto de barcos, sendo a primeira deste segmento em Marabá. Seu dedicado funcionário, Donato Valente, antes de morrer, lembrou que não havia estradas até 1970 e, nas décadas anteriores, o barco era a solução para todos (a não ser para quem tivesse grana para viajar de avião). “Leobaldo era mecânico bom, a oficina dele foi a primeira de Marabá e a melhor que vi. Aprendi muito com ele”.
Sim, de fato ele fabricava peças que se moldavam à necessidade do cliente, que passaram a depositar grande confiança nele. Mas tratou, também, de treinar e preparar uma equipe para ajudá-lo e também para continuar seu legado, quando se fosse.
Entre essas pessoas, estavam Donato Valente, Antônio (Formigão), João Silva e Mestre Amaral e Mestre, alguns dos quais ficaram ao seu lado até quando faleceu, na década de 1980.
Entre as peças que mais danificavam nos barcos estavam a hélice ou palheta, que vez ou outra tocavam numa das milhares de rochas dos rios Tocantins ou Itacaiunas. Seus clientes eram, principalmente, empresas que transportavam castanha, como Nelito Almeida, Nagib Mutran, Benedito Mutran, Olinto Contente, entre outros.
No campo profissional, foi muito bem e sua fama se espalhou por toda a região, com donos de barcos que vinham para Marabá para realizar reparos com a figura que atormentou (sem saber e sem querer) a minha infância. No campo pessoal, viveu um drama até o fim da vida.
Leobaldo Santos chegou a Marabá casado com dona “Totó” e ambos moravam na Travessa Aldo Maranhão, perto de sua oficina e da residência de Osório Pinheiro.
Todavia, Leobaldo desistiu do primeiro relacionamento, saiu de casa, na Travessa Aldo Maranhão, e casou-se com dona Idalina, uma mulher mais nova, e foi morar com ela em outra casa, na Barão do Rio Branco. Com a nova amada, teve um filho, Zé Paulo, já falecido. Mesmo separado, ele prestava assistência financeira a Idalina, que não tinha nenhum parente em Marabá.
Quem sabe, um dia, as autoridades de Marabá guardem uma pontinha de rua para celebrar um profissional que fez desta cidade uma referência no conserto e produção de peças de toda a natureza para barcos – de centro ou de popa. (Ulisses Pompeu)