Correio de Carajás

Jeová adquire serviços gratuitos em contrato de mais de R$ 2 milhões

Um contrato milionário e cujo objeto de contratação é questionável foi assinado pela administração de Jeová Andrade, em Canaã dos Carajás, e publicado no mês passado, junho. O Fundo Municipal de Educação contratou a empresa Inteceleri Tecnologia para Educação Ltda com intuito de adquirir kits do projeto Matematicando & Google for Education, para atendimento das unidades de Ensino Fundamental.

O valor total da aquisição é de R$ 2.280.000,00 para programa de trabalho ao longo de 2020, ou seja, restando sete meses para o final do ano e após três meses de aulas paralisadas no município por conta do coronavírus. A Inteceleri é reconhecidamente uma empresa de tecnologia para educação, sediada em Belém e com escritório também em São Paulo, e as ferramentas fornecidas são úteis no aprendizado dos alunos de Canaã dos Carajás.

A questão é o município estar adquirindo por mais de R$ 2 milhões aplicativos que são gratuitos atualmente. A modalidade de contratação se deu por meio de inexigibilidade, ou seja, quando não há licitação porque entende-se que não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da administração.

Leia mais:

Neste caso, seria a empresa que criou o Matematicando, aplicativo que tem como objetivo ajudar professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem matemática básica através de jogos, por exemplo. Acontece que em abril a empresa publicou comunicado afirmando que o fechamento das escolas – provocado pelo distanciamento social – impõe a todos a busca de alternativas e, portanto, estaria disponibilizando link gratuito para download do aplicativo Matematicando, funcional em equipamentos com sistema Android e IOS.  O Correio de Carajás verificou nesta segunda-feira (6) que o aplicativo continuava disponível gratuitamente.

A Inteceleri é parceira do Google for Education e o utiliza como ferramenta de gestão e execução das atividades do projeto Matematicando. Acontece que o Google for Education é um sistema também gratuito, da Google, que possui, dentre diversos recursos, chamadas de voz e vídeo e salas de aula online, além de tutoriais para auxiliar as escolas e educadores a usarem estas ferramentas.

FALTA DE TRANSPARÊNCIA

O contrato entre a prefeitura e a empresa foi assinado em 9 de abril deste ano, mas o extrato publicado apenas no dia 16 de junho, no Diário Oficial da Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (Famep), contendo o nome da empresa, o valor e a data de vigência: de 9 de junho 2020 a 30 de dezembro de 2020.

A publicação chamou a atenção do Correio de Carajás que procurou pela íntegra do documento nos portais da transparência da Prefeitura de Canaã dos Carajás e no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), onde é obrigatório ser disponibilizado todo o processo.

No TCM nada foi encontrado. Já no portal da transparência apenas os dados sintetizados, contendo origem, contratante, contratado, valor e vigência. Aqui, entretanto, foi diagnosticada uma diferença nas datas. Enquanto o extrato de contrato apontava o início da vigência em 9 de junho, os dados do portal da transparência afirmavam que ele havia começado a valer na data de assinatura, ou seja, 9 de abril.

Ainda no dia 16 de junho, a Reportagem procurou a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal questionando a motivação para aquisição do serviço por mais de R$ 2 milhões, cujas principais ferramentas são gratuitas, e solicitando acesso ao contrato, uma vez que ele não foi divulgado, conforme determina a Lei de Transparência. Após este contato, o processo foi publicado no mesmo dia no Portal da Transparência do município e dois dias depois no Mural de Licitações do TCM, em 18 de junho.

DESCRIÇÃO DO SERVIÇO

Sobre a contratação, a prefeitura afirma que a gratuidade das ferramentas se refere à licença de uso. Entretanto, o Portal verificou o contrato e a descrição é clara ao definir que se trata da aquisição de material paradidático (livro e jogo) e da licença de uso do aplicativo digital que ensina as operações básicas de matemática.

Também estão previstas oficinas de capacitação de matemática, mas sem especificação de quantidade, e o acompanhamento da execução do torneio Matematicando, também sem definição sobre a forma como esse serviço será prestado.

A quantidade de itens é estabelecida em 10 mil a R$ 228 cada, totalizando os R$ 2.280.000 e o serviço inclui 40 laboratórios móveis de realidade virtual e aplicativo Matematicando em comodato, ou seja, de forma não definitiva.

POSICIONAMENTO

No posicionamento, a prefeitura defende o gasto dos R$ 2.280.000 afirmando que ao longo do ano letivo o projeto utilizará simultaneamente um aplicativo digital, um livro paradidático e a realização de um torneio intercolegial de matemática entre todas as escolas da rede.

Alega que, além das licenças de uso gratuitas durante a suspensão das aulas e dos10 mil kits educativos, estão previstos quatro simulados baseados nas diretrizes matemáticas da Prova Brasil; três testes de habilidades das operações com utilização das cores; o Torneio Intercolegial da Matemática de Canaã; e formação dos professores quanto ao uso do aplicativo.

Sobre a plataforma G-Suite do Google for Education, o município afirma que “as estratégias de implantação em todas as escolas – para cerca de 12 mil alunos – devem observar a estrutura tecnológica disponível e o nível de formação dos professores para uso das ferramentas”.

Conforme a contratante, serão prestados serviços como implantação e acompanhamento no ambiente escolar; criação das contas institucionais para alunos, professores e servidores; criação das turmas; e formação de professores, diretores das escolas e gestores para uso da Plataforma G-Suite.

A formação, acrescenta, vai desde a apresentação de conceitos básicos do Gmail à organização de ações pedagógicas, englobando a garantia da logística, infraestrutura e os recursos materiais usados nas formações e certificação, avaliações e suporte técnico durante a vigência do contrato.

Sobre os laboratórios móveis, o município afirma que são estruturas com 30 dispositivos com conexão à internet e configuração compatível para o uso da realidade virtual, além de 2 mil óculos de realidade virtual.

“A gestão entende que aquilo que o professor aprende na formação, ele usa na sala de aula através dos laboratórios móveis. Inclusive a realidade virtual através do Google Expedition. Aqui um bom exemplo da diferença entre a licença de uso e as condições para o uso verdadeiro. A ferramenta é gratuita, mas o professor não sabe usar e as escolas não têm estes equipamentos”, defende a nota.

LACUNAS

O posicionamento enviado à Reportagem destaca diversos serviços que não constam em contrato, ou seja, não podem ser cobrados da empresa prestadora, assim como não trata da interrupção de aulas neste ano letivo, levando em consideração a vigência do contrato, que se encerra em sete meses. A legislação permite que haja prorrogação, porém essa possibilidade não foi apresentada pela Prefeitura de Canaã dos Carajás.