Às 14 horas desta segunda-feira, dia 29, a sexta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, julga um Agravo de Instrumento interposto por quatro associações indígenas, reivindicando, entre outras coisas, a suspensão do Licenciamento Ambiental e das atividades minerárias do S11D, projeto de minério de ferro localizado em Canaã dos Carajás, além do pagamento de compensação financeira aos indígenas da etnia Xikrin.
Tudo começou em 2016, quando a Associação Indígena Bayprã de defesa do povo Xikrin do Ood-já, Associação Indígena Kakarekre de Defesa do Povo xikrin do Djudjeko, Associação Indígena Porekrô de defesa do Povo Xikrin do Catetê e Associação Indígena Djore de Defesa do Povo Xikrin do Pokrô ingressaram com uma Ação Civil Pública contra a mineradora Vale, Funai, Ibama e BNDES, alegando que as ações da mineradora nos rios da região causaram danos à saúde dos membros das comunidades da Terra Indígena Xikrin do Cateté, que teriam sido contaminados por metais pesados.
A ação usa como base um relatório elaborado por uma equipe da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenada pelo professor-doutor Reginaldo Saboia de Paiva, do Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente. “Por meio das análises químicas e mineralógicas das águas dos corpos hídricos que banham a Terra Indígena, ficou evidente que os cursos dos rios Cateté e Itacaiunas recebem águas que passam pelas instalações dos empreendimentos Mineração Onça Puma e Projeto Ferro Carajás S11D, respectivamente, por estarem contaminadas dos metais pesados expostos pela atividade minerária que chegam aos rios por meio do escoamento da água da chuva,” adverte o estudo.
Leia mais:Sobre o projeto S11-D, em Canaã, os indígenas já tinham alertado, em 2016, que eram visíveis a olho nu as consequências da instalação do empreendimento, pois o chão já tremia com as bombas advindas da instalação do empreendimento, afugentando a fauna e prejudicando a caça. E, mencionava-se ainda que as consequências da continuação da operação do empreendimento sem prever e mitigar os impactos do maior empreendimento de Ferro do Planeta sobre os Xikrin seriam desastrosas, piorando a situação caso haja concessão da licença de operação deste empreendimento.
O monitoramento é feito quadrimestralmente e, em relatório de 2019, adverte que as análises realizadas a partir das amostras coletadas no Rio Itacaiúnas, na área do porto da Aldeia Oodjã, mostraram índices de contaminação maiores que do Rio Cateté: “Os resultados demonstraram a presença de um elemento perigosíssimo, em taxas de 4 (quatro) vezes maior que o máximo permitido pela legislação, como é o caso do cádmio, considerado veneno pelos pesquisadores devido o curto espaço de tempo que esse elemento provoca danos ao organismo humano, isto é, bem mais rápido que os outros também encontrados na água do referido rio”.
Ainda conforme o documento, além do cádmio, foram encontrados cobre, com 13 vezes acima do limite permitido; manganês, com quase três vezes acima do limite da legislação; e níquel acima do valor limítrofe. Fora esses metais, foram detectadas outras substâncias nocivas à população de peixes, como cloro, fluoreto e sulfetos.
O relatório escancara que o Rio Itacaiunas está contaminado e o povo da comunidade indígena da Oodjã está em situação mais perigosa que os que habitam às margens do Rio Cateté, inclusive impossibilitando a sobrevivência do pescado na área contaminada.
A equipe da UFPA, de acordo com o advogado José Diogo de Oliveira Lima, que defende os interesses das associações indígenas, tem realizado diligências a uma área denominada Ponto 06, por tratar-se de um canal de dreno da mina do Projeto de Ferro Carajás S11D, e o trabalho tem demonstrado, com clareza, que a montante da área de despejo desse dreno no Rio Itacaiunas não há ocorrência de contaminação por metais pesados e outras substâncias utilizadas na atividade minerária.
“Porém, no canal de dreno e à jusante se verifica alta taxa de contaminação. Isso explica a contaminação de pessoas por metais pesados na Aldeia Oodjã, pois pensava-se que, pela distância do Rio Cateté, que já há muito tempo apresentava indícios de toxidez, deixava seus habitantes estariam mais seguros,” afirma Diogo.
“No presente estudo o chumbo, o manganês e o ferro foram encontrados em excesso na farinha de mandioca produzida a partir da água dos rios. Os mesmos metais, assim como o cobre, o cromo e o níquel, foram encontrados na água do Rio Cateté e nos efluentes da empresa Mineração Onça Puma. Salienta-se que, após várias amostragens e análises, não foi encontrado esses metais antes do ponto de influência do referido empreendimento minerário,” observa o relatório.
Além dos metais, foram encontradas outras substâncias nocivas a ictiofauna, como é o caso do cloro, fluoreto e sulfetos. O cloro residual total foi identificado 10 vezes acima do limite permitido pela legislação no período de alta pluviosidade, chegando a 400 vezes maior que o limite estabelecido pelo CONAMA. O fluoreto, substância altamente tóxica, chega a 2 mg/L no período chuvoso e a 60 mg/L no de menor pluviosidade, sendo que o limite estabelecido pela legislação é de 1,4 mg/L, isto é, 42 vezes maior que o limite estabelecido. O sulfeto (H2S) não dissociado também dista 4 vezes maior que o limite estabelecido pelo CONAMA.
Em relação aos sintomas entre os indígenas da comunidade Xikrin, foi apurado os recorrentemente, quais sejam: cólicas abdominais, problemas renais, cefaleias, dores articulares, tonturas e febres repentinas. Esses sintomas recorrentes sugerem uma conclusão que a origem é comum. No caso, a toxidez por metais pesados encontrados nos rios utilizados pelos indígenas oriundos da atividade minerária nas proximidades da TI Xikrin do Cateté.
“O pedido de compensação financeira decorre, logicamente, da necessidade de resguardar a subsistência física e cultural das comunidades indígenas Xikrin, arrepiada pelas ilegalidades perpetradas no âmbito do licenciamento ambiental do Projeto S11D”, diz a ação movida pelas associações por meio do advogado José Diogo de Oliveira. Compensações
Além de pedir a suspensão das atividades do S11-D, a comunidade indígena da TI Cateté pedem à Justiça que a empresa Vale S/A proceda ao depósito mensal de quantia pecuniária, a título de compensação financeira pela ausência desses estudos e implantação das medidas e planos necessários e também em razão dos impactos etnoambientais decorrentes das atividades agressoras do Projeto S11D, no valor mensal de R$ 2.000.000,00, por aldeia da TI Xikrin, cujo o levantamento deve ser realizado de imediato, por se tratar de verba de natureza alimentar, quiçá existencial, tudo até que seja comprovado nos autos, a realização do Estudo do Componente Indígena (ECI) pautado em dados primários, nos moldes como especificado pelo Anexo II – B da Portaria Interministerial nº 60 de 2015 do Ministério do Meio Ambiente, procedendo-se em qualquer caso, à consulta prévia das comunidades indígenas afetadas, nos termos como dispõe o art. 231, §3º da Constituição Federal de 1988.
Posição da Vale
A Reportagem do CORREIO solicitou, no início da manhã de hoje, um posicionamento da Vale sobre o assunto. Segue a nota, na íntegra:
“A Vale esclarece que o empreendimento S11D, está regularmente licenciado pelo IBAMA, atendendo a todas as condicionantes e estando aproximadamente a 12 km da Terra Indígena Xikrin (TI) e a mais de 22 km da aldeia mais próxima.
A atividade minerária está geograficamente localizada a abaixo da TI e as águas seguem curso natural para baixo e não para cima, onde está a terra indígena, não havendo possibilidade material e física da Terra Indígena Xikrin ter impacto do empreendimento S11D.
A empresa esclarece que são realizados monitoramentos mensais dos recursos hídricos, nas bacias e no entorno do empreendimento, cumprindo os parâmetros legais o que é atestado pelo próprio órgão ambiental fiscalizador”.
Sobre Onça Puma, a empresa também encaminhou posicionamento:
A Vale informa que não há relação entre as atividades do empreendimento de Onça Puma e a suposta contaminação do rio Cateté conforme comprovação de sete laudos elaborados por peritos judiciais (engenharia metalúrgica, biólogo/ictiofauna, sociológico, agronômico, engenharia florestal, engenharia civil e geologia) nomeados pelo Juiz Federal de Redenção. É importante destacar que os laudos periciais subsidiaram a decisão do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para autorizar a retomada da operação do empreendimento, em setembro de 2019. A Vale reforça que o empreendimento Onça Puma está licenciado e com condicionantes cumpridas.