O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) enviaram manifestação à Justiça Federal nessa terça-feira (2) em que voltam a pedir decisão imediata (liminar) que determine a suspensão do comércio e demais atividades e serviços não essenciais em todo o estado do Pará.
Ao decidir relaxar as regras do isolamento, o governo do estado ignorou informações de um dos estudos utilizados e não respeitou critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), ressalta a manifestação. MPF e DPU também citaram outros fatores desconsiderados pelo governo e pesquisas científicas que indicam ser precipitado considerar que a taxa de contágio no Pará está estável ou em diminuição. E mesmo que tenha ocorrido redução da taxa de contágio, a taxa ainda é alta no Pará, tornando inviável e perigosa qualquer medida de abertura, destacam procuradores da República e defensores públicos federais.
Assim como haviam feito na ação ajuizada em abril e em diversas outras manifestações no processo, o MPF e a DPU pediram, ainda, que o estado do Pará seja obrigado a apresentar motivação técnica para todas as suas futuras decisões relacionadas à pandemia da covid-19. Também voltou a ser pedida decisão que ordene melhoria da transparência sobre os dados relativos à elaboração e execução de políticas públicas de enfrentamento do novo coronavírus.
Leia mais:Ufra não garantiu segurança da flexibilização – DPU e MPF destacam que um dos estudos que o governo paraense considerou para decidir pela redução do isolamento em nenhum momento recomenda essa reabertura. Pelo contrário: inclui itens importantes que aparentemente não foram considerados pelo estado. Denominado Redes Neurais Artificiais e Modelagem Matemática nas Previsões Epidemiológicas para os Casos de Infecção por Covid-19, o estudo da Universidade Federal do Pará (Ufra) adverte que “a subnotificação de casos e óbitos altera a realidade da pesquisa, devendo haver o reprocessamento constante dos dados”. O estudo também registra que “o avanço da pandemia para o interior do estado, somado à taxa de adesão da população às medidas de combate ao vírus, influenciará a projeção do tempo de duração da pandemia”.
Advertências feitas pela Ufra em boletins sobre a pandemia veiculados poucos dias antes e poucos dias depois da publicação do estudo comprovam que é falso que a universidade tenha concluído expressamente pela segurança da flexibilização neste momento, explicam procuradores da República e defensores públicos federais. Segundo os boletins, “o afrouxamento prematuro das medidas de controle e de isolamento influencia no modelo e pode causar novos picos da infecção”.
Critérios da OMS não atendidos – A OMS orienta que a flexibilização segura do isolamento social depende do controle efetivo da transmissão. “A transmissão da covid-19 deve estar controlada, em um nível de casos esporádicos e clusters [grupos] de casos, sendo todos de contatos conhecidos ou importados; no mínimo, novos casos devem estar reduzidos a um nível que o sistema consiga absorver, com base na capacidade dos serviços de saúde”, diz trecho de documento da OMS destacado na manifestação.
Sobre os critérios de conferência do controle da transmissão, a OMS indica que o período de duas semanas é o tempo mínimo de avaliação de tendências, por ser o período máximo de incubação da doença, e estabelece que o melhor indicativo de que a epidemia está controlada e em queda é quando o número de pessoas que cada portador do vírus infecta é menor que um, em média.
No entanto, segundo o Covid-19 Analytics, modelo estatístico desenvolvido por professores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), a taxa de contágio no Pará está em 2,77 novos contaminados para cada pessoa infectada, ou em 1,55, conforme estudo do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA), relatam MPF e DPU.
Outros dois critérios-base estabelecidos pela OMS para a definição do momento ideal de flexibilização das normas de distanciamento social são a garantia de que o sistema de saúde consegue lidar com o ressurgimento de casos da doença que pode ocorrer após a redução do isolamento, e a certeza que o sistema de vigilância em saúde pública é capaz de detectar e gerenciar os casos e seus contatos, e identificar ressurgimento de casos.
De acordo com o MPF e a DPU, os documentos utilizados pelo governo do Pará para decidir pela flexibilização – o relatório técnico da Ufra e a nota técnica da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) – também não comprovam o preenchimento desses dois outros critérios. “Na verdade, os dados disponibilizados pelo próprio estado demonstram que ainda nos encontramos em situação crítica na ocupação de leitos de UTI, uma vez que no estado inteiro, atualmente, 87,21% de leitos de UTI exclusivos para covid-19 estão ocupados”, reforçam os signatários da manifestação, ressaltando que esses são níveis “alarmantes”.
Sobre a capacidade de detecção e gerenciamento de novos casos pelo sistema de vigilância em saúde pública, outro critério previsto pela OMS, MPF e DPU constatam que os casos dificilmente são detectados e acompanhados a tempo. “Na verdade, a subnotificação é tamanha que, recentemente, em 28 de maio, foram divulgados, de uma única vez pelo estado do Pará, impressionantes 15 mil casos e quase mil óbitos que se encontravam subnotificados”, exemplificam.
Outros fatores não considerados pelo estado – MPF e DPU complementam as informações enviadas à Justiça Federal com outros fatores não considerados nos estudos apresentados pelo governo do estado e que, segundo os procuradores da República e defensores públicos federais, demonstram ser precipitado falar em estabilização e, pior ainda, em redução da taxa de contágio. Um deles é a subnotificação de casos e mortes, o que fragiliza os dados utilizados pelos modelos matemáticos que preveem a disseminação da doença. “Há muito mais mortes por covid-19 no dia de hoje do que parecem revelar os dados oficiais, haja vista a demora na testagem e na divulgação de seus resultados. Isso significa que qualquer análise feita com dados de hoje ou dos últimos dias está sujeita a altíssimo grau de erro”, frisam.
Os membros do MPF e da DPU ressaltam que o número real de casos e mortes pela doença pode ser pelo menos sete vezes maior que os números contabilizados oficialmente conforme estudos de pesquisadores da Ufra, UFPA, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A manifestação da DPU e do MPF cita entrevista divulgada em 28 de maio, em que uma das responsáveis pelo modelo matemático utilizado no estudo apresentado pelo estado, a professora da Ufra Evelin Cardoso, diz que “sem os números verdadeiros da epidemia, a tomada de decisões por parte das autoridades é feita baseada em um cenário que não reflete a situação real”.
Sobre a chamada “imunidade de rebanho”, MPF e DPU citam avaliação feita por professor infectologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Unaí Tupinambás. Segundo ele, essa estratégia geraria enorme custo em vidas humanas, e o melhor caminho a seguir é manter o isolamento e achatar a curva epidêmica.
Em relação às informações divulgadas pela Sespa, o MPF e a DPU registram que a secretaria passou a adotar metodologia confusa, informando os casos e óbitos que teriam ocorrido nas “últimas 24 horas” e, em separado, os casos e óbitos que teriam ocorrido em dias anteriores, por causa da subnotificação e do não envio de dados pelas prefeituras. Além disso, a Sespa fracionou os boletins em um único dia, divulgando mais de um, e de forma não cumulativa.
Essa forma de divulgação dos dados acaba dando a errônea impressão ao público de diminuição do número de casos, criticam procuradores da República e defensores públicos federais, que analisaram dia a dia os casos divulgados entre 20 e 28 de maio e calcularam que houve dias em que o número de casos quadruplicou, e o número de mortos dobrou, na comparação com o dia anterior. (fonte: MPF)