O assassinato de um trabalhador da fazenda Fortaleza, em Abel Figueiredo, pode ter outros desdobramentos. É que os sem-terra que vivem em um acampamento nos arredores da fazenda – e que foram despejados recentemente do imóvel por ordem judicial – denunciam que tanto a vítima quanto o acusado do homicídio eram, na verdade, jagunços, que têm ameaçado e levado terror aos sem-terra. Por outro lado, a proprietária da fazenda assegura que jamais usou de qualquer tipo de violência contra as pessoas que querem – porque querem – tomar suas terras.
O homicídio aconteceu na madrugada de terça-feira (26), tendo como vítima Francisco Dias da Costa Júnior, de 31 anos, conhecido como “Arrupiado”. O único suspeito do crime é o outro trabalhador da fazenda, identificado apenas como Gabriel ou “Biel”, que, segundo a polícia, seria primo da dona da propriedade rural.
Por telefone, a reportagem perguntou para a dona da fazenda Fortaleza, Jany Erica de Oliveira Santos, se ela realmente é prima de “Biel”, mas ela disse que não falaria sobre o assassinato porque não estava lá e nem ao menos quis confirmar se é realmente parente do acusado. “Não vou pronunciar nada sobre isso”, resumiu.
Leia mais:“Biel” foi denunciado por um terceiro trabalhador, de prenome Francisco, que é mais conhecido como “Raí”. Este disse que a vítima e o acusado estavam bebendo e tiveram um desentendimento e trocaram ameaças na noite anterior. Quando foi de madrugada ele ouviu um disparo de espingarda e na manhã seguinte “Arrupiado” foi encontrado sem vida com marcas de tiro de cartucheira pelo corpo.
Denúncias
Assim que aconteceu o assassinato sem-terra que vivem no acampamento Jerusalém, que fica perto da fazenda, entraram em contato por telefone com a reportagem do CORREIO, denunciando que “Arrupiado” era jagunço da fazenda, assim como “Biel”. Disseram também que há pelo menos quatro homens fortemente armados se passando por funcionários da fazenda.
A reportagem pediu que os sem-terra apresentassem algum documento oficial no qual denunciam a ocorrência do grave crime na fazenda. Diante disso, a reportagem teve acesso a dois Boletins de Ocorrência denunciando o caso. Um dos boletins foi registrado no dia 12 de abril.
Nesse BO, a produtora rural Cássia Gomes das Neves denuncia que quatro homens armados estiveram na propriedade dela em uma caminhonete branca. Eles pararam o veículo perto da casa de Cássia, baixaram os vidros, deram vários tiros para o alto e em seguida gritaram: “Viemos aqui pra matar todo mundo”, conforme consta no Boletim de Ocorrência Policial.
Ainda segundo Cassia, a ameaça se deve ao fato de que ela cedeu um pedaço de sua propriedade para que os sem-terra fiquem acampados enquanto aguardam decisão judicial sobre a situação da fazenda. Cássia revelou também que já denunciou o fato à Delegacia de Conflitos Agrários (DECA).
Chama atenção no Boletim de Ocorrência feito por Cássia, que ela afirma com todas as letras que a caminhonete usada pelos homens armados pertence à dona da fazenda Fortaleza, pois já a viu conduzindo o mesmo veículo várias vezes.
No outro Boletim de Ocorrência, feito em 26 de março, João Alves de Souza, que mora no acampamento, disse que teve seu barraco atacado por vários tiros durante a madrugada, por isso teve de fugir de casa, passou a noite escondido no mato e pela manhã foi para a cidade de Abel Figueiredo com sua família. Depois tentou voltar para pegar suas coisas em casa, mas foi avistado por homens armados que atiraram na sua direção e disseram para ele não voltar mais.
SAIBA MAIS
Alvo de várias ocupações e de uma interminável briga judicial, a Fazenda Fortaleza fica localizada na Gleba Mãe Maria, zona rural do município de Abel Figueiredo, na região da BR-222, entre os municípios de Rondon do Pará e Bom Jesus do Tocantins. Atualmente, a proprietária tem uma ordem de reintegração de posse emitida pelo Poder Judiciário a seu favor, desde o dia 11 de dezembro do ano passado, e o processo está na fase de alegações finais.
Fazendeira nega acusações e contra-ataca
Por telefone, a reportagem conversou com a pecuarista Jany Erica de Oliveira Santos, dona da fazenda Fortaleza. Ela negou peremptoriamente que mantenha homens armados para intimidar os camponeses ou que tenha usado qualquer tipo de violência contra os sem-terra. Segundo Jany, as acusações não passam de calúnia.
Ela explica que demoraram nada menos de 20 anos para ela ter de volta a fazenda, que pertence a sua família e durante todo esse tempo sempre esperou por uma ação da Justiça, nunca partiu para ações ilegais. “Pra que vou mexer com pistolagem?”, questiona a pecuarista.
Em relação às ameaças, Jany diz que ela, sim, é que tem sido ameaçada e inclusive já registrou Boletim de Ocorrência Policial sobre o fato. “Meu respaldo é a polícia e a justiça”, afirmou.
Jany Erica foi mais longe e chamou atenção para um dado interessante: a Fazenda Fortaleza tem apenas 44 alqueires, o que dá cerca de 200 hectares, ou seja, trata-se de uma propriedade pequena para ser retalhada em pequenos lotes de reforma agrária, o que por si só já deveria ser motivo para que os sem-terra desistissem da área. Mas não é só isso.
A fazendeira observa que do total de 44 alqueires, 14 são de “chapadão”. Para quem não sabe, “chapadão” é uma terra plana e de barro, que é propícia para o cultivo de soja. Aliás, naquela região da BR-222 a soja abunda nas propriedades. Inclusive, perto de Dom Eliseu, há um silo, que é uma benfeitoria destinada ao armazenamento de produtos agrícolas, principalmente grãos de soja.
Diante desse contexto, a fazendeira diz não ter dúvidas de que os sem-terra querem apenas ocupar sua fazenda para depois vender para quem quiser cultivar soja, que é uma atividade cada vez mais rentável. “Isso é um comércio na nossa região”, afirma categoricamente.
Atentado
Além disso, Jany lembra que na madrugada de 27 de março deste ano, sete homens armados chegaram à fazenda, na Vicinal Osvaldo Brito, na Gleba Mãe Maria, e abriram fogo contra a sede, na qual estavam dois funcionários e a esposa de um deles. A ação só terminou porque uma viatura da Polícia Militar se aproximou e afugentou os invasores. No local foram encontrados cartuchos de calibres 12, 16, 20, 38 e 44
Na ocasião, Jany Erica registrou boletim de ocorrência por meio da Delegacia Virtual da Polícia Civil, denunciando que os funcionários relataram que acordaram debaixo de tiros disparados por homens atacando a fazenda para entrar. (Chagas Filho)