Em decisão publicada nesta segunda-feira (25), o juiz Lauro Fontes Junior, titular da Vara da Fazenda Pública e Execução Fiscal de Parauapebas, afirma haver uma projeção matemática da Prefeitura de Parauapebas que aponta aproximadamente 10 mil pessoas contaminadas por covid-19 na próxima semana.
“É que o próprio município de Parauapebas, com base em projeções matemáticas, informou que na data de 03.06.2020 (evento n. 16970849 – Pág. 8) estaríamos com próximo de 10.000 pessoas contaminadas pela SARS-Cvd-2, situação que demandaria estrutura hospitalar com aproximadamente 400 leitos de UTI. Prognóstico estatístico e estrutural oportunamente corroborado pelo Secretário municipal de saúde (evento n. 17000189). Previsão preocupante, se constatarmos que aos 30.04.2020 (evento n.16970849 – Pág. 8) 100% dos leitos de UTI já estavam tomados”, diz o juiz.
A informação foi repassada em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Pará. Na última semana, por ocasião da inauguração do Hospital de Campanha, que não possui leitos de UTI, o município divulgou que os pacientes que apresentarem casos graves serão encaminhados para uma ala de UTI do Hospital Municipal, que conta 21 leitos, ou seja, 379 leitos a menos que o necessário caso a projeção se concretize. Além destes, o hospital possui 20 leitos equipados com respiradores, que podem funcionar como unidades semi-intensivas.
Leia mais:A decisão expedida nesta segunda se deu em razão do fim do lockdown determinado pelo governador, Helder Barbalho, e que incluía Parauapebas. O Ministério Público do Pará solicitou a prorrogação da medida de isolamento, alegando que a estrutura de saúde local se mostra colapsada.
De outro lado, a Associação Comercial, Industrial de Parauapebas (ACIP), a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e o Sindicato das Empresas de Alimentação e Hospitalidade de Parauapebas e Região (Seahpar) requereram a abertura gradual da atividade comercial, já que o Decreto Estadual N. 792/2020 encerraria seus efeitos a partir desta segunda.
As entidades propuseram uma modulação de retorno às atividades comerciais, estabelecendo que no dia 20 de junho seria possível o pleno restabelecimento do setor. O magistrado destacou, entretanto, que a perda da eficácia do decreto estadual não obsta ou frustra quaisquer das decisões emanadas pelo Município, que até então vigoraram com sobreposição de efeitos protetivos.
Ao considerar isso justificável, o magistrado cita a projeção matemática apresentada pela Prefeitura de Parauapebas e afirma que a previsão é preocupante, visto que os leitos de UTI estão ocupados e que o contexto é de “elevada criticidade, destoando de outras realidades nacionais”.
Conforme ele, a previsão vem ganhando textura concreta, uma vez que o último Boletim Epidemiológico divulgado neste domingo (24) apresentava 1.327 casos confirmados; 75 internados e 60 óbitos. “Evolução surpreendente, já que menos de 30 dias antes (28.04.2002/evento n. 16970849) a cidade registrava 122 casos confirmados para COVID-19; 17 internados e 08 óbitos”, destaca.
Segundo ele, se a contaminação viral se mostra irrefreável, o salvar vidas, como política pública ética e responsável, condiciona-se ao reajustamento da estrutura do sistema de saúde, ainda que na porta de entrada, defendendo que somente pela administração da curva de contágio é que a eficiência sanitária poderá ser exitosa.
Ressalta que em decisão anterior, assinada também ele, determinou que a gestão pública deveria movimentar-se tendo como pressuposto o suporte técnico-científico: “quaisquer alterações no Decreto Municipal n. 609/2020 e suas edições deverão ser baseadas em dados técnicos, sob pena de ilegítimas”.
Para Lauro Fontes, quaisquer reajustes futuros às políticas públicas de controle sanitário, contra à flexibilização do isolamento social, deveriam ser feitas com apoio de estudos técnicos e científicos, mas afirma ainda penderem dúvidas sobre esse avanço.
A decisão aponta, ainda, que em decreto assinado em 12 de maio o prefeito admitiu que por volta do dia 6 de junho o município atingirá o pico de infectados com 7.777 casos, havendo necessidade de 366 leitos de internação apenas para os casos de covid-19.
“Não foi sem razão que se compreendeu que qualquer flexibilização futura do nível de isolamento social deveria ser parametrizada, como motivo determinante, em análises técnicas e científicas recentes. Reflexamente, qualquer omissão deliberada e conscientemente planejada para atender grupos de interesses, como deixar os efeitos dos decretos de proteção perderem propositalmente sua eficácia jurídica-protetiva, poderia consubstanciar ilícito de natureza político-jurídica”, relembra.
Observando a ordem cronológica dos fatos, ele ressalta que o enfretamento da contingência sanitária desde o início da crise nunca deixou de compassar passos de ajuste e aprumo ante à escalada evolutiva da contaminação comunitária pela Covid-19. “Pelo menos até a data de hoje, já que sinalizado que, numa “carona” à perda da eficácia do Decreto estadual, contrariando a imposição das técnicas cientificas, ensaia-se um incauto e abrupto abrandamento das medidas de segurança sanitária local”, alegando que o movimento que, por ora, não se sabe se legítimo ou irrefletido, tem potencial de incremento obituário.
Ainda na decisão, o juiz cita ter sido informada a aquisição de 20 respiradores pelo município, mas observa que a compra nunca foi identificada junto ao Portal da Transparência e não se sabe sobre a eficiência e a operabilidade desses equipamentos, embora o município tenha veiculado a informação no site da prefeitura.
“Nessa conjuntura, não há como identificar o adequado trato da modulação do binômio fluxo população/estrutura hospitalar. Pois, se se mostra incontroverso que 70% da população poderá ter o patógeno, para que o controle da curva de contaminação seja controlado para salvar vidas, de duas, uma: ou se reorganiza a estrutura de saúde, ou se regule o fluxo de movimentação urbana”, declara.
Administração terá que atualizar informações e comércio explicar a abertura tecnicamente
Após a análise, o magistrado intimou o prefeito, Darci Lermen, para informar em 24 horas se houve modificação, readequação, revogação, inclusive tácita, do Decreto municipal que tem como objeto o distanciamento social. O gestor também deverá aportar as motivações utilizadas.
No mesmo prazo deverão ser esclarecidos os motivos pelos quais a aquisição dos supostos respiradores não foi alimentada no Portal Transparência, conforme determinado pela Lei 13.979/2020.
Foi intimado pessoalmente, também, o Secretário Municipal de Saúde, Gilberto Laranjeiras, para que particularize o fluxo de atendimento diário de pacientes suspeitos ou não pela Covid-19, como o quantitativo de leitos com UTI/Respirador na estrutura pública, além de atestar a adequabilidade numérica diante da criticidade de Parauapebas.
Na oportunidade, deverá ser explicado se esse quantitativo encontra correspondência com aquele outrora sinalizado como ideal. Se não for o caso, deverão ser declinadas as alternativas possíveis para diminuir o estresse do sistema de saúde. Também deverá ser explicado se os referidos 20 respiradores supostamente adquiridos estão em utilização, bem como se se mostram adequados ao tratamento da Covid-19, notadamente nos casos críticos.
No mesmo prazo, o Secretário deverá precisar o número de óbitos ocorrido nos últimos 30 dias, identificando aqueles que tiveram causa indefinida; aguardando resultado; em investigação; Síndrome Respiratória; pneumonia; doença pulmonar; ou qualquer outra classificação aberta de fechamento/conclusão.
Foi intimado o médico infectologista Thiago Soares Fonseca, coordenador do Comitê Científico, para informar, dado o quantitativo de casos de Covid-19, bem como tendo em vista a atual estrutura médico-hospitalar da rede municipal de saúde, se houve a emissão de laudo, parecer, ou documento similar que tenha tido como objetivo auxiliar na tomada de decisão sobre a retomada das atividades comerciais.
Deverão ser aportados aos autos todos as manifestações técnicas emitidas por esse Comitê Científico e que tiveram com objetivo o assessoramento na tomada de decisões administrativas pelos agentes políticos.
Intimou o médico intensivista Sérgio Paulo Carneiro Júnior, também integrante do comitê, para informar de forma categórica se os 20 respiradores por ele citado no portal municipal já estão em plena funcionalização e se são adequados, sobretudo, para “segurar a saturação” dos infectados. Deverá esclarece, ainda, se há pacientes em fila de espera para utilização da UTI/Respirador. E, se for a hipótese, qual procedimento está sendo adotado. Por fim, se a atual estrutura de atendimento de UTI se mostra apta e suficiente à patologia viral.
Às entidades que defendem a abertura comercial, foi intimado que esclareçam e comprovem se a proposição de reabertura da atividade comercial foi lastreada em estudos técnicos, diante das projeções matemáticas que sinalizaram o pico de 10 mil contaminados pela Covid-19, demandando quase 400 leitos de UTI. “Deverão explicar a base científica e técnica que lastrou o conteúdo de suas últimas manifestações, já que não há qualquer subscrição de qualquer expert de área epidemiológica, matemática”, diz.
Na decisão, o magistrado considerou participação no processo da Associação Médica de Carajás (AMC) e do Conselho Municipal de Saúde e ambas foram intimadas a se manifestarem sobre a abertura ou fechamento da atividade comercial, limitando-se nas informações técnicas, sobretudo no que diz respeito à estrutura atual do sistema de saúde do município de Parauapebas e a atual evolução da pandemia. Admitiu, ainda, a participação da OAB/PA, já que a história do órgão se confunde com a tutela dos direitos humanos e é o assunto em pauta. (Luciana Marschall)