A maior a crise sanitária enfrentada pela humanidade nos últimos 100 anos tem gerado efeitos em vários segmentos sociais, inclusive na economia, com o aumento do desemprego e a diminuição da renda do trabalhador. No caso do Brasil isso é patente, e Marabá é um exemplo disso. Nesse efeito dominó, aqueles que têm menor renda são os que mais estão sofrendo.
A análise sobre impactos econômicos e sociais do novo coronavírus no município de Marabá, a pedido do CORREIO, foi feita pelo professor Daniel Nogueira Silva, doutor em Ciências Econômicas, do Instituto de Estudos em Desenvolvimento Agrário e Regional (IEDAR), órgão da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).
Daniel Nogueira analisa o aumento da vulnerabilidade entre os já vulneráveis e também aponta possíveis saídas, tanto na área da saúde quanto na economia, tendo como sempre a preocupação com os trabalhadores informais, sobre os quais o peso da crise causada pelo vírus é duas vezes maior, porque lhes atinge a saúde e também a renda.
Leia mais:O professor começa sua explicação, observando que o covid-19 criou um cenário que há aproximadamente quatro meses era impensável. “As fronteiras de diversas nações foram fechadas, países inteiros estão com algum nível de restrição à circulação de pessoas e veículos, há um colapso do sistema de saúde de vários países, além dos sinais evidentes de estarmos à beira da maior crise econômica desde 1929, quando o mundo enfrentou a pior crise do capitalismo global”, ressalta.
No Brasil, já são mais de 100 mil casos notificados e o número de mortos já está acima dos sete mil. Desde o mês de março, vem se adotando em vários Estados e municípios o distanciamento social ampliado, que inclui o fechamento de escolas, mercados públicos, o incentivo ao teletrabalho, cancelamento de eventos e outras formas de aglomeração.
Em alguns locais, como é o caso de Marabá, também foi definida a suspensão de atividades econômicas que por sua essência acabam gerando aglomeração, como lojas, shoppings, cinemas e algumas indústrias.
MARABÁ
Tratando-se especificamente do município de Marabá e sua região de influência, é possível identificar um conjunto de efeitos diretos e indiretos provocados pela pandemia. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), o município de Marabá tinha em 2019 cerca de 36 mil pessoas empregadas formalmente. Sendo que os principais setores a empregar foram: o comércio, com 13 mil pessoas; os serviços, 11,5 mil e a indústria de transformação 4,7 mil.
No que se refere aos trabalhadores que atuam na informalidade, o pesquisador observa que não há dados exatos, por isso ele toma como referência os estudos para outros municípios e também em nível nacional, chegando à estimativa de 21 mil trabalhadores informais atuando principalmente nas áreas de serviço e comércio em Marabá.
Apesar dos efeitos da pandemia se dispersarem na economia com algum grau de uniformidade, a vulnerabilidade social torna os impactos variados em cada grupo diferente de pessoas. Isso quer dizer que o impacto social e econômico do aumento do desemprego irá depender dos níveis de formalidade existentes em cada atividade.
“Para os trabalhadores formais, os impactos negativos do fechamento dos empreendimentos econômicos são amenizados pela estrutura de seguridade social que garante para esses trabalhadores um conjunto de direitos que reduz os impactos em sua renda e consequentemente nas suas condições de vida. Por outro lado, os trabalhadores que não tem assegurado os seus direitos trabalhistas, o que inclui os informais e parte significativa dos trabalhadores autônomos e por conta própria, irão sofrer uma redução significativa da sua renda e, consequentemente das suas condições de vida”.
No caso de Marabá, aproximadamente 36% da força de trabalho, por ser informal, será atingida diretamente pelos efeitos econômicos da pandemia sem possuir nenhum tipo de proteção social. Nessa situação, os efeitos sociais da pandemia se amplificam de forma significativa. “Na ausência de garantias trabalhistas como seguro desemprego e férias remuneradas, esses trabalhadores e trabalhadoras informais ficam completamente desassistidos no momento de crise”, observa.
115 mil vivem com R$ 420
O pesquisador chama atenção ainda para outro grupo que já vem sofrendo com os impactos do covid-19 são as populações que vivem na pobreza e na extrema pobreza, isto é, aquelas pessoas que tem renda de até R$ 420 por mês. Em Marabá, segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico) para o mês de fevereiro de 2020, em uma população de 275 mil pessoas, total do município segundo os dados do IBGE, cerca de 115 mil delas estão nessas condições de renda, o que significa que 41% da população do município vive na pobreza ou abaixo da linha da pobreza.
Nesta lista estão inclusos muitos dos trabalhadores informais, principalmente aqueles que trabalham fazendo pequenos “bicos”, desempregados, crianças e adolescentes. “Diferente dos trabalhadores que empobreceram por causa dos efeitos do covid-19, a vulnerabilidade desses grupos na pobreza já é elevada mesmo antes do contexto pandêmico que vivemos”, explica.
Os dados para o município de Marabá apontam que nesse grupo que se encontra na pobreza, 68,1 mil pessoas não têm acesso à rede geral de distribuição de água, 24,8 mil não possuem água encanada em casa e quase 8 mil vivem em casas sem banheiro. “A ausência de condições sanitárias mínimas na moradia dessas famílias amplifica os efeitos da pandemia, visto que até medidas simples de higiene como lavar as mãos, ficam impossibilitadas”, observa Nogueira.
Essas características citadas demonstram que além da renda ser baixa, essas pessoas sofrem com más condições sanitárias e de moradia, só para citar alguns fatores que aprofundam a situação de pobreza.
“No cenário em que há uma retração econômica causada pelo fechamento do comércio e da indústria, apesar dessas pessoas não trabalharem nesses empreendimentos, já que o nível de formalidade nessa população é menos de 5%, elas são afetadas indiretamente por causa do efeito cascata provocado por essas medidas”, explica o professor.
Situação das crianças e adolescentes pobres
Observando mais de perto a pobreza no município, essa elevada vulnerabilidade atinge outro grupo que apesar de não ser biologicamente tão vulnerável ao novo coronavírus, é diretamente afetado nesse contexto de pandemia, que é o caso das crianças e dos adolescentes.
Para tratar do assunto, o pesquisador usa com base novamente os dados do CadÚnico, onde está registrado que, das crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos do município, 40.769 delas estão em famílias pobres ou extremamente pobres. “Para esse grupo, o principal problema é a fome”, resume.
Segundo informações do Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a principal refeição feita pela maioria dessas crianças é na escola, o que revela uma elevada restrição alimentar enfrentada por elas. “No momento em que as escolas precisam ser fechadas para conter o vírus, é fundamental pensar em políticas para garantir a alimentação dessas crianças e adolescentes, como por exemplo, permitir que as escolas continuem oferecendo refeições mesmo no período em que não estiverem em atividades escolares”, opina Daniel.
Alta de preços se espalha como vírus
Além dos efeitos no emprego e na renda e nas populações pobres, há também o efeito nos preços dos produtos básicos. De maneira geral, explica Daniel, a queda da renda e do emprego provocou a redução na demanda de diversos bens, o que gerou uma redução na inflação. Segundo os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) para o mesmo de abril, a prévia da inflação nacional ficou em -0,01%.
“Contudo, quando se observa grupos de produtos específicos, o que inclui produtos alimentícios e de higiene pessoal, existe uma tendência de aumento nos preços, o que inicialmente parece contraditório, isto é, como a inflação pode cair enquanto o preço de alguns produtos no supermercado aumenta?”, questiona.
Segundo ele, essa aparente contradição é explicada partindo do próprio conceito de inflação. O Banco Central, conforme explica o professor, define inflação como uma medida de preços de uma cesta de produtos. Nessa cesta, inclui tanto itens de consumo básicos quanto bens de conforto e mais sofisticados.
“O que acontece nesse contexto de pandemia é que os bens de conforto e sofisticados tiveram uma redução na demanda e nos preços, o que puxou a inflação para baixo, enquanto os itens básicos tiveram um aumento. Assim, na média, a cesta de consumo usada para medir a inflação ficou mais barata, apesar de alguns produtos dentro dela estarem, evidentemente, mais caros”, argumenta. Cabe destacar, segundo ele, que esse impacto no preço dos produtos básicos aprofunda ainda mais o problema que a pandemia tem gerado no emprego e na renda, visto que, além das pessoas estarem financeiramente mais pobres, os produtos que elas precisam comprar ficaram ainda mais caros.
O que pode ser feito diante do cenário caótico?
Nesse cenário que se desenha, não há como negar que os efeitos da pandemia do covid-19 não se restringem apenas à saúde. “A economia do município de Marabá sofrerá grandes impactos, sendo que as populações que já são vulneráveis sofrerão de forma mais intensa. A questão que surge é o que fazer nesse cenário”, questiona o professor.
Ele mesmo dá a resposta, observando que, em um nível particular, para as pessoas que podem manter o isolamento social, ficar em casa é a melhor estratégia para conter a propagação do vírus e contribuir para passarmos rápido por esse momento.
“Para aquelas que não possuem a alternativa de ficar em casa, as medidas de higiene como utilizar máscaras e álcool em gel, lavar as mãos, manter distância das demais pessoas, são as ações que reduzem significativamente a capacidade do vírus se espalhar”, ensina.
Contudo, ele pondera que essas medidas atuam apenas nos impactos que o covid-19 provoca na saúde. É fundamental também tomar medidas voltadas para reduzir os impactos sociais e econômicos gerados pela pandemia.
Na esfera federal, o professor reconhece que algumas ações foram adotadas, como o pagamento do auxílio no valor de R$ 600, mas ele entende que é necessário ser feito mais, diante do quadro de tamanha vulnerabilidade de setores da população.
“No nível do governo municipal, além das medidas que já estão sendo feitas, uma das ações que pode ser adotada aqui em Marabá é a organização de um Gabinete de Crise. Esse espaço deve contar com representantes da secretaria da saúde, dos hospitais, da defesa civil, das entidades representativas do comércio e da indústria, dos trabalhadores, da ciência, de modo a pensar em ações conjuntas de combate ao covid-19 que esteja atenta aos impactos no sistema de saúde, mas sem deixar de observar a condição das populações social e economicamente mais vulneráveis”, opina o pesquisador. Sensível e com uma visão extremamente ampla, Daniel nogueira lembra que existem ainda outros grupos que também são vulneráveis, como os povos indígenas presentes nesse território e as comunidades afetadas pelas enchentes recorrentes no município. Por isso ele entende que garantir proteção social a esses grupos é central para a superação desse momento tão difícil que enfrentamos. (Chagas Filho)