Conviver com uma doença mental pode se tornar um fardo tanto para quem é acometido desse tipo de problema quanto para familiares e amigos, que, muitas vezes, também podem desenvolver distúrbios emocionais devido à preocupação com o ente querido. Para esclarecer melhor esse assunto, a reportagem do CORREIO entrevistou o médico psiquiatra Hermes Mariano de Almeida Prado, que atende dezenas de pacientes no Centro de Atenção Psicossocial de Marabá (CAPS). Ele explica que o profissional da área de Psiquiatria é responsável por fazer um diagnóstico mais preciso, pois além de fazer a avaliação psíquica também avalia o paciente fisicamente, identificando os possíveis problemas clínicos que estejam alterando o comportamento.
É também o médico psiquiatra quem pode prescrever remédios como calmantes, ansiolíticos, antidepressivos, antipisicóticos, estabilizadores de humor, entre outros, a partir de exames clínicos. Segundo o Dr. Hermes Prado, um bom tratamento não é feito somente com medicamentos, é necessário também que o paciente tenha suporte emocional, através do acompanhamento profissional.
Ainda de acordo com o médico, também é necessário passar por uma avaliação, que deve ser individual, para que o tratamento seja adequado à doença identificada durante a consulta.
Leia mais:A reportagem do Correio selecionou alguns distúrbios mentais e emocionais para que o psiquiatra explicasse sobre os principais sintomas de cada caso, o que segundo o Dr. Hermes Prado é fundamental para evitar que a doença evolua para um nível mais grave.
Autismo
É um transtorno de desenvolvimento grave que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir. Se manifesta precocemente, segundo o Dr. Hermes, e já existem estudos que apontam a possibilidade de diagnóstico em crianças com 8 meses de vida. Entretanto, de forma geral, os profissionais da área mantêm o parâmetro já adotado de que o diagnóstico pode ser apontado com segurança até os 3 anos de idade.
“É um transtorno do desenvolvimento lobal. Então, ele afeta principalmente a área das relações interpessoais. Uma pessoa com autismo não consegue entender a linguagem não verbal, além da ausência do contato visual. Ela vive num mundo particular e isso altera os relacionamentos. Geralmente, uma criança com um grau de autismo muito desenvolvido não vai ter interesse em brincar com outras crianças e, muitas vezes, os pais se sentem mal porque não têm um retorno de carinho. Acaba sendo uma doença muito difícil porque o autista não consegue demonstrar afeto”, explica.
Outra característica dessa doença é o déficit de atenção, o que também pode ser percebido no comportamento das crianças. “O mais comum é a gente encontrar o autismo com um grau de retardo mental, que é a capacidade cognitiva diminuída. Então, a gente vê muitos autistas com déficit de aprendizado até porque eles demonstram pouco interesse em aprender”.
Esquizofrenia
É uma doença que afeta o conteúdo do pensamento e, consequentemente, a maneira do indivíduo interpretar e sentir as coisas, causando visões incompatíveis com a realidade.
De acordo com o Dr. Hermes Prado, “há a presença de delírios, alucinações, risos imotivados, alteração súbita de comportamento porque essas pessoas apresentam um universo particular, coisas que realmente não existem e, em virtude disso, elas acabam tendo comportamentos, hábitos e uma sociabilidade diferente das pessoas consideradas como normais”, explica.
Ainda de acordo com o médico, essa doença psicótica pode se desenvolver em qualquer idade a partir da adolescência, sendo mais comum em homens a partir dos 14 anos e nas mulheres a partir de 20 anos de idade. O médico alerta ainda para os danos causados pelo uso de álcool e outras drogas.
“Se a criança tiver a chance de desenvolver esquizofrenia, ela apresenta alguns comportamentos. Geralmente são crianças medrosas, que têm poucos amigos, que vivem na barra da saia da mãe, que vivem em um universo particular. (Com elas) é preciso ficar atento quanto ao uso de drogas na idade adulta”, afirma o psiquiatra, ressaltando que já existem estudos em andamento para identificar se substâncias entorpecentes podem causar a esquizofrenia.
Essa correlação entre o uso de drogas e a doença se dá porque substâncias entorpecentes podem causar um efeito de psicose, que é passageira e em algumas semanas de abstinência desaparece. A preocupação dos profissionais de Psiquiatria é com a possibilidade de o uso de drogas despertar a esquizofrenia antes do momento em que ela inevitavelmente apresentaria sintomas.
Transtorno Bipolar
Pacientes acometidos por esse distúrbio apresentam problemas que alteram o humor. Segundo o Dr. Hermes Prado, se caracteriza pela variação entre o aumento e a diminuição de energia, que pode ser física e também psíquica.
“A pessoa fica mais animada, com o pensamento acelerado, ela vai querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo, por isso apresenta comportamentos compulsivos como comprar demais, ir a muitas festas, namorar demais. Com o passar do tempo, depois de ficar muitos dias sem dormir, ela pode ficar irritável, com sintomas psicóticos, achar que ela tem um dom específico, ou um poder que não condiz com a realidade dela, achar que é muito rica, por exemplo. E uma coisa muito importante é que isso não dura um dia, a elevação acontece e se sustenta por algumas semanas e as vezes até meses. São frequentes as internações psiquiátricas por quadro de transtorno bipolar durante a fase de euforia, então não é simplesmente estar feliz ou triste”, explica.
Ainda de acordo com o psiquiatra, quando ocorre a mudança de humor a pessoa tende a fazer exatamente o oposto da fase de euforia. “A outra fase é a depressiva. A pessoa dorme mais, a mente está mais desacelerada, mais indisposta, (por isso a pessoa) fica mais triste, o nível de concentração fica ruim, a parte psicomotora fica mais lenta e podem ocorrer pensamentos de morte, de desistir da vida, de incapacidade, de culpa”, afirma o médico, ressaltando que é necessário fazer uso de medicação e de psicoterapia para controlar a oscilação de humor do paciente.
Prescrição de medicamentos
O tratamento é responsável por controlar e até suavizar os sintomas das doenças mentais, mas não cura nenhuma delas, conforme explica o médico Hermes Prado, que ressalta a importância de se fazer uma avaliação individual com um profissional, pois uma pessoa pode desenvolver mais de uma doença emocional ao mesmo tempo.
“Para quadros mais graves a orientação é procurar um médico psiquiatra mesmo, para ter o diagnóstico mais preciso. É muito comum na Psiquiatria um paciente ter mais de um diagnóstico, então a gente medica as duas coisas”, disse, informando que se prescritos inadequadamente os medicamentos podem melhorar um quadro de saúde, mas piorarem o outro.
Família e amigos
É possível conviver bem com qualquer distúrbio mental, desde que a pessoa faça tratamento, mantenha bons hábitos de vida e tenha apoio, principalmente de familiares, conforme explica o psiquiatra Hermes Prado.
“A gente precisa entender a saúde como um bem-estar físico, mental e social. Não tem como separar o corpo da mente. A família precisa ser acompanhada e, muitas vezes, o familiar também sofre, precisa de tratamento junto. Mas, de maneira geral, é acolher essas pessoas, ter paciência e procurar entender, conhecer. Eu costumo falar que a psicoeducação é a melhor alternativa para a família e para o próprio paciente. Quando a gente entende do problema, lê, conhece, participa de grupos, a gente começa a aceitar melhor as coisas. Tudo que a gente não conhece ou tem medo ou tem preconceito”, afirma o médico, lembrando da importância que tem o paciente ter uma rotina com alimentação adequada, hidratação durante o dia, prática de exercício físico, horário fixo para dormir, além de evitar ao máximo o uso de drogas.
Suicídio
Segundo o psiquiatra Hermes Prado, nem toda pessoa que tira a própria vida tem um problema de ordem psiquiátrica. Contudo, os pacientes psiquiátricos têm maior probabilidade de cometer suicídio devido ao alto grau de impulsividade e o risco de ocorrência pode ser indicado na avaliação feita por um profissional.
“O isolamento é péssimo para a saúde mental, para os relacionamentos interpessoais. O ser humano é um ser social, então ele precisa estar aberto. Sempre se comunicar, trocar, não pode se fechar. Tanto que o isolamento é um sintoma da maioria dessas doenças”.
A reportagem questionou o médico sobre a alta ocorrência de tentativas de suicídio registrada nas pontes de Marabá. Segundo ele, esse aumento pode estar ligado à maneira com que o fato é divulgado, principalmente nas redes sociais. “Eu acho que é porque se divulga nas mídias. Principalmente, essa replicação de (tentativas de suicídio de) pessoas famosas, mostrando detalhes de como foi feito, outras pessoas tendem a repetir”.
Como ajudar
Pessoas que sofrem com doenças emocionais precisam alimentar o autocuidado, que só é possível através da aceitação, conforme explica Hermes Mariano.
“A pessoa pode se ajudar aceitando que ela tem um problema, não (precisa) ter vergonha. Muitas vezes o preconceito vem do próprio paciente, então tem que quebrar algumas crenças sobre a saúde mental. É comum a todos querer interromper a dor, mas o que a gente tem que ter em mente é que na nossa vida tudo é cíclico, tudo está em constante mudança o tempo todo. O sofrimento não é diferente, eu costumo falar isso para os meus pacientes: você está sofrendo agora, mas isso vai passar, não vai durar para sempre”, finaliza.
Saiba mais
Médico psiquiatra, Hermes Mariano de Almeida Prado cursou a graduação Universidade São Francisco (USF) em Bragança Paulista, entre 2002 e 2007. Realizou a residência médica em Psiquiatria na Faculdade de Medicina do ABC, 2009 e 2011. Natural de Jales (SP), morou em Marabá durante a infância, pois seu pai se mudou para a cidade em 1979. No início de 2013, Hermes retornou em definitivo para Marabá.
(Texto: Fabiane Barbosa / Reportagem: Josseli Carvalho)