No longínquo ano de 1983, o Jornal “Correio do Tocantins” estampava em sua edição de estreia a seguinte manchete: “Querem dividir o Pará – Projeto na mesa do ministro”. Uma olhada à primeira vista indicaria que se trata da criação do Estado de Carajás, que dominou o noticiário mais recentemente, mas não é o mesmo desenho. O jornal “manchetava” em sua primeira tiragem a criação do Estado do Tocantins, que mais tarde seria criado mesmo, só que sem mexer no território paraense.
Mesmo assim, como se sabe, a ideia de redivisão territorial do Pará, que estampou a primeira capa do CORREIO, é um debate que se estende até hoje e que teve vários capítulos, todos eles visibilizados pelo maior jornal do interior do Estado.
Um fato histórico que revela isso foi o 1º Seminário dos Vereadores do Sul do Pará, realizado entre os dias 6 e 11de março de 1989, quando foi criada a Associação de Vereadores do Sul do Pará (Avespa), que alguns anos depois se transformou na União dos Vereadores do Sul e Sudeste do Pará (Uvesspa).
Leia mais:O seminário tinha, entre outras coisas, o objetivo de dar nome ao novo Estado e, até então, o professor José Brandão defendia o nome de Itacaiúnas, em homenagem ao rio Itacaiúnas e aos estudos dos geógrafos João Segadas Viana e Mário Augusto Teixeira de Freitas, que nas duas primeiras décadas do século passado propuseram criar na região o Departamento do Itacaiúnas.
O atual presidente da Comissão Brandão, José Soares de Moura e Silva, sugeriu no momento o nome Araguaia, já que naquela época estava-se concluindo a criação do estado do Tocantins e com a criação dos dois novos estados (caso também houvesse a divisão do Pará), os nomes das novas entidades federativas seriam uma referência aos rios Tocantins e Araguaia. “Seriam dois Estados irmãos”, destaca documento da Comissão Brandão.
Por outro lado, o vereador Miguelito, então presidente da Câmara Municipal de Marabá, propôs o nome Carajás, em homenagem à província mineral de Carajás, que era mundialmente conhecida como a maior e mais completa província mineral do planeta. Os três nomes foram colocados em votação, para que os presentes no seminário decidissem, e foi aprovado o nome Carajás.
Depois disso, os trâmites legais para a criação do Estado foram iniciados por meio de projetos de lei, até que, em novembro de 2011, aconteceu o plebiscito para criação do Estado do Carajás, eleição aguardada por todo o Pará e que ganhou novamente as principais páginas do Jornal CORREIO, que se apresentava como “o Jornal de Carajás”, deixando claro o engajamento do jornal com a luta por emancipação.
NÃO DEU
Os eleitores do sul e sudeste do Pará deram seu recado e 93,87% foram a favor da criação do Carajás, enquanto apenas 6,13% se opuseram. Mas a criação não ocorreu porque mais de 94% do eleitorado de todo o Pará votou contra, uma vez que o número de eleitores desta região é bem menor do que o do Estado inteiro.
Depois disso, a Comissão Brandão lançou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) e começou a coletar assinaturas de eleitores favoráveis à divisão do Pará. No ano seguinte, a Prefeitura Municipal de Marabá, o deputado federal Asdrúbal Mendes Bentes (PMDB), a deputada estadual Bernadete ten Caten (PT) e a Comissão Brandão deram entrada em Ação Rescisória, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2650, no Supremo Tribunal Federal, contra o presidente da República Federativa do Brasil e o Congresso Nacional por, segundo eles, violarem dispositivos constitucionais, já que, no entendimento dos requerentes, em termos gerais, não permitiram a delimitação da votação do plebiscito apenas nas regiões que propuseram a criação de novos Estados.
POR QUE SE EMANCIPAR?
Toda essa saga foi acompanhada pelo Jornal CORREIO, sempre presente e se colocando como tribuna do povo e de seus representantes. E nesse particular, cabe agora também refletir sobre o porquê dessa irrefreável necessidade de emancipação por parte dos moradores desta região.
Mestra em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia, a professora Flávia Lisbôa, da Universidade Federal Rural do Pará (UFRA), detalha em sua dissertação de Mestrado que muitos discursos dos sujeitos envolvidos no início da proposta de criação do Carajás podem ser reconhecidos como discursos fundadores, que são reformulados no decorrer do tempo até chegar ao plebiscito, produzindo uma rede discursiva. “Entre esses discursos fundadores, destacamos o do abandono e o da intolerância”, diz trecho do documento científico.
Mas há também outras questões, como observa o historiador Magno Braga, doutorando pela universidade de Coimbra, em Portugal, profundo conhecedor das dinâmicas que atravessam os municípios encravados na Transamazônica.
Para ele, o sudeste/sul do Pará é um pêndulo, o que faz com que os discursos de emancipação direcionem para um lado e para outro. Do ponto de vista humano, segundo Braga, esta é uma região que nunca se identificou com o Pará/Belém, ao mesmo tempo é uma região onde é difícil encontrar uma população representativa como identitária da região, embora observa que toda identidade é fluida. “Do ponto de vista humano (no sul e sudeste do Pará) não existe uma identidade consolidada”, reafirma.
Há muitos maranhenses, mas também tem muita gente de outros lugares do nordeste, do Estado do Tocantins, assim como do sul e sudeste do país. Ao mesmo tempo é uma região riquíssima do ponto de vista de recurso natural. “Hoje em dia o olhar para a região como algo a ser explorado é um dos maiores pesos no atual discurso de emancipação”, alerta. (Chagas Filho)