Por trás da frieza dos números que apontam uma queda na taxa de desemprego, um drama silencioso se desenrola no Pará. No segundo trimestre de 2025, o estado registrou 207 mil pessoas em situação de desalento – cidadãos que, após inúmeras tentativas frustradas, simplesmente desistiram de procurar uma vaga no mercado de trabalho. Embora o número represente uma queda de 5,9% em relação ao ano anterior, ele lança luz sobre um problema social complexo e multifacetado.
A situação paraense se insere em um contexto mais amplo. Em todo o Brasil, 6,3 milhões de pessoas estão desempregadas, e outras 2,8 milhões se encontram em desalento, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A região Norte, com uma taxa de desemprego de 6,5%, é a segunda mais afetada do país, ficando atrás apenas do Nordeste, que lidera com 8,2%.
Everson Costa, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese/PA), ressalta a importância de olhar para além das estatísticas. “Por trás dos números, há um trabalhador com uma história, uma falta de oportunidade. Essas estatísticas merecem atenção e adequação aos tempos em que vivemos”, afirma.
Leia mais:A busca incessante por uma oportunidade de trabalho, marcada por negativas e processos seletivos exaustivos, cobra um preço alto da saúde mental. A psicóloga Mônica Cristina explica que a jornada de recolocação profissional pode gerar sentimentos de tristeza, raiva, ansiedade e desesperança.
“A repetição de negativas abala a autoconfiança e pode desencadear quadros de ansiedade e crises nervosas”, alerta a psicóloga. Ela aponta que barreiras como limite de idade, endereço, maternidade e a exigência de experiências muito específicas acabam por excluir profissionais competentes, tornando a busca por um emprego um desafio ainda maior, especialmente para mulheres e jovens negros.
Para Everson Costa, o mercado de trabalho ainda é profundamente excludente. “Quando ainda temos um mercado que não tem equidade de gênero, não garante condições corretas, não traz a segurança de entrada no mercado de trabalho para os jovens, por exemplo, não garante a participação de negros com justiça, ainda tem um mercado muito precário”, avalia.
Essa realidade, segundo ele, alimenta o sentimento de desesperança que leva muitos a desistirem. “Você tem uma parcela significativa desse trabalhador que já carrega um estigma e então simplesmente desiste de procurar emprego”, completa.
Iniciativas
Diante desse quadro, diversas iniciativas buscam oferecer novas perspectivas para quem está fora do mercado de trabalho. A Secretaria de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster) do Pará desenvolve o programa “Qualifica Pará”, que visa a inclusão social e produtiva de jovens e adultos em situação de vulnerabilidade. Com a meta de atender 13 mil pessoas em 2025, o programa oferece cursos em áreas como construção civil, transporte, logística, gastronomia, turismo e tecnologias digitais nos 144 municípios paraenses.
Rolando Baptista, da Seaster, destaca a importância da qualificação para resgatar a motivação. “Com qualificação, essas pessoas têm mais motivação para voltar para o mercado de trabalho”, diz. A secretaria também promove feirões de emprego e mantém postos do Sine em bairros mais distantes, como nas Usinas da Paz.
O Sindicato dos Bancários do Pará também tem atuado para auxiliar na recolocação profissional. Tatiana Oliveira, presidente da entidade, conta que o sindicato já promoveu, em parceria com ONGs e movimentos sociais, cursinhos preparatórios para concursos, oficinas de elaboração de currículo e até cursos de pintura para mulheres. “Acreditamos que é papel de todas as instituições promover ações para melhorar a sociedade que vivemos”, defende.
Perspectivas econômicas
Apesar dos desafios, há sinais positivos na geração de empregos na região. Nos primeiros oito meses de 2025, Manaus liderou a criação de vagas formais na região Norte, com um saldo positivo de 16.390 postos de trabalho. Belém vem em seguida, com 8.886 novas vagas, impulsionadas principalmente pelos setores de serviços, comércio, construção e indústria.
No entanto, o economista Nélio Bordalo Filho aponta para um descompasso entre a oferta de vagas e a qualificação da mão de obra. “Há algumas lacunas entre o que o mercado de trabalho está pedindo em termos de competências, escolaridade e especialização, e o que a formação de educação formal, técnica e profissionalizante continuada está entregando”, explica.
(Da Redação, com base em O Liberal)
