Não acho que “meu tempo” de menino seja melhor do que os dias de agora, das coisas apressadas, da era dos smartphones. As comparações não serão justas. Eu fugia de casa para banhar no Rio Itacaiunas a tarde toda; meus filhos fugiam para brincar de videogame na casa do vizinho. E tá tudo bem.
Sim, havia mais rua para moleques e garotas. Com dez anos de idade, cruzávamos quarteirões, sem medo, para ir comprar um Tio Patinhas e a última boneca de papelão na banca longe que fica distante.
Rachávamos no meio da rua e, dificilmente, alguém seria atropelado. Talvez pela bicicleta do barbeiro ou pela carroça d´água ou pelo cavalo do vendedor de panelada e “figo gordo” que cruzava a Antônio Maia em direção ao Marabizim.
Leia mais:Existia a esquina de jogar conversa fora, à noitinha, e só voltar pra casa quando a mãe se esgoelasse no batente, perguntasse por mim na Dona Rosilda, a vizinha que dava conta da vida de todo mundo na Lauro Sodré. “Entra pra dentro, peste! Isso é hora. Vai lavar os pés. Ô cegueira por rua…”. E íamos dormir de rede após uma garapa de limão e bolacha.
Era época de mais terreiros e árvores de se balançar em pneus e trepar goiabeiras. E, lembro, apenas as maçãs, as uvas de caixotes e as peras não davam nos quintais. O resto fazia doce e lama. O que não tinha no quintal de um, sobrava no do outro e assim as vizinhanças compartilhavam até mesmo fruta-pão. Quem não desse de bom grado, recebia uma visita em hora misteriosa no fundo do quintal. Menino dava jeito em tudo.
Por isso, o pé de seriguela de Rosilda era o mais desejado, talvez porque não tínhamos a permissão de pegar os frutos de forma compartilhada. Então, a gente invadia, sim, na calada da noite, sempre pulando a cerca.
Pois bem, gosto do século da bruaca. Do ciclo do pirulito Zorro. Da era da bola Canarinho. Da temporada do Fusquinha. Do reinado da boneca Susi. Do tempo de beber Coca-Cola na boca da garrafa e disputar a tampinha premiada do Walt Disney…
Mas acho que o presente de meus filhos, dos rebentos da era digital, é fascinante. Os dois podem não ter experimentado a rua da infância deles. Já havia o medonho e a televisão ainda era a babá predileta.
E comparações são meio abestadas. Prefiro-os, hoje, bebendo água tratada em vez de canecos do pote. Indo fazer intercâmbio como se viajava para Itupiranga. E como desejei ir estudar fora do Brasil!
Não troco uma conversa de hoje, mesmo afobada, por chineladas, tabefes e açoites com a correia da máquina de costura que mamãe me batia toda vez que jogava futebol no meio da rua com os vizinhos e seu Raimundo Luís dedurava.
E ter um celular? Em vez de comprar fichas e torcer para o orelhão não ter filas nem estar quebrado?
É impagável o WhatsApp, mesmo com tanta besteira e os preconceitos, o irmão dele, Instagram, e o primo, Tiktok, também têm seu valor e não podem ser desprezados numa simples comparação com as tecnologias do meu tempo.
Por falar em intolerância, meninos afeminados no “meu tempo” não tinham vez. Eram baitolas constrangidos no meio da rua e a vergonha dos pais. Jujuba, Vitor Hugo e tantos outros que o digam, meninos e jovem eram apedrejados com palavras, brincadeiras de mau gosto e desenturmação. Ser gay no meu tempo precisava ter muita força mental para encarar um mundo cruel.
Nossa geração deveria voltar no tempo para pedir desculpas a essa gente que sofreu revezes que deixaram marcas para sempre.
Desconfio que o laptop é superior à máquina de escrever, apesar de não ter da carta escrita na tinta. E não acho o shopping melhor do que a Praça Duque de Caxias, mas ando mais neles…
Mas a coisa que mais sinto saudade é do medo que eu nunca tive de assalto ou morte na esquina. Só fantasmas assombravam. Sim, sinto falta do bonito de dar e receber bom dia quando se botava o pé na rua…
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.