Correio de Carajás

REMIT

No estudo da cirurgia geral, um grande tema de interesse é a traumatologia. E não é por menos, trata-se de um quadro de alto volume em pronto-socorros e também grande causa de morbidade e mortalidade.

Além dos aspectos cirúrgicos e de manejo, devemos ter sempre em mente a REMIT (Resposta Endócrino-Metabólica ao Trauma). Um estudo negligenciado desse tema pode acarretar piores desfechos aos nossos pacientes.

Sempre que ocorre uma agressão ao organismo humano, qualquer que seja a causa ou mecanismo, desencadeia-se um complexo conjunto de respostas que são iniciadas imediatamente, necessárias para manter a homeostase e a vida.

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Se o processo que levou à lesão tecidual é de pequena intensidade, a resposta endócrina e imunológica tende a ser temporária e a restauração da homeostase metabólica e imune prontamente ocorre. No entanto, em pacientes vítimas de trauma extenso, a resposta à agressão sofrida pode ser exacerbada, causando disfunção orgânica e aumentando os riscos de mortalidade.

E necessário, portanto, que o cirurgião esteja familiarizado com os eventos endócrinos, metabólicos e imunológicos que ocorrem no organismo do paciente submetido a intervenções cirúrgicas e indivíduos que sofreram grandes traumas, para que esses eventos possam ser evitados ou manejados corretamente.

Segundo Antonio Robson e Juarez Jucá, para que a resposta ao trauma ocorra é necessária a integração e a sincronização de três elementos fundamentais: o Sistema Nervoso Autônomo, o Hipotálamo e a Hipófise.

A porção aferente Sistema Nervoso Autônomo capta o estímulo dos nociceptores e leva a informação até o Hipotálamo que será o grande coordenador da REMIT. Por sua vez, a porção eferente, após a resposta do hipotálamo, será responsável pelo estímulo da produção de hormônios contrarreguladores que ajudarão a gliconeogênese.

O estresse metabólico, ao qual qualquer indivíduo é submetido em todo contexto de insulto, seja ele traumático ou cirúrgico, respeita um padrão de resposta fisiológico. No contexto do trauma, entende-se que a resposta ao estresse é, em sua maioria, dividida em três fases de elevada importância: Fase EBB, Fase Flow e Fase Anabólica.

Fase de refluxo (EBB): nessa fase, temos um quadro hipodinâmico, no qual o corpo humano limita a perda sanguínea e reduz a perfusão aos órgãos periféricos dando preferência aos órgãos vitais. A fase EBB ocorre imediatamente após o trauma, caracterizando-se por uma franca instabilidade hemodinâmica.

Representada por hipovolemia, hipotensão, diminuição do fluxo sanguíneo, aumento da resistência vascular sistêmica, além de aumento da insulina, de catecolaminas, e de gluco e mineralocorticoides circulantes, esgotamento do glicogênio hepático, distúrbios no transporte de oxigênio para as células, e aumento do consumo de oxigênio.

Nessa fase, apesar do aumento nos hormônios contrarreguladores, é marcada por hipometabolismo. Após esse período, inicia-se a segunda fase. A fase Flow, simbolizada por uma retenção hídrica, aumento da permeabilidade vascular, diminuição da resistência vascular, sistêmica, com aumento crescente das catecolaminas, glicocorticoides, produzindo hiperglicemia e proteólise. Nessa fase o hipermetabolismo é encontrado.

Fase de fluxo (Flow): já nessa outra fase, temos um estado hiperdinâmico, no qual há aumento do fluxo sanguíneo, com objetivo de remoção das escórias e permitir a chegada de nutrientes para reparação de eventuais lesões.

Fase de recuperação (anabólica): essa última fase é o processo pelo qual o ser humano passa para retorno ao seu nível anterior ao trauma. Após o término da fase Flow, inicia-se a fase anabólica que, dependendo da intensidade do trauma ou do procedimento cirúrgico pode levar meses para ser concluída.

Os hormônios que estavam elevados voltam gradativamente aos níveis séricos normais. Ocorre o anabolismo proteico, seguido do anabolismo lipídico. Os pacientes nessa fase tendem a recuperar o seu peso habitual que foi perdido durante a fase catabólica. Esse tema prossegue na edição na próxima edição de terça-feira.

* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.