Correio de Carajás

Moradores do São Félix enfrentam crise judicial: pagamento de milhões ou desocupação

Processo envolveu 137 réus e se arrastava desde 1986, quando foi ajuizado devido a uma invasão de uma área do falecido Aurélio Anastácio de Oliveira_

Atualmente, mais de mil pessoas vivem nas redondezas e seriam afetadas com a desocupação - Fotos: Evangelista Rocha

Os moradores das avenidas Tiradentes e General Zacarias Assunção, no bairro São Félix, em Marabá, estão enfrentando uma crise profunda relacionada à documentação de seus imóveis e a um processo judicial que ameaça a estabilidade de suas residências.

Muitos habitantes, que ao longo dos anos transformaram terrenos em lares, agora se veem em meio a um impasse jurídico que demanda pagamento de valores milionários ou a desocupação de suas propriedades.

O processo, que começou em 1986, envolveu uma disputa legal sobre a posse de terrenos no bairro e foi decidido em 2018 a favor do espólio de Aurélio Anastácio de Oliveira, revertendo uma decisão anterior que havia beneficiado os moradores. A fase atual do processo exige o cumprimento da sentença, com notificações que apontam pagamentos que podem somar milhões de reais. Este cenário gerou grande apreensão entre os moradores, que agora se mobilizam para buscar uma solução e pressionar os poderes públicos a intervirem.

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Em uma reunião marcada para esta segunda-feira, às 18 horas, na Praça dos Sonhos, a comunidade pretende discutir a situação e exigir uma resposta das autoridades que, segundo eles, ainda não tomaram medidas efetivas para resolver a crise que afeta a vida de milhares de residentes.

E AGORA?

Ivoneide Pereira, residente em terreno onde está sofrendo ordem de desocupação desde os 17 anos, detalha sua experiência. Ao Correio de Carajás, a mãe de família explica que recebeu o terreno como doação de seus pais, que vieram do Maranhão. Com a venda de duas vacas recebidas dos pais, Ivoneide comprou o terreno por R$ 300 em 2000 e, agora, precisa pagar R$ 900 mil ou sair do lugar que conhece a maior parte da vida como lar.

Ivoneide Pereira diz que estão lhe cobrando R$ 900 mil pelo terreno onde mora

“Na época, o local estava em condições precárias, mas, ao longo dos anos, eu e meu esposo construímos uma casa com dois cômodos e melhoramos o terreno. Mas, devido à quantidade de tempo, nós não temos a documentação”, relata. Ivoneide acrescenta que, apesar de ter residido no local por mais de duas décadas, enfrenta dificuldades para comprovar sua posse.

A situação foi agravada por um episódio em que um oficial de justiça, segundo ela, exigiu de maneira brusca a assinatura de um documento, o que gerou questionamentos sobre a legalidade e a abordagem do oficial. Ivoneide expressa frustração com a falta de apoio do poder público e compara sua situação ao abandono de jogadores por um técnico de futebol.

“Quem daqui vai ter essa quantidade de dinheiro? Se nós pudéssemos pelo menos entrar em um acordo de um valor justo e pagar parcelado…”, sugere.

HÁ 38 ANOS

Gabriela Rodrigues, advogada e residente do bairro, acrescenta uma perspectiva jurídica sobre o problema. Ela explica que o processo que afeta a comunidade já transitou em julgado e está em uma fase onde não cabe mais discussão sobre documentos, posse ou propriedade, pois essas questões foram decididas anteriormente.

A advogada Gabriela Rodrigues afirma que muitas pessoas não estavam cientes do processo e por isso foram pegas de surpresa

“Muitas pessoas não estavam cientes do processo, que envolveu 137 réus e se arrastou desde 1986, quando foi ajuizado devido a uma invasão. Em 2018, a decisão favorável aos moradores foi revertida em benefício dos herdeiros pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará. A fase atual do processo envolve a execução da sentença, com notificações exigindo pagamentos significativos por imóveis, benfeitorias realizadas, aluguel dos últimos cinco anos e honorários advocatícios”, informa.

Gabriela levanta que os valores cobrados chegam a milhões de reais, o que está gerando grande apreensão entre os moradores, muitos dos quais não têm condições financeiras para arcar com tais quantias. A advogada também menciona a percepção de que o problema está sendo politizado, especialmente por se tratar de um ano eleitoral, e recomenda que os moradores procurem orientação jurídica ao receberem notificações.

CASAS E COMÉRCIO

Vismar Silva, proprietário de uma empresa na Avenida Getúlio Vargas, relata sua experiência com a notificação recebida recentemente. Ele recebeu a documentação no último sábado (14), com uma segunda entrega marcada para esta terça-feira, 17, já que não estava no local no momento. O valor total cobrado do comerciante é de R$ 900 mil, abrangendo locação, valor por metro quadrado e honorários de sucumbência.

O comerciante Vismar Silva também precisa desembolsar R$ 900 mil para manter sua empresa no local

O processo, que começou em 2004 e foi judicializado em 1986, avançou lentamente até que a decisão favorável aos moradores foi revertida em 2018. Vismar expressa frustração com a lentidão do sistema judicial e a falta de medidas eficazes por parte do Ministério Público e do governo.

“A gente está tentando montar uma estratégia com a ajuda de advogados, mas enfrentamos grandes desafios, considerando especialmente a situação financeira dos moradores, muitos dos quais são assalariados ou recebem aposentadoria e benefícios sociais”, finaliza. (Thays Araujo)