Ela sofria. Ainda não tinha botado corpo de moça. No Colégio Pequeno Príncipe, na Folha 32, a puberdade não havia chegado no tempo certo pra Clara. E pensou, por uns meses, em deixar de ir às aulas e só volver, quando o corpo tomasse jeito de mulher. Caso não, largaria de vez o terceiro ano científico e mandaria às patas o vestibular. Seria, talvez, isso a razão do encruamento. Enquanto queimava as pestanas, as outras dobravam as meinhas com os fundos nas ventas dos franguinhos.
Alimentava, por demais, as vontades de se botar aos esfregas. Mas lhe faltava o enxerimento das atiradas. Além do mais, se angustiava. Haveriam de se roçar em quê? Peitos lisos, corpo mirrado, mãos nada atrevidas. Era moça na idade, porém corava ao ouvir falar da regra atrasada de algumas. Então mentia e confirmava, meio sem cara, que a dela era fidelíssima.
Escondia da mãe, vinha tomando há meses reguladores milagrosos. Receitava-se dos que prometiam resolver a aridez. Faria chover. Embora já tivesse bebido frascos e frascos dos que controlavam o fluxo em demasia. Sentia a falta de resmungar como as outras, de sentir os seios apertarem, as pernas pesarem chumbo e de amaldiçoar a pontada incômoda no pé da xiranha enquanto a coisa não descia.
Leia mais:Usava até absorvente para impressionar no banheiro e não despertar perguntas embaraçosas. Contava pelas luas das outras os dias em que deveria mostrar volume. Ciclo. Horas de suplício durante os minutos do xixi e na volta da educação física quando esperava um bocado pra tomar banho sozinha.
Porque pelos também nunca houve, não desfilava sem roupas nem deixava à mostra os sovacos. Cansada de esperar, amanheceu de outro jeito. Alterada das coisas. Dos tufos arrancados da moita aloirado, fez nascer porções entre as virilhas. Coladas no grude de goma e depois fixadas com superbonder. Verdade. Daí, satisfez até o desejo de ver os sabonetes entulhados de pentelhos. Falsos.
Mas um dia Clara teve a menarca e ficou de sinal vermelho de verdade. Demorou, mas chegou. Já tinha passado dos 16 e o fato não pôde ser festejado com amigas porque o anúncio falso tinha sido dado lá atrás. Ela sentiu, de verdade, o que era “estar de bode” e todos os incômodos que vêm com ele. Precisou de tempo para aprender a conviver, de fato, com as síndromes físicas e emocionais da TPM.
Quando se viu moça, aos 18, teve o primeiro namorado e soube, desde então, que precisava aplacar a pressão pela cama. Já na faculdade, encontrou um menino levado no tapiri da UFPA e com ele desceu, a pé, a ladeira que dava para o motel lá perto da rodovia. Mas não teve coragem de consumar o ato. Sonhava casar virgem.
Na Facu, todos sabiam que a menina entrou virgem, mas não sairia na mesma condição. Os garotos que descobriram que Clara era “lequinha” passaram a se aproximar fingindo sentimentos e fazendo propostas para tirar a virgindade. Houve aposta entre os mais galanteadores, que tentaram passar a noite com Clara para tê-la como prêmio.
Uma semana antes de apresentar o TCC ela chegou na sala com convites para o casamento. Ninguém acreditava. Como ninguém viu esse namorado. O que era sonho de menina se transformou em baile. E desdizendo Drummond, ela provou que o amor pode esperar, sim. Quase desistiu e deixou pra lá. Diferente de dezenas de moças que conheço, Clara assumia que queria se casar na tradição. Matar um boi, convidar todo mundo, ser feriado (e até chover). Ter no rosto um véu, carregar buquê, atrasar uns minutinhos, entrar de branco e ser cortejada aos pés do altar.
Fui ao casamento dela, mas anos depois confessou que teve um embaraço na noite de núpcias. O preservativo ficou dentro da vagina e precisou ir ao médico para retirá-lo, porque estava no colo do útero. Apesar de envergonhada, o fenômeno da camisinha perdida se repetiu nas quatro semanas seguintes, até Clara engravidar no segundo mês de casamento.
Este ano, desejo ir a mais casamentos e menos enterros. Chorar só se for de besta por causa dos amores encontrados, das juras, do que deu certo e se juntou.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.