Correio de Carajás

A berinjela fora do sistema e o curso de escrita afetuosa

Bendita berinjela, você já enganou muita gente por aí, que acha que se escreve seu nome com G, ao invés de J. Já vi muita coisa “errada” por aí, mas nada que se aproximasse do dilema da moça do caixa de um supermercado às margens da Rodovia Transamazônica, ao lado de um posto de combustível.

Minhas compras eram poucas, três itens apenas. Mas demorei 20 minutos no caixa porque ela não conseguia confirmar o nome do item no sistema do computador a sua frente. Escrevia Beringela, não aparecia nada e ela apagava. Tentava de novo, punha um N depois do primeiro E, e tudo voltava à estaca zero.

E depois de várias tentativas, veio a gerente para ajudar. Eu fiquei quieto e certo de que agora eu conseguiria pagar. Mas não consegui. A gerente cometia os mesmos erros na digitação e fiz de conta que eu não era professor de Língua Portuguesa e nem jornalista. Não quis dar uma aula de português e nem explicar logo como se escrevia o nome do bendito legume.

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Por fim, as duas deram-me a desculpa que não estava cadastrada no sistema e fiquei com vergonha de tentar digitar a forma correta. Passei os outros itens e vazei dali, antes que vissem minha foto na crônica do jornal, que estava ali do lado para vender.

Eram 7h40 e a gente não tem que parecer melhor do que os outros, sabichões. Certamente vão tentar encontrar no sistema como o produto está cadastrado.

Dizem que quem gosta de escrever deve estar em constante autoverificação para não perder a mão.

E por falar em escrever e já mudando de assunto, na semana passada participei de um curso de escrita afetuosa on-line. Eu Já conhecia a professora. Ela tem um livro sobre como se encontrar na escrita.

Éramos onze aspirantes. Dez mulheres e eu. Inicialmente, pensei que tivesse me equivocado de turma, mas foi mera coincidência a exclusividade feminina. As colegas eram jornalistas, especialistas em moda, empresárias e profissionais de diversas atividades que lidavam com comunicação escrita. Cada uma com sua bagagem, histórias e, claro, um pouco de receio. Porque, afinal, expor nossas palavras é expor nossas almas, e isso não é tarefa simples.

Nos exercícios de escrita, um dos mais reveladores é aquele em que devemos descrever um objeto simples – uma caneca, um par de óculos, um livro antigo – e, de repente, nos vemos desvendando universos inteiros. A caneca se transforma em uma herança de família, os óculos são a chave para um mundo de descobertas, e o livro antigo… ah, esse carrega segredos de gerações. Tudo depende da perspectiva e, claro, do afeto com que tocamos cada palavra.

No caso, o proposto foi escrever, em dez minutos, a partir de uma foto de tangerinas, que por lá chamam de mexerica. Escrevi assim: “Ela gostava mesmo era de falar dos outros. ‘Não falo de ninguém’, dizia, ‘só faço constatações’, justificava. Seu apelido era ‘língua de trem’, numa alusão à extensão das linhas ferroviárias. Foi assim a vida inteira. Sua rotina era ficar na janela vendo o tempo e as pessoas passarem. A partir daí, criava suas teorias. ‘Dona Idália está toda pronta. Fez cabelo e unha. E está andando diferente. Certamente vai se encontrar com aquele caminhoneiro que semana sim, semana não, vem deixar a carga de leite das fazendas.’ A língua de trem não poupava ninguém. Nem o padre, aquele que vive nas redes sociais, escapava. ‘Hum, batina nova… foi só correr a notícia que o Bispo vinha visitar a paróquia que já começou a se enfeitar.’ Língua de trem era seu apelido. Até que chegou um paulista e mudou para ‘mexerica’, porque ela só fazia mexericos. E era gordinha e meio amarelada. Só não cheirava bem.”

E então vêm os feedbacks. Aquele momento em que compartilhamos nossos textos e, com um pouco de sorte e muita coragem, ouvimos o que os outros têm a dizer. É aí que o curso brilha. Porque a crítica, quando feita com ternura, é um presente. Aprendemos que nossos erros não são falhas, mas sim oportunidades de crescimento. E, ao ouvir as palavras dos colegas, encontramos novos ângulos, novas formas de ver o mundo e, quem diria, de ver a nós mesmos.

Espero conseguir afeto suficiente para um dia perguntar à moça do caixa se a berinjela já está cadastrada no sistema. Sem ironia, claro!

 

 

 

* O autor é jornalista há 28 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.