- Comprova Explica
- Brasil e Estados Unidos têm sistemas de cobrança de imposto sobre herança diferentes. Aqui, o recolhimento é estadual, por meio do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A alíquota é variável em cada unidade da federação e pode chegar a 8%. Já nos Estados Unidos, existem dois impostos, um federal e outro estadual, com percentual que pode chegar a 40%, mas em casos raros.
Conteúdo analisado: Publicações em redes sociais desinformam ao fazer comparações entre a cobrança de imposto sobre herança no Brasil e nos Estados Unidos. Em um dos posts, o deputado federal Gustavo Gayer (PL) afirma que Lula “decidiu” que o imposto sobre herança no Brasil poderia chegar a 40%.
Comprova Explica: Uma declaração do presidente Lula (PT) durante discurso na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Buri (SP), em que ele comparou a cobrança de impostos sobre herança no Brasil com as regras dos Estados Unidos, repercutiu e levou à divulgação de conteúdos enganosos sobre o assunto. Por este motivo, a seção Comprova Explica esclarece como funciona o recolhimento deste tipo de tributo nos dois países, as diferenças nos sistemas e o contexto da fala do presidente.
Lula tratou sobre o assunto durante discurso no dia 23 de julho, na cerimônia de comemoração dos dez anos do campus Lagoa do Sino, da UFSCar. Conforme divulgado pelo Ministério da Educação, o campus foi fundado em 2014, após o escritor Raduan Nassar doar o terreno de sua fazenda. Lula contou a história da doação do terreno por Nassar e usou o exemplo para argumentar que nos Estados Unidos mais pessoas tomam decisões deste tipo do que no Brasil.
Leia mais:“Nos Estados Unidos, quando uma pessoa tem herança e ela morre, 40% da herança é paga de imposto. Uma fazenda dessa, se fosse vendida para os herdeiros, 40% era de imposto. Nos Estados Unidos, como o imposto é caro, você tem muitos empresários que fazem doação de patrimônio para universidade, para institutos, para laboratórios, para fundações”, disse o presidente.
No discurso, Lula argumentou que, no Brasil, isso não acontece porque o imposto cobrado é baixo. “Aqui, no Brasil, você não tem ninguém que faça doação, porque o imposto sobre herança é nada. É só 4%”, disse.
No entanto, o presidente apresentou apenas parte das informações sobre a cobrança do imposto sobre herança nos dois países. É verdade que nos Estados Unidos há possibilidade de imposto sobre herança chegar a 40%, mas os casos são raros. Já no Brasil, o recolhimento deste tipo de tributo é feito pelos estados e varia em cada unidade da federação, podendo chegar a 8%. Especialistas consultados pela reportagem destacaram que, levando em consideração os custos com taxas de cartório e advogados, o percentual de despesa geral na transmissão de herança pode ser ainda maior.
Como funciona a legislação sobre heranças no Brasil?
No Brasil, o imposto sucessório é estadual. A alíquota do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pode chegar a até 8% sobre o valor do patrimônio, conforme teto estabelecido pelo Senado Federal.
“Como se trata de um imposto regulamentado por legislação de competência estadual, alguns estados adotam uma cobrança progressiva do ITCMD, como é o caso do Ceará, ao passo que outros possuem alíquota fixa”, explicou a advogada Patrícia Ciriaco, presidente da Comissão de Direito das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil do Ceará (OAB/CE).
As alíquotas fixas são adotadas em dez estados brasileiros. São eles: Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Roraima e São Paulo. Nessas localidades, a alíquota independe do valor do patrimônio.
Advogado especialista em Direito das Sucessões e conselheiro da OAB de Goiás, Cícero Goulart afirma que o imposto brasileiro incide sobre o quinhão hereditário, ou seja, sobre a parcela do patrimônio que cada herdeiro recebe. Segundo Goulart, de acordo com o Código Civil Brasileiro, a herança se transmite a partir do momento do falecimento da pessoa e esta medida é formalizada em seguida por processo de inventário judicial ou extrajudicial (em cartório).
O Brasil tem faixas de isenção do pagamento do imposto que variam de estado para estado. A tributação só incidirá sobre o patrimônio acima da faixa estabelecida, que chega no máximo a R$ 75 mil.
A reforma tributária, discutida e aprovada no Congresso Nacional, determina a obrigatoriedade da cobrança do ITCMD de forma progressiva, ou seja, proporcionalmente ao montante da herança. O tema ainda deve ser regulamentado em nova lei.
Um dos vídeos analisados para produção deste Comprova Explica reproduz publicação de Gustavo Gayer, em que o parlamentar usa de forma descontextualizada a declaração de Lula para afirmar que o presidente pretende taxar as heranças em 40%. No discurso, o presidente não está tratando sobre o aumento do imposto. A reportagem entrou em contato com o deputado, mas não houve retorno até a publicação.
Como funciona a legislação sobre heranças nos EUA?
Ciriaco destaca que, nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, o imposto sobre herança pode ser cobrado tanto no âmbito federal, por meio do Estate Tax (que incide sobre o valor total do patrimônio do falecido), quanto estadual, pelo Inheritance Tax (sobre o valor da herança recebida por cada herdeiro).
A advogada explica que o Inheritance Tax é exigido em seis estados americanos: Kentucky, Maryland, Iowa, Nebraska, Nova Jersey e Pensilvânia. Já o Estate Tax, diz Ciriaco, que se aplica ao patrimônio deixado pelo falecido e não à transmissão da herança, é vigente em doze estados e no Distrito de Columbia, com alíquotas progressivas variando de 18% (para patrimônios de até US$ 10 mil) a 40% (acima de US$ 1 milhão).
Ou seja, os impostos podem ter alíquotas de até 40%, dependendo do valor da herança. No entanto, as regras do imposto federal sobre espólio definem uma isenção para patrimônios de até US$ 13,61 milhões. “A alíquota sobre heranças nos Estados Unidos raramente é de 40%, já que a taxa federal varia de 18% a 40% para aqueles que não se encaixam na alta isenção de cerca de U$ 13 milhões”, afirmou Ciriaco. Reportagem do Estadão também mostrou os casos em que o imposto é cobrado no nível mais alto.
Diferença entre os dois países na prática
De acordo com Ciriaco, comparar apenas as alíquotas dos dois países não é suficiente para a análise. “Embora no Brasil a alíquota máxima do ITCMD seja atualmente de 8%, o processo de inventário envolve custos adicionais, como taxas judiciais, emolumentos cartorários, honorários de advogados, etc, que representam um ônus significativo para as famílias brasileiras na transferência de bens para os herdeiros”, afirmou. Segundo ela, os estadunidenses frequentemente pagam menos impostos em comparação com os brasileiros.
Goulart faz análise semelhante sobre o assunto e aponta o nível de aumento do custo. “A despesa sobre herança no Brasil pode chegar a 37% a 40% (levando em consideração taxas de cartórios e outras despesas)”, disse o advogado.
Fontes consultadas: A equipe buscou informações na Constituição e em publicações de veículos parceiros. Também entrevistamos os advogados especialistas em Direito das Sucessões Patrícia Ciriaco e Cícero Goulart.
Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: A seção Comprova Explica já mostrou as principais informações necessárias para não cair em desinformação na eleição de 2024. No âmbito da política, checagens do projeto já demonstraram que vídeo engana ao afirmar que prisão de Nego Di seria resultado de perseguição e que vídeo em que Lula diz querer roubar cachorro de criança é sátira.
Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Este Comprova Explica contou com a participação de jornalistas que participam do Programa de Residência no Comprova.