Correio de Carajás

A luta de Aparecido entre a soja de Rondon e Dom Eliseu

A pequena propriedade rural de seu Abel Aparecido está sufocada no meio do deserto de plantação de soja entre Dom Elizeu e Rondon do Pará. O velho plantador de macaxeira, cupuaçu, um açaizal de um alqueire e sete pés de manga rosa, é dono também de um quintal invejável com dezenas de plantas medicinais.

Lá, encontrei até mesmo uma pequena plantação de estévia, usada como adoçante natural, e o sexagenário revela que há dez anos não usa açúcar branco de jeito nenhum. Me deu uma folha, coloquei na boca e senti a força da planta. Cara de pau, pedi uma muda pra levar pra casa. Ele sorriu e não fez cerimônia. Me deu dois ramos embrulhados num papel de jornal e avisou que tinha de ser plantada no mesmo dia.

Foi ali, naquela visita inesperada de duas horas, que ouvi o desabafo daquele senhor de 62 anos de idade, há 34 vivendo naquela terra com sua esposa – os três filhos já tinham sido criados e bateram pernas no mundo. Um é dentista com residência em Paragominas, outro advogado em Marabá e a moça mora em São Paulo, onde está casada e não pensa em voltar ao Pará.

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O drama de Aparecido é a pressão que sofre, dos dois lados. De um, os sojeiros que transformaram as propriedades rurais da região em monocultura pressionam para que ele venda sua terra também. Oferecem grana alta, uma casa na cidade que desejar e até carro de luxo, apê ou outra sugestão dele.

No último final de semana voltei à região. Fui ao casamento de Milla Andrade, nossa repórter mais jovem da Redação do CORREIO DE CARAJÁS. A cerimônia aconteceu em Dom Eliseu e precisamos cruzar os campos de soja. Para alguns, a planície parece um cenário bonito, que remota as imagens de filmes que a gente vê no cinema.

Uma castanheira aqui e outra acolá, isoladas na plantação de soja, é a única lembrança que um dia aquela região já foi floresta nativa. Depois disso, a gente só vê silos (armazéns) de um lado e de outro.

A outra pressão que seu Aparecido sofre é dentro de casa. A esposa, seis anos mais nova, quer que ele venda as terras e que ambos vão morar em Rondon do Pará ou até mesmo aqui em Marabá. Todos os dias, ela sente cheiro de agrotóxicos jogados nas plantações de soja e que acabam contaminando as terras, plantações e até mesmo as fontes das águas da pequena fazenda do casal.

Por último, Dona Rosângela apareceu em casa com exames que os médicos teriam dito que ela estaria contaminada com os agrotóxicos. O marido não teve argumentos. Deixou a mulher ir para a cidade, mas ele manteve-se na velha propriedade. Aos finais de semana vai visitar sua companheira, mas não leva frutas e verdade, que ela acredita estarem contaminadas.

A nova rotina tem resistido e já se passaram 14 meses desde que Rosângela foi para a cidade. Enquanto ouvia sua história, eu ficava avaliando comigo mesmo o preço alto do progresso, do fato de nossa região ter se transformado em um polo de agropecuária, mineração, com dinheiro circulando para cima e para baixo.

A sina de Aparecido deveria ser um dilema para todos nós. O certo – e estou certo disso – é que deveríamos preparar faixas, cartazes, cruzar estradas, aeroportos, ferrovias, rios e protestar contra o avanço da produção de alimentos de forma desordenada, prejudicando o meio ambiente, causando danos à saúde das pessoas.

Aparecido continua em sua terra, mesmo que longe da amada, mesmo que sem os filhos, mesmo sob pressão para ter grana preta em sua conta bancária. Passando por lá, eu vi uma pequena floresta que resiste, que insiste, que ecoa em favor da vida.

Na próxima semana, vamos ter em Marabá um evento promovido pelo Ministério Público Estadual sobre o uso de agrotóxicos em fazendas desta região. Para os produtores rurais, o nome é outro. Defensivo agrícola. Um eufemismo que eles usam para atenuar a força impactante que o agrotóxico tem.

Mas não é só eufemismo, é câncer, é tanta doença, são tantos doentes…

É Rosângela. Sou eu. É você!

 

 

* O autor é jornalista há 28 anos e escreve crônica às quintas-feiras

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.