Correio de Carajás

Botulismo

Botulismo é uma doença rara, porém grave, causada pela toxina botulínica, neurotoxina produzida pelo bacilo Clostridium botulinum ou raramente por cepas de Clostridium butyricum e Clostridium baratii.

São encontrados no solo e crescem principalmente em condições de anaerobiose. Podem formar esporos, permitindo a permanência em estado latente, até que sejam expostos a condições que permitam seu crescimento. São descritas 8 toxinas (A, B, C1, C2, D, E, F e G), sendo as principais relacionadas à doença humana os tipos A, B, E e F.

A primeira descrição da doença se deu no século XVIII, na Alemanha, após surto associado a ingestão de salsicha de produção doméstica. Tem distribuição mundial, com casos esporádicos ou surtos associados à conservação inadequada de alimentos. No Brasil, a notificação compulsória de casos é feita desde 1999.

Leia mais:

Há 5 formas de aquisição da doença: pelo consumo de alimentos que contenham a toxina botulínica. Por toxina proveniente de ferida infectada por C. botulinum. Pelo consumo de esporos de C. botulinum, que proliferam no intestino e liberam toxina (geralmente em lactentes). Colonização intestinal de C. botulinum no adulto, em geral, com alterações gastrintestinais. E iatrogênica, pela overdose acidental de toxina botulínica.

Uma vez na corrente sanguínea, a toxina atinge as terminações nervosas, na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, bloqueando a liberação de acetilcolina. Isso resulta em falha na transmissão de estímulos nervosos, levando à paralisia flácida do local acometido. Este dano é permanente, e a recuperação clínica depende da formação de novas terminações nervosas, o que pode levar de 1 a 12 meses.

O período de incubação varia conforme forma clínica e carga de toxina. No botulismo alimentar, o período de incubação varia de 2 horas a 10 dias (média de 12 a 36 horas). No botulismo por ferimento, 4 a 21 dias (média de 7 dias). E no botulismo infantil, o período não é conhecido, pela dificuldade em estabelecer o momento da ingestão de esporos.

O quadro clínico varia conforme a forma de aquisição da doença. O botulismo alimentar apresenta instalação súbita e progressiva, com sintomas gastrintestinais (náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia) antecedendo ou associados a sintomas neurológicos inespecíficos (cefaleia, vertigem).

O comprometimento neurológico inicia-se em nervos cranianos, com diplopia, ptose palpebral, xerostomia, disartria, disfagia. Evolui com paralisia flácida motora simétrica e descendente associada a acometimento autonômico, podendo ocasionar tetraplegia flácida e insuficiência respiratória.

O quadro neurológico também se destaca pela preservação da consciência, pela ausência de sinais de envolvimento do sistema nervoso central (SNC), e geralmente pela preservação da sensibilidade. A progressão pode levar 1 a 2 semanas e estabilizar-se por 2 a 3 semanas, antes de iniciar a fase de recuperação que, nos casos mais graves, pode levar de 6 meses a 1 ano.

O botulismo por ferimento apresenta o mesmo quadro neurológico, além de poder haver febre pela infecção na ferida, sintomas gastrintestinais estão ausentes. Em alguns casos, não são encontradas feridas, devendo ser investigados focos ocultos, como mucosa nasal, seios da face ou abscessos em sítios de injeção (usuários de drogas).

O botulismo infantil pode se manifestar com constipação leve, irritabilidade, sucção fraca, choro fraco, hipoatividade, paralisia simétrica descendente, até insuficiência respiratória; estima-se que cerca de 5% dos casos de morte súbita sejam decorrentes de botulismo.

O rápido reconhecimento da doença e tratamento é decisivo para a boa evolução e sobrevida. A recuperação completa pode levar semanas a meses, e aqueles que sobrevivem podem manter fadiga e dificuldade respiratória por anos.

Óbitos precoces geralmente estão relacionadas ao reconhecimento tardio da doença e retardo no início do tratamento. Óbitos após a segunda semana em geral resultam de complicações, como as relacionadas à ventilação prolongada. O tema prossegue na próxima edição de terça-feira.

* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.     

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.