Correio de Carajás

Cem anos depois: relatório mostra como era a economia de Marabá em 1924

Balanço da gestão de João Anastácio de Queiroz fazia previsão de que este seria um dos principais municípios do Pará

Onze anos depois de ser guindado ao status de município (em 1913), Marabá já tinha uma economia pulsante e que deixava seus administradores orgulhosos. Quem prova isso é um “Relatório da Administração Municipal no anno de 1924, apresentado ao Conselho Municipal pelo Intendente tenente coronel João Anastácio de Queiroz”, e cuja cópia foi enviada ao então governador do Estado, Raimundo de Moura Seixas.

Naquela época, a Câmara Municipal era denominada de Conselho Municipal e os vereadores chamados de vogais. A designação de prefeito não existia e quem ocupava o cargo de chefe do Poder Executivo era o Intendente Municipal.

O relatório data de uma época em que a moeda do Brasil era o “mil-réis” e que vender 326 couros de veados era considerado um sucesso comercial e não um crime ambiental gravíssimo. Naquele ano, a pungência econômica do município dava um vislumbre do potencial que poderia ser atingido.

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Os cofres públicos de Marabá tinham um saldo de 22:585$030 (grafia da época) em 31 de março de 1925. No ano anterior, em 1924, a renda arrecadada pelo município excedeu a previsão em 40,6% e a despesa, por sua vez, foi 28,4% maior que o orçado.

Números que refletem uma época em que Marabá, ao gastar com música, seja seu ensino ou com a banda municipal, ultrapassou em 583% o valor que havia sido estimado.

E ainda assim, naquele momento o município nada devia e nem tinha dívidas flutuantes ou consolidadas. Todos os funcionários e empregados foram pagos até 31 de março de 1925.

A CASTANHA E A ESTRADA DE FERRO

Na década de 1920 a comercialização da castanha-do-pará levou Marabá a arrecadar um alto valor em imposto de exportação, bem acima do que era esperado.

Sobre isso, João Anastácio fez um alerta. Ainda que a renda estivesse crescendo de forma extraordinária, o município não deveria se acostumar a fazer dívidas contando com dinheiro futuro. “Senão em serviços uteis e melhoramentos progressivos”. Ou seja, o cerne da administração em 1924 era investir no desenvolvimento de Marabá de maneira segura financeiramente.

A solidez do estado financeiro e a prosperidade crescente do município foram como uma constatação da excelente fase econômica de Marabá.

O potencial extrativista de recursos naturais (como a castanha-do-pará e o babaçu) naquela época era tanto, que merecia destaque até mesmo no Senado Federal. O relatório frisa uma fala do então senador Lauro Sodré.

“A nossa situação financeira é por consequencia a repercussão do nosso progredir economico, e, se a castanha se depreciar, acharemos outros recursos, entre os muitos de que este municipio póde dispôr”.

Sua previsão era de que a produção de castanha seria maior em pouco tempo e que o babaçu se tornaria uma fonte inesgotável de riqueza não só para Marabá, mas para todo o Maranhão.

Mas nem tudo eram flores. Havia um detalhe capaz de impedir o progresso da “zona Tocantins-Araguaya” (região no entorno dos rios): a falta de uma estrada de ferro que conectasse o Pará com o Goiás (onde hoje é o estado do Tocantins).

Ainda citando a fala de Sodré, sua hipótese era de que com o transporte direto, “de capacidade e sem baldeações inuteis e onerosas, a exploração de productos florestaes teria immediatamente um desenvolvimento consideravel com a exportação de castanha, babassú e outras sementes oleaginosas”.

E não apenas isso, seria também uma oportunidade de atrair mais pessoas para essa região, pois terra tinha demais, faltava gente para povoar.

A tão almejada ferrovia até ganhou vida, mas com um propósito muito diferente. Em operação desde 1985, a Estrada de Ferro Carajás, construída pela mineradora Vale, opera conectando o Porto de Ponta da Madeira, no município de São Luís (MA), a Marabá e Parauapebas (PA). O objetivo principal é o transporte de minério, mas há também o trem de passageiros.

ECONOMIA

Em 1921 a previsão era de que Marabá estaria entre os primeiros municípios do Estado. Ainda que faltasse um longo caminho para chegar a esse patamar, a cidade já vislumbrava situações que poderiam colaborar para que seu status atingisse essa previsão. Econômica e financeiramente, já ocupava um dos primeiros planos.

“A cifra dos gêneros exportados do municipio, no anno passado, atingiu a 3.160 contos, valor official da exportação”.

Em destaque, são enumerados os produtos que tiveram as melhores performances comerciais.

Foram exportados 61.700 hectolitros de castanha-do-pará e 43.634 de caucho (tipo de borracha). E, também, 326 couros de veado; 517 couros de boi; 364 litros de óleo de copaíba e 1000 quilos de algodão em caroço.

Tudo isso resultou que em 1923, o valor comercial da exportação do município foi de 3.634 contos de réis.

POPULAÇÃO

Um recenseamento datado de 1920 calculou que 6.822 almas moravam no município. Outro censo, mas de 1924, estimou que haviam 344 meninos em idade escolar, número que o relatório aponta ser menor do que a realidade da época.

E por falar em escolas, naquele ano foram reabertas duas estaduais e fechadas as municipais, pois a administração entendia que elas eram idênticas e o mais acertado seria auxiliar no ensino ministrado pelo Estado.

O relatório de João Anastácio detalha ainda um discurso do então secretário da Intendência Municipal, Arthur Guerra Guimaraes. Ele expõe que a administração pública deveria zelar pela saúde da população, “porque essas obrigações são positivas e imperiosas”. Apesar disso, desde aquela época a saúde pública já era o principal problema do município. E isso não mudou muito nos dias atuais.

“Precisamos do saneamento do municipio pela hygiene publica e domiciliaria, pela assistencia medica e hospitalar ao alcance de todos, ricos e pobres. Sem hospital, de pouco valerá o medico nessa terra cheia de abusões e curandeiros”.

Guimaraes refletiu que cidades mais pobres que Marabá, e menos insalubres, já possuíam hospitais de caridade. Para ele, era melhor desistir de iniciativas particulares e apelar para o governo municipal, pois o hospital era imprescindível para o organismo social de Marabá.

Curiosamente, um outro tipo de escassez assolou a cidade naquele período. O então intendente municipal cita brevemente que a falta de pedreiros e carpinteiros hábeis, resultou na paralisação de obras particulares.

PREVISÃO QUE AINDA NÃO SE REALIZOU

Há 100 anos, quem passou por Marabá vislumbrou todo o potencial de crescimento e desenvolvimento do município, prevendo que a terra de Francisco Coelho seria pungente em grandeza e opulência.

Ainda que tenha crescido e se tornando uma das cidades mais importantes da região sudeste do Pará, Marabá ainda padece sob o caos da mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito ao transporte público. Seus habitantes ainda sofrem com uma saúde pública sucateada e com uma educação que anualmente organiza greves para cobrar seus direitos.

Mas ainda é possível sonhar com os desejos de quem passou por aqui no início de tudo. Porque Marabá “ainda há de fazer a glória de seus constructores e ser orgulho de seus filhos”, como sonhou Anastácio de Queiroz há um século.

João Anastácio governou Marabá por duas ocasiões. Na primeira, foi nomeado intendente municipal de 28 de julho de 1919 até 11 de novembro de 1930, ou seja, por longos 11 anos. Na segunda ocasião, foi nomeado interventor (não mais intendente) de 25 de janeiro de 1943 até 1º de janeiro de 1945, pelo interventor estadual Joaquim de Magalhães Cardoso Barata.

Observação: Nas afirmações entre aspas, mantivemos o texto conforme a escrita da época, com o objetivo de reforçar a originalidade do documento de onde foi extraído”. (Ulisses Pompeu e Luciana Araújo)